A 72 quilômetros da capital paulista, um projeto está transformando a cidade de Santos, no litoral. Uma área do porto que não era mais utilizada ganha formas de um novo espaço de lazer e cultura: o Parque Valongo. Longe de ser apenas um local de diversão para a população, a iniciativa promete impulsionar a revitalização de uma parte importante da cidade, o centro histórico, promovendo uma renovação urbanística em um dos municípios mais antigos do país e fundamental para o comércio exterior brasileiro.
O Parque Valongo será construído numa área de armazenagem do Porto de Santos que perdeu sua função e está degradada, em grande estado de deterioração, como explica o engenheiro e professor Áureo Figueiredo, que há mais de 50 anos executa obras no porto. “As cargas que eram movimentadas ali, tradicionalmente, eram o que a gente chama de carga geral. Eram cargas soltas”, relembra.
Com o passar do tempo, o aumento de produção e de capacidade de movimentação demandou novas formas de acondicionamento, de embalagem e de agrupamento das cargas. "Então tudo que cabia em contêiner passou a ser transportado, progressivamente, em contêineres, que não podem ficar dentro do armazém”, explica o professor.
Por conta dessas mudanças em logística e transporte, os armazéns não eram mais apropriados e foram deixados de lado. Agora, eles serão revitalizados e transformados em um parque linear. Os cerca de 20 mil metros quadrados pertencentes à União, geridos pela Autoridade Portuária de Santos (APS), foram cedidos para o município e serão transformados em espaços de lazer, convivência e de atividades esportivas e culturais, com gestão compartilhada entre a prefeitura e a APS.
Parque Valongo passa por primeira fase de obras
A primeira fase das obras, que começou em setembro, deve ser entregue até julho do próximo ano. Nesta etapa, serão realizadas a restauração e revitalização do armazém 4, que abrigará atividades culturais, e da Casa de Pedra, que fica ao lado, além da construção da infraestrutura da área de lazer, no vão dos armazéns 5 e 6, demolidos em 2022 durante a expansão portuária.
Este não é o primeiro projeto pensado para esta área do Porto de Santos, conta a arquiteta e urbanista Clarissa Souza, doutora em planejamento urbano pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Santa Cecília, uma das mais tradicionais da cidade. Desde 1998, quando mudou a legislação, “já se colocam as áreas dos armazéns como estratégia de revitalização no Plano Diretor de Santos”, diz. Segundo ela, desde os anos 1990, houve vários projetos, sob diversos nomes, que acabaram não sendo realizados. “O que muda agora é que a gente tem instrumentos da legislação urbanística de contrapartida de impacto”, como os Trimmc (Termo de Responsabilidade de Implantação de Medidas Mitigadoras e/ou Compensatórias), que são contrapartidas compensatórias da implantação de um terminal privado no porto.
Para a primeira fase do projeto, R$ 15 milhões virão por meio da assinatura de um Trimmc com a trading de grãos chinesa Cofco International. A Ecoporto Santos, por meio de um Trimmc de R$ 5 milhões, custeará a parte náutica, um playground e píeres, incluídos no projeto após audiências públicas. E R$ 35 milhões virão de um convênio com a APS, que é uma empresa pública, de capital fechado, vinculada ao Ministério de Portos e Aeroportos, responsável por exercer as funções de autoridade portuária no Porto de Santos. Outro Trimmc, no valor de R$ 23,7 milhões, firmado com a Brasil Terminal Portuário, está destinado para a segunda fase do projeto, que vai revitalizar a área dos antigos armazéns 1, 2 e 3.
O projeto do Parque Valongo ainda prevê restaurantes, espaços culturais e de entretenimento. Segundo o secretário de Desenvolvimento Urbano de Santos, o arquiteto e urbanista Glaucus Farinello, existe a possibilidade de expandir as conexões via água, “com passeios náuticos, passeios pelo mangue, pelo Porto de Santos e também realizar conexões com outros pontos da cidade, como a Ponta da Praia, Bacia do Mercado e o bairro do Caruara, que é um bairro mais afastado”, diz. Hoje, naquela área, existem várias linhas de embarcações, como o transporte público para a Ilha Diana, uma comunidade caiçara tradicional santista, e as que fazem a ligação Santos-Guarujá, como reportado pela Gazeta do Povo.
