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Caducidade de contrato proposta por Ricardo Nunes é remota, devido aos parâmetros da Enel em agência reguladora.
Caducidade de contrato proposta por Ricardo Nunes é remota, devido aos parâmetros da Enel em agência reguladora.| Foto: Marcelo S. Camargo /Governo do Estado de São Paulo

O apagão paulista no último dia 3 de novembro, quando uma tempestade de grandes proporções deixou mais de 2 milhões de pessoas sem energia elétrica, gerou uma forte reação política contra o serviço da concessionária Enel. Na capital, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) chegou a declarar que espera o cancelamento do contrato com a empresa. A medida extrema é considerada remota por especialistas no setor de energia.

A caducidade exige a quebra de vários pontos da concessão com possibilidade de contingenciamento dos problemas e a Enel, apesar da percepção atual da população sobre o atendimento, atende aos parâmetros de exigência da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), órgão federal que regulamenta o setor.

A alta tensão entre o poder público e a concessionária também repercutiu na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), que intensificou os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a atuação da Enel.

A promessa é entregar o relatório final sobre a concessionária antes do recesso parlamentar e exigir o ressarcimento aos consumidores afetados.

Na última terça-feira (21), o Procon de São Paulo multou a Enel em mais de R$ 12 milhões pelo atraso no restabelecimento de energia elétrica, que em algumas unidades levou cerca de uma semana, quando o máximo tolerável é 48 horas, com prejuízos financeiros para moradores e comerciantes no estado.

Apesar do desgaste na imagem da empresa, a caducidade do contrato está mais próxima do discurso político do que da realidade técnica. Diretor do Centro Brasileira de Infraestrutura (CBIE), Bruno Pascon afirma que não existe nenhuma possibilidade de cancelamento do contrato com base nos parâmetros da Aneel. A concessionária italiana possui perda de 10,52% de energia, quando a média no Brasil é de 16,5%. Ainda de acordo com ele, os indicadores de qualidade como duração e frequência de chamada, com exceção dos últimos eventos, atendem os parâmetros regulatórios e a concessão está em dia com os pagamentos setoriais.

“Quando o prefeito de São Paulo fala que vai pedir o cancelamento do contrato, ele sabe que não existe prerrogativa para isso. É muito mais para dar uma resposta para a população que, obviamente, sofreu com a falta de luz por muito tempo. Mas essa prerrogativa é do poder federal, por meio da Aneel, que é a agência reguladora”, comenta Pascon.

Caso a concessionária não atenda cláusulas do contrato, como religamento da rede abaixo do tempo esperado, a empresa pode ser multada em até 2% do faturamento pela Aneel. Na avaliação do diretor da CBIE, uma multa bilionária seria uma das sanções mais extremas no caso da Enel e considera a caducidade “quase impossível”, sendo que a concessionária ainda pode alegar “evento de força maior” sem precedentes, com a tempestade acompanhada com rajadas acima da capacidade de suporte de rede elétrica.

“Para caducidade, a concessionária precisa estar inadimplente, com padrões constantes de qualidade abaixo do exigido por vários trimestres. Em primeiro lugar, leva um cartão amarelo para apresentar um plano de contingência com o objetivo de voltar aos parâmetros da Aneel. Ou seja, dá para contar nos dedos os casos de caducidade no Brasil, processo que ainda pode ser evitado pela troca de controle. Com uma nova concessionária, o processo de caducidade é interrompido”, pondera o especialista. Na última terça-feira, a Aneel recomendou a caducidade do contrato da Amazonas Energia após indeferimento do pedido de transferência de controle societário.

A diretora de Assuntos Técnicos e Regulatórios da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Mariana Amim, ressalta a necessidade de seguir a legislação setorial que garante amplo contraditório à Enel, antes de qualquer tentativa de afastamento dos serviços. Para ela, a concessionária ainda deve prestar contas das medidas adotadas para “atendimento de um evento completamente adverso e fortuito”.

“Não bastasse, é preciso se considerar que o problema ganhou viés político, numa disputa entre a Enel e a prefeitura que, por sua vez, também tem sua parcela de culpa no evento em vista das tarefas que lhe são afetas, como podas de árvores, retirada de árvores que possam provocar acidentes e limpeza de bueiros”, analisa.

Procurada pela Gazeta do Povo, a Aneel respondeu que o processo de fiscalização contra a Enel foi imediatamente instaurado após o apagão, em conjunto com a Arsesp (Agência Reguladora dos Serviços Públicos do Estado de São Paulo), e diz que tem dado “prioridade máxima” ao tema, com previsão dos primeiros resultados em 30 dias.

