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Entenda o caso

Suspeita de corrupção que afastou prefeito de São Bernardo do Campo pode envolver mais cidades

MP-SP aponta complexa rede criminosa em investigação que envolve suspeita de corrupção envolvendo o prefeito de São Bernardo do Campo.
MP-SP aponta complexa rede criminosa em investigação que envolve suspeita de corrupção envolvendo o prefeito de São Bernardo do Campo. (Foto: Divulgação/Prefeitura de São Bernardo do Campo)

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A suspeita de um grande esquema de corrupção investigado pela Polícia Federal (PF) na Operação Estafeta — que afastou do cargo Marcelo Lima (Podemos), prefeito de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, dois vereadores locais e funcionários públicos do cargo por um ano nesta quinta-feira (14) — pode envolver outros políticos, servidores públicos e empresários de pelo menos mais três cidades da região metropolitana da capital paulista. De acordo com fontes envolvidas na investigação sigilosa ouvidas pela reportagem da Gazeta do Povo, também estão na mira da PF situações suspeitas pelo menos em Santo André, Mauá e Diadema, mas a lista pode ser ainda maior.

Na quinta-feira, o prefeito de São Bernardo do Campo foi alvo de busca e apreensão por parte da polícia, foi afastado do cargo pelo prazo de um ano e terá que usar tornozeleira eletrônica para o cumprimento de medidas restritivas de liberdade, como proibição de sair de casa no período noturno e aos finais de semana. A PF havia pedido a prisão dele no inquérito que investiga corrupção por parte do prefeito e aliados, mas o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) foi contra e o desembargador Roberto Porto, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), negou a prisão e optou pelo monitoramento eletrônico.

Lima fica também proibido pela Justiça paulista de se aproximar da prefeitura da cidade e de manter contato com outros investigados pelo possível esquema. A defesa do prefeito não foi localizada pela reportagem para manifestação.

Segundo a PF, há indícios de corrupção e pagamento de propina em contratos com empresas nas áreas de obras, saúde e manutenção.

O presidente da Câmara Municipal da cidade e primo do prefeito, vereador Danilo Lima Ramos (Podemos), também foi afastado das funções públicas por decisão judicial, por suspeita de envolvimento no esquema. Outro alvo da operação é o suplente de vereador Ary José de Oliveira (PRTB). Ao UOL, o vereador Ary Oliveira confirmou que policiais federais estiveram na residência dele e disse desconhecer o motivo. "Após inspecionar a casa toda, documentos e todas medidas de praxe, nada encontraram. Levaram meu celular para averiguação e depois devolvido”, afirmou.

Ainda foram presos em flagrante os empresários Edmilson Carvalho, sócio da Terraplanagem Alzira Franco Ltda., e Caio Fabbri, sócio da Quality Medical. Em nota divulgada à imprensa, a defesa de Carvalho afirma que o dinheiro vivo encontrado pela PF com ele é fruto de trabalho, e não corrupção.

Ambos mantém contratos com a prefeitura que agora estão sob escrutínio da PF. Também foi preso Antonio Rene da Silva, que é servidor da prefeitura de São Bernardo e atua como diretor de Departamento na Secretaria de Coordenação Governamental. Havia um mandado de prisão contra ele.

Ao todo, 70 policiais federais participaram da operação, e também foram cumpridos 20 mandados de busca e apreensão, além da quebra de 34 sigilos telefônicos e fiscais de investigados. Segundo a PF, há indícios de corrupção e pagamento de propina em contratos com empresas nas áreas de obras, saúde e manutenção. Pelo menos R$ 3,2 milhões foram apreendidos na operação desta quinta-feira com diversos alvos.

Em nota divulgada, a prefeitura de São Bernardo informou "que irá colaborar com todas as informações necessárias em relação ao caso". Disse ainda que "a gestão municipal é a principal interessada para que tudo seja devidamente apurado. Reforçamos que o episódio não afeta os serviços na cidade”.

A reportagem busca contato com a defesa do prefeito afastado e demais alvos da operação da PF citados e que ainda não se manifestaram sobre o caso. Até a tarde de quinta-feira, a Câmara Municipal de São Bernardo do Campo também não havia se pronunciado.

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MP-SP aponta complexa rede criminosa

De acordo com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), está demonstrada a existência de "uma complexa rede criminosa, com uma estrutura definida e um ‘modus operandi’ peculiar, voltada para a captação e movimentação de valores ilícitos no âmbito da prefeitura de São Bernardo do Campo”.

“Essa organização atua por meio do recebimento de vantagens indevidas em recursos financeiros em espécie, provenientes de empresas que possuem vultosos contratos com o Executivo Municipal ou com a Fundação ABC para a prestação de serviços essenciais, como coleta de resíduos, engenharia, informática e saúde. A complexidade da rede investigada é acentuada pelo uso de linguagem codificada e telefones ‘clandestinos' nas comunicações entre os envolvidos”, afirma o MP-SP na representação à Justiça que deu origem à operação da PF, obtida pela reportagem.