Renovação do centro histórico de Santos
De acordo com o secretário, além da primeira parte do projeto impulsionar as demais fases e atrair outros investimentos, a iniciativa tem atuado como uma âncora para outros programas, como o Alegra Centro, um projeto de revitalização urbana para a região central do município. “O Parque Valongo está desencadeando diversas opções que estavam planejadas, mas que careciam do impulso. Esse impulso está sendo o parque”, afirma. Clarissa complementa que o Parque Valongo não é um projeto isolado. “Ele está vinculado a toda uma legislação urbanística que vem sendo pensada há mais de 20 anos”, conta ela.
Criado nos anos 2000, o Alegra Centro começou trabalhando a preservação dos imóveis da área central histórica de Santos. “Ele também fez várias intervenções na cidade, como a revitalização de praças, o projeto da Rua XV de Novembro [conhecida por suas edificações históricas], com aquele calçadão onde são gravadas novelas, e a própria implantação do bonde turístico acontece nesse período”, explica a professora. Esse programa foi sofrendo alterações e revisões com o passar dos anos. “E ele sempre colocou a área dos armazéns ali em frente da água como uma área estratégica para um projeto de revitalização urbana”, completa.
Para Farinello, as obras do Parque Valongo representam a oportunidade de “criar um centro histórico vibrante para o turismo e a cultura, mas também pensando no repovoamento da região central”, que sofreu um “esvaziamento natural, como outros centros urbanos do mundo. Santos é uma cidade que se desenvolveu muito em função de sua orla”, diz. Segundo a professora, o centro de Santos é uma área em que ninguém mora. "Há pouquíssimos habitantes. Então toda intervenção que você faz tem que pensar que seja capaz de gerar um movimento 24 horas da área”, afirma. “Ter residentes garante que o espaço vai ter vitalidade urbana”, aponta.
No centro histórico, estão localizados equipamentos turísticos importantes, como o Museu Pelé, o bonde turístico, a Bolsa do Café (a primeira Bolsa de Valores do país), o Museu do Café, e o novo Museu de Produtos Contrafeitos, com inauguração prevista para abril de 2024 na sede da Alfândega de Santos, e que se somará ao Parque Valongo. O parque ainda deve ser ligado a essas atrações por meio de uma passarela, que desembocará na Rua XV de Novembro, muito próxima desses pontos.
Habitação no centro histórico
A professora ressalta que, apesar de a prefeitura de Santos investir em ações no centro, como eventos e festivais para levar a população nos horários em que ele fica mais ocioso, como nos fins de semana, para um projeto alcançar autonomia, precisa ter residentes. "Então você precisa ter habitação. E isso só vai acontecer quando o centro se tornar atrativo o suficiente”, afirma. Para ela, faltam programas de promoção de habitação pública para atender a população que já mora nessa área e que com a valorização do entorno pode não conseguir mais residir ali.
Segundo o secretário, incentivos para o retrofit (remodelação de prédios antigos para habitação) e para a renovação urbana no centro, como a isenção de ITBI e de IPTU para imóveis residenciais (tanto para o empreendedor, como para o primeiro morador), começam a surtir efeito. Ele cita como exemplo o lançamento de um empreendimento com 1.080 apartamentos no Valongo.
“Quando a gente fala de um de um universo de 1.080 apartamentos, a gente está falando de aproximadamente 3 mil, 4 mil pessoas que vão morar no centro e que vão desencadear a abertura de novos comércios, como a padaria, o mercado, a farmácia, e trazendo vida 24 horas para o centro”, diz.
Segundo ele, o projeto do Parque Valongo faz parte de um conjunto de ações que visam integrar o centro ao resto da cidade. “São investimentos no mercado municipal, na criação de bulevares, calçadões, vias, perna, praças”, afirma o secretário, que fomentam um outro tipo de turismo na região, que não o de praia. “Quando anunciamos o Parque Valongo, foi exponencial o crescimento da procura de novas pessoas procurando investir no centro. Então a gente enxerga com otimismo os próximos anos em que o centro de Santos possa ofertar um outro tipo de turismo que a Baixada não propiciava, que é um turismo cultural, um turismo gastronômico”, completa.
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