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O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo investiu cerca de R$ 37 milhões em equipamentos, armas e softwares com fabricação em Israel, por meio de contratos com empresas do setor de segurança, desde 2023. As aquisições passaram a ser contestadas pela oposição à administração estadual na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
De acordo com informações da Casa Civil, o governo de São Paulo adquiriu 200 fuzis e seis metralhadoras da Israel Weapon Industries para a Polícia Civil em contratos que somam R$ 6,5 milhões, além de 3 mil magnificadores e 3 mil miras optrônicas de armas da Meprolight para a Polícia Militar, ao custo de mais de R$ 13 milhões.
Entre os dispositivos israelenses, o governo paulista firmou contratos com a empresa Techbiz, fornecedora da Cellebrite no Brasil. O software é conhecido internacionalmente pelo uso no setor de inteligência para extração de dados, processamento e análise em aparelhos eletrônicos, principalmente telefones celulares. Os contratos somam R$ 17,3 milhões e atendem a Divisão de Inteligência da Polícia Civil para análises forenses digitais, o Ministério Público e a seção de perícias da Corregedoria da Polícia Militar.
Apesar de a maioria dos contratos ter iniciado entre 2022 e 2023, o Psol começou a questionar neste ano os investimentos do governo de São Paulo, com o agravamento da crise na Faixa de Gaza, que foi tomada por Israel em reação ao ataque do Hamas em outubro de 2023, quando centenas de civis foram mortos e feitos reféns pelo grupo terrorista.
Ao pedido de informação do deputado estadual Guilherme Cortez (Psol), o secretário paulista da Segurança Pública, Guilherme Derrite, respondeu que os equipamentos foram entregues e estão em uso operacional, sem qualquer relação entre as forças policiais de São Paulo e o exército de Israel. “As aquisições objetivam o fortalecimento da estrutura tecnológica das forças de segurança, especialmente no enfrentamento ao crime organizado e na modernização dos recursos de investigação e atuação tática”, disse Derrite.
Forense digital: a evolução das investigações por meio da tecnologia
A ciência forense remete o imaginário popular às cenas de homicídios brutais, para as quais peritos são chamados para analisar manchas de sangue e a posição dos corpos das vítimas. A evolução tecnológica também abriu caminho para a investigação criminal com o uso de softwares que revelam comportamentos, mensagens apagadas entre suspeitos e a localização dos investigados. Assim, a ciência forense da era digital se tornou um importante aliado para desvendar crimes e combater organizações criminosas.
Em entrevista à Gazeta do Povo, o especialista em contra-espionagem e inteligência Rodrigo Alves explica que o software israelense Cellebrite tem a capacidade de extração de informações de dispositivos eletrônicos, como cartão de memória, drones e chips, o que abrange a obtenção de dados relevantes para além dos celulares.
Alves diz que o software não é utilizado de forma remota, mas usado para a extração de possíveis provas após apreensões dos equipamentos. “A quebra da senha do celular é só o começo, por exemplo. A partir do momento em que o telefone é aberto, a investigação consegue extrair todos os dados do telefone, desde conversas e fotos deletadas em aplicativos até as localizações do usuário”, comenta.
Com o cruzamento das informações obtidas em mais de um dispositivo apreendido, a investigação também pode avançar na identificação de suspeitos envolvidos com organizações criminosas e as áreas de atuação do grupo. “Da mesma forma que se pega o sangue, o DNA e junto com outras informações é possível afirmar que a pessoa estava na cena do crime, o perito digital faz a mesma coisa com os dados de celulares, notebooks e até em carros, por meio de dispositivos multimídias”, compara.
Softwares de Israel são utilizados pela segurança pública em diversos estados
O uso de softwares israelenses no setor de inteligência ganhou repercussão no país após a operação First Mile, que investigou um suposto esquema de espionagem durante o governo Bolsonaro, que ficou conhecido como “Abin paralela” - a Polícia Federal (PF) indiciou no último dia 17 o vereador carioca e filho do ex-presidente, Carlos Bolsonaro (PL), e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL), ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Estados brasileiros também firmaram contratos com empresas fornecedoras dos chamados “softwares espiões” da indústria israelense para combate ao crime, apesar das suspeitas do uso dos dispositivos para espionagem de adversários políticos pela PF. “Ressalta-se que a Cellebrite é uma empresa privada com sede no Estado de Israel, cuja tecnologia é amplamente utilizada por instituições públicas ao redor do mundo”, justificou o secretário da Segurança Pública de São Paulo no ofício encaminhado à Alesp.
O especialista em segurança pública Roberto Motta ressalta que Israel é referência na produção de tecnologia para as áreas de defesa, segurança pública e inteligência - ele avalia que o investimento do poder público, como no governo Tarcísio, é fundamental para ações contra o crime organizado.
“O enfrentamento ao crime em todo lugar é uma luta assimétrica porque os criminosos têm acesso a recursos que o Estado não tem. A polícia está sempre se esforçando para equiparar os seus equipamentos e armas àqueles possuídos pelos criminosos”, analisa Motta.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública paulista reiterou que o uso das ferramentas é controlado por "rígidos protocolos de acesso" e que a pasta investe na modernização dos equipamentos e do sistemas para auxiliar no combate ao crime organizado. "Dessa forma, os objetos citados visam a atender de forma adequada as polícias, permitindo o seu aparelhamento para enfrentamento ao crime e a entrega de melhores serviços à população."
Apesar do destaque na baixa taxa de homicídios, o estado de São Paulo enfrenta uma nova onda de crise na segurança pública conjugada com o assassinato do delator do Primeiro Comando da Capital (PCC) Vinícius Gritzbach, morto no aeroporto de Guarulhos em novembro do ano passado. Ele revelou ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP) a infiltração do crime organizado nas polícias Civil e Militar com a participação de agentes públicos no repasse de informações, recebimento de propina, lavagem de dinheiro e interferência em investigações policiais.
Deputado do Psol quer proibir governo Tarcísio de comprar equipamentos de Israel
O deputado Guilherme Cortez protocolou na Alesp, neste mês de junho, um projeto de lei para proibir a aquisição de armamentos, artefatos, dispositivos e equipamentos de defesa ou inteligência provenientes de Israel pelo governo de Tarcísio de Freitas em São Paulo. De acordo com ele, a manutenção das relações com o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu são incompatíveis com os princípios das relações internacionais que regem o Brasil. Cortez ainda alega que o país "pode se tornar cúmplice da violação de direitos humanos".
“A medida mostra-se necessária diante das evidências apresentadas por organizações internacionais, que apontam um cenário humanitário gravemente comprometido na Palestina, desde 2023”, diz o parlamentar do Psol. O projeto de lei recebeu a coautoria da bancada feminina do partido na Alesp.
Cortez afirma que São Paulo é um dos principais destinos brasileiros dos equipamentos israelenses, o que na visão dele poderia estar relacionado ao aumento de casos de violência policial no estado. “No mesmo período, verificou-se um aumento nos índices de letalidade policial em território paulista. Levantamentos como o do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com o Unicef, indicam crescimento nas mortes de crianças e adolescentes em decorrência de intervenções policiais entre os anos de 2022 e 2024”, acusa o psolista.
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