Um processo do Ministério Público (MP) de São Paulo, ao qual a Gazeta do Povo teve acesso reúne mais de 1,7 mil páginas e inclui cartas apreendidas no presídio de segurança máxima de Presidente Venceslau (SP). Nos manuscritos, um dos líderes da facção, Luis Alberto dos Santos Aguiar Júnior, ordena a execução de policiais penais e autoridades.
O documento também menciona ONGs que apoiam a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), protestos contra a “opressão do sistema” e detalhes sobre a estrutura da organização criminosa. As primeiras cartas foram encontradas em novembro de 2023 na penitenciária de Presidente Venceslau, que abriga diversos membros do PCC.
Cada cela tem um líder, e o espaço onde os manuscritos estavam era comandado por Aguiar. Segundo depoimentos de policiais penais, ao perceber a abordagem, ele tentou engolir os documentos, mas não conseguiu destruir todos. Após a apreensão, Aguiar confirmou ser membro da facção, contrariando sua defesa em outros processos.
“Eu corro com a facção, aqui é o crime e já era”.
Fala de Luis Alberto dos Santos Aguiar Júnior ao ser flagrado com as cartas.
Os manuscritos detalham medidas para enfrentar a “opressão do sistema”. Duas semanas após a apreensão, uma manifestação ocorreu em frente à penitenciária para exigir melhores condições para os presos.
Integrante da chamada “sintonia” — o alto comando do PCC —, Aguiar determina nas cartas o “apoio da externa”, termo usado para designar a ajuda de membros da facção em liberdade aos que estão presos. Em um dos trechos, ele exige uma “resposta de sangue ao sistema".
Segundo o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), o plano envolvia o assassinato de agentes públicos, incluindo funcionários da penitenciária. O MP também investiga a possibilidade de que a ordem envolvesse a execução de uma autoridade, já que a carta menciona “três respostas de sangue”.
Estatuto do PCC é citado nas cartas
Criado em 1993, o estatuto do PCC contém 16 regras. Para mobilizar os faccionados, Aguiar faz referência à “injustiça do sistema opressor”, frase que marcou a fundação da organização criminosa nos anos 1990. “Chegou ao extremo, parceiro com costela quebrada, braço quebrado, mais de quatro agressões em um mês. Opressão psicológica, física, derramamento de sangue de irmão nosso. Injustiça, patifaria, tudo que eles podem fazer contra o crime, tão fazendo”, escreve Aguiar.
No trecho que reforça a tese de um plano de homicídio, Aguiar afirma: “Então vamos mandar pros irmãos tá fazendo três nomes e pedir a baixa”, sugerindo a execução de três agentes penitenciários. Ele ainda cobra urgência e exalta o poder da facção.
“Estamos prontos para o que vier, pois o crime está vivo aqui e em todo lugar do planeta. Somos a maior organização criminosa do mundo e não iremos aceitar isso dentro do nosso estado. Enquanto eles tentam nos massacrar, nossos irmãos vão focar em dar baixa em três tiranos. Temos quem nos apoia para que isso aconteça, e o tratamento irá mudar. Eles verão o PCC como devem”, continua o condenado.
Após ser flagrado com as cartas, Aguiar demonstrou preocupação com possíveis retaliações do Estado contra as lideranças do PCC nas penitenciárias de Presidente Venceslau I e II.
"Gravatas", saúde e reivindicações: carta revela setores estratégicos do PCC
O material apreendido no presídio de Presidente Venceslau detalha setores estratégicos do PCC. O documento menciona o setor de “gravatas”, que é composto por advogados que defendem integrantes da facção e facilitam a comunicação entre presos e o exterior; o setor de saúde, formado por médicos e dentistas que auxiliam detentos e suas famílias; e o setor de execução, responsável por homicídios e pelo controle do tráfico de drogas.
Os advogados do setor de “gravatas” também recrutam médicos e dentistas para a facção. No dia 28 do mês passado, o Ministério Público denunciou três advogados suspeitos de ligação com o PCC e de atuar no recrutamento de profissionais da saúde para a organização criminosa. O setor de reivindicações, liderado por uma ONG, também é citado na carta como essencial para influenciar a opinião pública e reforçar as demandas do grupo.
Carta do PCC cita apoio de ONGs à facção criminosa
No início do documento, Aguiar sugere acionar ONGs. “Iremos escrever nos lençóis socorro, injustiça e opressão, descaso com a saúde. Tudo que estamos passando aí. Como as unidades vão estar paradas em uma só voz, os profissionais irão acionar a mídia, os direitos humanos, as ONGs e a Corregedoria”, escreveu.
Quarenta e dois dias após a apreensão da carta, a ONG Pacto Social & Carcerário — suspeita de ligação com o PCC — organizou uma manifestação em frente à unidade regional do Departamento Estadual de Execução Criminal. Policiais civis infiltrados no protesto relataram a presença de membros da facção entre os manifestantes.
Na véspera da manifestação, dois homens foram presos no interior de São Paulo: Michael Douglas Anjos Coelho de Oliveira e Luan Vitor Siqueira de Jesus. Na casa onde eles estavam foram apreendidos radiocomunicadores, armas, coletes balísticos e faixas em defesa dos presos.
A carta também orientava sobre como o protesto deveria ocorrer. “Além dos lençóis, iremos fazer bateria, gritar ‘socorro’, aí a mídia e as ONGs de direitos humanos vão querer entrar na unidade. Isso tudo sincronizado. Temos poder e força para causar esse impacto e mostrar o que estamos passando dentro desse regime tirano e ditador”, dizia o texto.
A reportagem da Gazeta do Povo procurou a Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo para comentar a apreensão das cartas e a repressão à comunicação de membros do PCC com quem está fora do presídio. Em nota, a pasta afirmou que “por meio da Polícia Penal do Estado de São Paulo, combate diuturnamente o crime organizado, utilizando inteligência e tecnologia e atuando em estreita colaboração com o Ministério Público e as demais forças de segurança do Estado”.
ONG suspeita de ligação com o PCC é alvo de operação em São Paulo
No último dia 14, a Polícia Civil e o Ministério Público realizaram uma operação para prender líderes da ONG Pacto Social & Carcerário, suspeita de envolvimento com o PCC. A investigação tem como base as cartas apreendidas em 2023 na penitenciária de Presidente Venceslau.
Batizada de "Scream fake" (falso grito), a operação cumpriu 12 mandados de prisão preventiva e 14 de busca e apreensão contra advogados e dirigentes da ONG, que atuava no apoio a presos e ex-detentos. Os mandados foram cumpridos nas cidades paulistas de São Paulo, Guarulhos, Presidente Prudente, Flórida Paulista, Irapuru, Presidente Venceslau e Ribeirão Preto, além de Londrina, no Paraná.
Ao todo, 12 pessoas foram presas, incluindo três advogados, além da presidente e do vice-presidente da ONG, suspeitos de ligação com o PCC. Por determinação judicial, a entidade, com sede em uma comunidade de São Bernardo do Campo (SP), teve as atividades suspensas. A reportagem da Gazeta do Povo não localizou a defesa dos investigados. O espaço segue aberto para manifestações.
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