Após o temporal da última semana, 2,1 milhões imóveis chegaram a ficar sem energia elétrica no estado de São Paulo - 1,4 milhão na capital. Boa parte teve que aguardar por até seis dias pelo retorno do serviço. Falta de poda nas árvores, ausência de plano de contingência do poder público e da Enel, redução em quase 35% dos funcionários da concessionária e demora na resposta foram motivos citados pelos especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo para tentar explicar a dimensão do apagão.
Depois de deixar milhares de pessoas sem energia por quase uma semana, a Enel será investigada em duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), instauradas na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e na Câmara dos Vereadores de São Paulo, para apurar as condutas da concessionária no na situação extrema enfrentada no estado.
Outra frente de cobrança à Enel vem do Ministério Público (MP) estadual, que durante a semana abriu um inquérito para investigar eventuais erros e omissões por parte da empresa. O MP propôs um acordo à Enel para o pagamento de indenização aos afetados pela falta de energia elétrica. Os valores da indenização ainda não foram divulgados, mas devem ser descontados nas próximas faturas. Segundo o órgão, a empresa tem prazo de 15 dias para responder sobre a proposta.
Poda de árvores poderia ter amenizado a situação enfrentada por São Paulo
No início da semana, o governador São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), enfatizaram a importância do manuseio arbóreo na prevenção de acidentes. Seguindo a mesma linha, na quarta-feira (8), o presidente da Enel São Paulo, Max Lins, se queixou que “existem muitas árvores que não são nativas desta área de porte médio e grande com raízes que se alastram”.
Para o professor do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas da Universidade de São Paulo (USP), José Aquiles Grimoni, a Enel não estava preparada para o que aconteceu. “Se tivesse um plano de contingência, a resposta do serviço de concessão seria mais rápida. Precisava ter um plano de contingência envolvendo outros órgãos como Prefeitura de São Paulo, Corpo de Bombeiros e Defesa Civil”, aponta ele.
Grimoni ressalta que a queda de muitos postes de energia não é responsabilidade exclusiva da Enel. “Existem outras concessionárias que usam os postes, não é só eletricidade: TV a cabo e internet também precisam fazer uma ação organizada com um plano de contingência para essa situação”.
Marcos Amaral, professor de engenharia elétrica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, defende um trabalho minucioso de poda de árvores para amenizar o problema em casos futuros similares. “Uma solução é um trabalho de poda de árvores, especialmente as mais antigas que podem cair. Essa é uma forma de minimizar o problema. É de uma grandíssima ajuda fazer uma poda controlada das árvores que pode, além de favorecer a própria árvore, evitar quedas na linha”, explica o professor.
Na mesma linha, a professora de Engenharia Elétrica da Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) Michele Rodrigues pontua que a situação arbórea da cidade requer ação frequente. “Ao manter as árvores próximas às linhas de energia adequadamente podadas, reduzimos o risco de quedas durante ventos intensos. A presença de infecções em muitas árvores torna ainda mais propensa a ocorrência de quedas. A estrutura das árvores é algo que deve ser levado em consideração e observado constantemente”.
Redução de funcionários da Enel ampliou problema em São Paulo, afirmam especialistas
Segundo relatórios trimestrais divulgados pela empresa ao mercado, a Enel cortou cerca de 35% dos funcionários e terceirizados desde 2019. Naquele ano, a Enel contava com 6.468 funcionários próprios e, em setembro de 2023, o número era de 3.863. Os terceirizados também sofreram cortes, passando de 17.367 em 2019 para 11.503 no período. Os desligamentos representam 8.019 funcionários a menos num período de quatro anos.
Para o professor Marcos Amaral, os funcionários demitidos fizeram falta. “Cabe dizer que acredito que a concessionária deveria mobilizar mais forças para encontrar todos os problemas”, analisa. Grimoni, docente da USP, concorda com a tese de que faltou mão de obra à Enel. “A empresa demitiu muitos funcionários que cuidavam da manutenção, e ainda veio esse evento que foi além do normal”, afirma.
Uma das linhas de investigação do inquérito do Ministério Público é apurar se a demissão dos funcionários teve motivação técnica ou foi focada em redução de custos pela empresa.