A Fundação ABC — uma Organização Social da área de saúde responsável por dezenas de aparelhos e serviços de saúde como hospitais em pelo menos 12 cidades do estado de São Paulo, a maioria na região metropolitana da capital — em nota enviada à Gazeta do Povo pela assessoria de imprensa, afirma que sua direção está perplexa com a operação, da qual tomou conhecimento pela imprensa. "A entidade se coloca, desde já, à inteira disposição para colaborar com as apurações, reafirmando seu compromisso com a ética, a transparência, a lisura das contratações e o cumprimento rigoroso das normas legais e regulatórias”, afirma.

Investigação sobre prefeito de São Bernardo do Campo começou “por acaso"

De acordo com a PF, foi uma coincidência que colocou o prefeito de São Bernardo do Campo na mira da polícia, há pouco mais de um mês. Os policiais federais tinham um mandado de prisão preventiva para cumprir em outro inquérito, sem relação com o prefeito, no dia 7 de julho. O alvo inicial era um homem suspeito de aplicar golpes na internet. 

Em uma confusão, saindo do endereço monitorado pela PF teria sido abordado um carro com o homem errado, Paulo Iran Paulino Costa, auxiliar legislativo da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Na abordagem, os policiais encontraram R$ 583 mil em dinheiro vivo dentro do veículo e, como o servidor público não tinha explicação ou comprovação de origem para a pequena fortuna, aprofundou a revista — policiais não têm o direito de “tropeçar" em um possível crime sem querer e “deixar para lá”, o que seria crime de prevaricação.

Depois, numa sala do suspeito no mesmo prédio, apreenderam mais R$ 12,278 milhões e US$ 156,9 mil em espécie. Foi esse flagrante inusitado que deu início à Operação Estafeta.

Os policiais federais também encontraram no endereço do servidor da Alesp comprovantes de pagamento de despesas pessoais do prefeito de São Bernardo do Campo e da família dele, como faturas do cartão de crédito astronômicas e contas telefônicas. Havia ainda crachás de veículos para acesso à sede da prefeitura. Para policiais envolvidos na investigação, Paulo Iran Paulino Costa parece ser o operador financeiro de propinas do prefeito, que seria o verdadeiro dono do dinheiro apreendido.

Paulo Iran é funcionário comissionado no gabinete do deputado estadual Rodrigo Moraes (PL). Segundo a PF, a indicação ocorreu por influência do prefeito de São Bernardo do Campo. À Gazeta do Povo, o parlamentar informou que exonerou Paulo Iran assim que tomou conhecimento da operação. "Tomei as devidas providências de exoneração para manter transparência, ética e moral para as devidas investigações. No meu mandato não aceito qualquer suspeita de corrupção ou conduta indevida. Sigo à disposição", afirmou em nota.

Para policiais envolvidos na investigação, Paulo Iran Paulino Costa parece ser o operador financeiro de propinas do prefeito.

De acordo com apuração do Estadão, no celular do suposto operador de propinas havia conversas com o prefeito desde julho de 2022. O prefeito teria mandado mensagens como “vai guardando”, ou “anote tudo para o posterior acerto”, e “encaminhe a lista do que tem para entrar para mim”. Foram encontradas planilhas manuscritas com a contabilidade das propinas.

Dois celulares foram apreendidos com Paulo Iran. Os diálogos que ele mantinha eram cifrados. Os investigadores afirmam que “americanos” era a senha para dólares, “figurinha” para pagamentos em dinheiro e “quilos” para altas quantias. Após o flagrante, ele foi solto para responder ao inquérito em liberdade e fugiu. Ele é considerado foragido pela Justiça. O criminalista Fernando Araneo, que defende Paulo Iran, informou que assim que tiver acesso aos autos irá se manifestar em defesa dele.

“Marcelo de Lima Fernandes emerge como o eixo articulador das movimentações financeiras ilícitas, com Paulo Iran Paulino Costa atuando como seu braço operacional. A documentação e as comunicações revelam um esquema estruturado de arrecadação e distribuição de valores de origem ilícita, dissimulado por anotações informais e comunicações cifradas, tudo sob a supervisão direta do chefe do Executivo municipal”, afirma a PF nos pedidos de prisão à Justiça. 

Na manhã desta quinta-feira, os prefeitos do ABC Paulista iriam se reunir com o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), na 168ª Assembleia Geral do Consórcio Intermunicipal Grande ABC. O evento aconteceria em Santo André, mas foi cancelado logo depois da divulgação da operação da Polícia Federal. O prefeito de São Bernardo também participaria da assembleia.

Com o afastamento do prefeito por um ano, quem comanda São Bernardo do Campo a partir de agora é a vice Jéssica Cormick (Avante), sargento da Polícia Militar de São Paulo em seu primeiro mandato eletivo, aos 38 anos.

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