“Nesse processo serão analisadas diversas dimensões do problema como: a preparação das distribuidoras para eventos críticos, o desempenho na prevenção dos seus efeitos, a capacidade de restabelecimento, adequação, preparo e quantitativo das equipes utilizadas na recomposição, a execução do plano de contingência, a interlocução com as demais instituições envolvidas no processo de restabelecimento, dentre outros. Nesse processo, serão apuradas as responsabilidades e aplicadas as sanções cabíveis”, respondeu a Aneel em nota.

Por meio da assessoria de imprensa, a Enel respondeu que não vai comentar o assunto. Até a publicação desta reportagem, a Prefeitura de São Paulo não respondeu ao pedido de posicionamento sobre o assunto.

Após apagão da Enel, novas concessões devem exigir rede robusta para eventos climáticos

As mudanças climáticas com eventos extremos mais frequentes no Brasil devem exigir soluções mais duradouras das concessionárias, que vão assumir cerca de 65% do fornecimento de energia elétrica aos consumidores brasileiros em novos contratos entre 2025 e 2030.

“A renovação de concessões vai exigir segurança robusta da rede neste novo cenário, terá critérios mais rigorosos, com tecnologias para melhorar a confiança na rede, como religadores automáticos. Mas obrigar a enterrar a rede é muito difícil, pois o custo é exorbitante”, analisa o diretor do Centro Brasileira de Infraestrutura (CBIE), Bruno Pascon.

Ele lembra que as empresas do setor de energia elétrica têm experiência com eventos climáticos, pois o Brasil é recordista em raios pelas características propícias para tempestades tropicais durante as estações de primavera e verão, sendo que o ranking nacional de descargas elétricas é liderado por São Paulo, Mato do Grosso do Sul e Minas Gerais. Ao todo, são mais de 75 milhões de raios registrados anualmente no país.

Mesmo assim, Pascon avalia que a intensidade das situações climáticas extremas aumentou nos últimos anos e a rede elétrica não está preparada para suportar as rajadas de ventos, acima da capacidade prevista pelas estruturas. “Foram registrados ventos entre 80 km/h e 100 km/h, tufões no Sul do país e, em alguns casos, tempestades com rajadas que chegaram em 110 km/h. A rede e as próprias árvores suportam no máximo 80 km/h. Já o sistema de alta tensão de transmissão de energia contempla até 100 km/h. Pensando na renovação de concessões, uma discussão que vai ter que acontecer é a substituição por um sistema mais robusto para sustentar os ventos acima de 100 km/h, que virou o novo normal”, prevê.

Considerada a solução ideal, o enterramento da fiação elétrica pode aumentar em até 30 vezes a conta de energia, conforme Pascon, que calcula que uma pessoa que gasta R$ 150 passaria a pagar uma fatura de R$ 4 mil por mês, caso a concessionária repassasse o investimento ao consumidor final. Para enterramento de 100% da rede da Enel em 42 mil quilômetros, o orçamento previsto é de R$ 320 bilhões, sendo que a base de ativos é da empresa é de R$ 11,3 bilhões.

“Um quilômetro de rede enterrada custa 10 vezes do que no sistema aéreo. Não é uma solução viável imediatamente. Uma alternativa é conversar com os lojistas, como na Oscar Freire, em São Paulo, onde a fiação é enterrada. Quem pagou por isso foram os lojistas. É uma solução interessante, pois se o capex [investimento] não é feito com o dinheiro da concessionária, não vai para tarifa, não onera o consumidor e melhora a percepção da qualidade do serviço, além de neste caso beneficiar o comércio”, analisa.

Na avaliação do diretor do CBIE, as redes mais seguras devem ser instaladas de maneira escalonada, priorizando os 2,7 mil municípios com maiores riscos de adversidades climáticas no país. Dentro das cidades, as áreas mais vulneráveis aos eventos extremos seriam atendidas, primeiramente, com a troca da rede e parte da fiação enterrada.

“Um programa que envolva prefeitura, estado de São Paulo, associações de bairros, instituições da área de serviços e mais a concessionária, para escalonar o enterramento da rede, devagar, com parte do fundo arrecadado pela prefeitura com a iluminação pública para o investimento. Tem que ser um conjunto de soluções, pois só a solução mais cara não é viável para o consumidor”, declara.

Outra sugestão para as novas concessões é ter uma regulação de "solidariedade" para que, em eventos extremos, as empresas afetadas possam receber equipes de outras concessionárias do país para acelerar o atendimento e suporte sem repasse do serviço terceirizado na conta do consumidor.

“Uma série de empresas ligaram para a Enel oferecendo equipes em consequência do evento do dia 3 de novembro. Mas exatamente por não ter um tratamento regulatório, isso gera uma certa insegurança. Não se sabe se o regulador vai considerar esse suporte como uma força terceira e o custo será repassado para a conta de energia. Essa seria uma solução interessante para se aplicar em todo o Brasil, a solidariedade entre as distribuidoras. A rede é uma só e o sistema é interligado”, defende Pascon.

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