Custo estimado em R$ 20 bi: enterramento de fios é discutido como opção, mas parece distante
O prefeito paulistano Ricardo Nunes chegou a cogitar o enterramento dos cabos elétricos, eliminando a relação de atingimento da estrutura de energia durante temporais com fortes ventos. Para evoluir com a proposta, Nunes chegou a sugerir a criação de uma taxa. Pela argumentação dele, a prefeitura não teria condições de custear os R$ 20 bilhões que o projeto custaria.
"Não farei de forma obrigatória. A ideia é fazer com que a gente possa apresentar, sei lá, pega um quarteirão de um bairro qualquer, se quiser aderir uma parte da prefeitura entra e o munícipe entra com outra parte e a gente consegue acelerar a questão do enterramento", disse Nunes, em entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes na última segunda-feira (6).
Após a repercussão sobre a possibilidade da nova taxa, o prefeito voltou atrás e disse que “não tem a menor hipótese de criação de taxa”. Avenidas como Paulista, Nove de Julho e Angélica contam com o enterramento dos fios na capital paulista, mas isso representa menos de 1% de toda fiação da cidade.
A rede de São Paulo possui cerca de 20 mil quilômetros de cabos elétricos, dos quais apenas 65 quilômetros são enterrados, segundo a Enel.
Grimoni, da USP, questionou os valores indicados pelo prefeito para enterrar os cabos elétricos. “O campus do Butantã da USP foi todo enterrado faz uns 15 ou 20 anos e não custou tudo isso, porque o terreno é favorável, tem muito gramado, assim fica mais fácil de fazer o enterramento. Em outros lugares terá que quebrar calçada ou rua, mas também existem técnicas bem mais simples que podem utilizar a fiação dentro da valeta ou, então, pode ser feito embaixo da terra com uma máquina parecida com o tatuzão do metrô”, disse o engenheiro.
Nunes chegou a mencionar que o enterramento dos cabos custaria dez vezes mais do que o cabeamento área, que é a realidade atual. O engenheiro eletricista da USP refuta: “não é dez vezes mais caro do que a fiação área. Se o local favorecer, diria que é duas ou três vezes mais”. Para Grimoni, o projeto de enterramento de cabos elétricos é algo a ser estruturado a longo prazo.
“A indústria que faz o enterramento não está preparada. Isso são anos de projeto, uma década ou mais, é um projeto que transcende a prefeitura, é um projeto de estado".
Professor do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas da USP, José Aquiles Grimoni
De acordo com ele, é inviável fazer o enterramento em curto prazo. "Teria que fazer um plano e priorizar áreas que têm hospitais e órgãos públicos essenciais, mas é difícil porque cabo enterrado não dá voto para ninguém e todo ano discutimos isso”, reclama o professor.
Novas tecnologias e distanciamento entre os cabos são opções
Os especialistas em engenharia elétrica ouvidos pela reportagem da Gazeta do Povo alertam que existem outras soluções possíveis para evitar os problemas causados pela chuva na última sexta-feira (3) na rotina urbana de São Paulo.
A professora Michele Rodrigues aposta em novas tecnologias para prevenir problemas como novo apagão. “A implementação de novas tecnologias, a adoção de planos de contingência específicos para o verão, o reforço do contingente em campo e a exploração do conceito de smart city (modelo de cidade eficiente, conectada e sustentável), voltado para cidades inteligentes, são estratégias que podem ser consideradas”.
Para o professor Grimoni, a questão da rede elétrica precisa ser debatida em diversas frentes. “Tem fatores, por exemplo, que passam pela Lei de Zoneamento, Plano Diretor da cidade, Código de Obra, além do que São Paulo é uma cidade que cresceu totalmente desordenada”, afirma. De acordo com ele, existem redes mais seguras com distanciamento entre cabos. "Outra alternativa é envelopar os cabos e protegê-los. Estão muito expostos”, afirma o especialista.
Marcos Amaral ressalta outra possibilidade: “o recomendado é a utilização de redundâncias, ou seja, preparar circuitos que, para o caso de desligar os principais, outros sejam ligados”, diz o professor.
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