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Há quatro anos, Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro acata medidas definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) através da ADPF 635.| Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

A conhecida “ADPF das favelas” (ADPF 635), ação que visa reduzir a letalidade das operações policiais no Rio de Janeiro, pode estar chegando aos seus últimos capítulos. O Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir, a partir da próxima quarta-feira (13), se homologa o relatório final elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o que pode levar ao encerramento do processo. No entanto, juristas alertam que a ADPF 635 abre precedentes para que intervenções semelhantes ocorram em outros estados.

Desde 2020, o STF vem interferindo na segurança pública do Rio de Janeiro por meio da ADPF 635. Esse comportamento começou quando o Partido Socialista Brasileiro (PSB) ajuizou a ação em 2019, levando a Corte a apontar omissão do Estado no combate à letalidade policial. Nos últimos quatro anos, o governo do Rio precisou acatar uma série de determinações do Supremo. A atuação da Corte fere o pacto federativo previsto na Constituição, que garante aos estados autonomia para formular suas próprias políticas públicas, como as de segurança.

Ao longo desse período, atores como Conselho Nacional da Justiça, Defensoria Pública e incontáveis ONGs de esquerda participaram do processo, que definia as ações que deveriam ser adotadas pela Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. Durante a pandemia, o Rio de Janeiro ficou impedido de realizar operações de segurança em favelas. Segundo a Secretária de Estado da Polícia Civil do RJ, a interrupção das operações favoreceu o domínio de facções criminosas nas comunidades. Além disso, a decisão do relator da ADPF, o ministro Edson Fachin, também possibilitou que barreiras fossem criadas por milícias, o que gera, até hoje, dificuldade na chegada de serviços públicos nestas regiões.

Decisões do STF colocam em xeque autonomia dos estados, afirma jurista

Na última semana, o ministro Edson Fachin apresentou um relatório com mais de 40 páginas com um resumo da tramitação da ADPF. O esperado é que, nesta quarta-feira (13), o relator faça a leitura desse documento, bem como as sustentações orais previstas. Posteriormente, os ministros devem definir se haverá a homologação do relatório final do grupo de trabalho do CNJ, encaminhado em abril deste ano a Fachin.

Para Alessandro Chiarottino, professor de Direito Constitucional, embora a ADPF 635 esteja possivelmente próxima de seu encerramento, ela criou precedentes preocupantes ao se tratar de ativismo judicial. O Poder Judiciário, explica, não pode determinar políticas públicas, próprias do Poder Executivo.

“Essa política hoje é para o Rio de Janeiro. Amanhã podem ingressar com uma nova ADPF em relação ao mesmo assunto em qualquer outro estado. Então, quer dizer, me parece que isso aí é muito mais um capítulo, mas não um ponto final”, avalia.

O professor ainda acrescenta que as decisões possuem um impacto importante ao se tratar da autonomia dos estados. “A nossa Constituição diz que as decisões de segurança pública cabem primordialmente aos estados. Então, há um problema federativo, quando o STF não cumpre esses preceitos regimentais. Dessa forma, como é que fica a autonomia estatal?”, questiona Chiarottino.

Além de usurpar atribuições do Executivo estadual, o fato de o STF escolher uma abordagem que favorece a atuação dos criminosos é mais um motivo de preocupação, na visão de Fabrício Rebelo, coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes). “O quadro é ainda mais grave ao observarmos que essas diretrizes não são técnicas, mas ideológicas, seguindo uma agenda que não prioriza a segurança da sociedade, mas garantias dos próprios criminosos”, complementa.

Parecer do CNJ quer aprimorar comunicações sobre operações policiais ao Ministério Público

As considerações do relatório final do CNJ ainda trazem recomendações que o grupo acredita que devam ser adotadas pelo governo do Rio de Janeiro. Entre as sugestões, o órgão recomenda a reestruturação hierárquica para garantir independência e autonomia dos peritos policiais, além de alocar mais recursos públicos na área e contratar mais profissionais de perícia.

Em decisões anteriores relacionadas à ADPF, o STF obrigou que as polícias informem ao Ministério Público sobre as operações policiais que serão realizadas, assim como diversos dados posteriores às ações.

“As forças policiais deverão aportar seus dados em canal ministerial sistematizado, com dados estruturados e confiáveis, que possam ser acompanhados em tempo real”, consta o relatório final do CNJ. O texto ainda acresce que devem ser incluídos “registros de ocorrência, laudos periciais e demais informações sobre investigações penais, tão logo tais documentos sejam produzidos, a fim de viabilizar um controle externo mais concomitante/contemporâneo da atividade policial pelo Ministério Público”.

O órgão também avaliou o funcionamento do Painel de Monitoramento das Operações Policiais, principal instrumento de comunicação entre polícia e Ministério Público, e criticou a falta de parâmetros objetivos ao se tratar de “excepcionalidade”. Normalmente, o termo é usado para justificar intervenções feitas em caráter emergencial.

“Não há dúvida de que se colocará mais uma preocupação ao policial no desempenho de suas funções, pois se passa a submetê-lo a um risco muito maior de ver suas ações rotuladas de abusivas, gerando sua responsabilização pessoal”, analisa Rebelo. Segundo o pesquisador em segurança pública, esse tipo de ação coloca “o policial como verdadeiro inimigo da sociedade, quando deveria ser seu principal aliado”.

Temas ideológicos marcam parecer anterior do CNJ elaborado em grupo composto por ONGs

O relatório que será analisado nesta quarta-feira foi precedido por outro parecer, apresentado em abril de 2023, que incluiu uma série de temas de cunho ideológico. O combate ao “racismo estrutural”, por meio da “democratização da formulação da política interna antirracista” e a implementação de “ações afirmativas” nos cargos de alto escalão da segurança pública foram algumas das sugestões.

A presença de pautas ideológicas não surpreende quando se analisa a composição do grupo responsável por elaborar esse primeiro documento. Dos 35 membros participantes, apenas seis representantes das polícias (civil, federal e militar), enquanto oito defendiam os interesses de organizações não governamentais.

Obrigatoriedades que exigiam alta tecnicidade foram definidas pelo STF durante os quatro anos de tramitação da ADPF 365, como a proibição do uso helicópteros durante operações policiais ou instalação de câmeras nos uniformes dos policiais.

“A própria matéria da ADPF se trata de uma política pública, que por definição não pode ser definida pelo Poder Judiciário, porque ele não tem o conhecimento das circunstâncias e nem o conhecimento técnico adequado para resolver uma política pública desse tipo”, conclui Alessandro Chiarottino.

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