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Um ateliê se recusou a fazer um convite de casamento para um casal gay de São Paulo.
Um ateliê se recusou a fazer um convite de casamento para um casal gay de São Paulo.| Foto: Reprodução

Um casal homossexual denunciou por homofobia, na quarta-feira (24), um ateliê que se recusou a produzir convites para o seu casamento. Os interessados no serviço, que moram em São Paulo, procuraram a Jurgenfeld Ateliê, de Pederneiras (SP), para solicitar um orçamento, mas tiveram seu pedido negado pela dona da empresa via WhatsApp.

Os prints da conversa entre o casal gay e o ateliê, que viralizaram nas redes sociais, mostram a empresa aconselhando o noivo a procurar outra papelaria que pudesse atender ao pedido.

Em resposta a críticas, o ateliê publicou na quarta-feira (24) uma mensagem em suas redes sociais, posteriormente apagada, defendendo a negativa como condizente com seus princípios. "Aqui na nossa empresa, acreditamos na família como ela é", afirmaram os donos da empresa em uma postagem.

Diante da recusa do ateliê, o casal registrou boletim de ocorrência no 73º Distrito Policial, do Jaçanã, zona norte de São Paulo. A denúncia foi encaminhada para a Delegacia de Repressão aos Crimes Raciais contra a Diversidade Sexual e de Gênero e outros Delitos de Intolerância (Decradi) para investigação.

Uma usuária do X que diz ser amiga do casal homossexual publicou prints das conversas que viralizaram.

Pelo Instagram, o Jurgenfeld Ateliê postou uma mensagem agradecendo o apoio que tem recebido via redes sociais. "Muitos advogados entraram em contato conosco solidarizando-se com a causa e uma parte deles já está tomando as providências legais", afirmou a empresa, que diz estar sendo vítima de ameaças nos últimos dias.

Após lei equiparar racismo a homofobia, risco judicial se tornou maior  

Já houve um caso parecido no Brasil em maio de 2018, antes mesmo de lei federal equiparar racismo a homofobia, quando um tribunal em Salvador condenou um cerimonial por se recusar a prestar serviço de buffet para uma união homoafetiva entre duas mulheres, citando violação dos direitos do consumidor e discriminação por orientação sexual.

A empresa precisou pagar uma indenização de R$ 6 mil porque, segundo o tribunal, teria violado o artigo 39, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que proíbe os fornecedores de serviços de recusarem atendimento às demandas dos consumidores sem justificativa razoável. A decisão judicial também mencionou violação ao princípio constitucional da igualdade entre os seres humanos.

Na época, contudo, havia apenas a possibilidade de sanções administrativas previstas no CDC. Com a equiparação da homofobia ao racismo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019, e a criação em janeiro de 2023 da lei federal que referendou a decisão do tribunal, proprietários de negócios que recusem prestar serviço sob a justificativa da orientação sexual enfrentam um risco judicial maior: podem ser criminalizados.

"Desde que a homofobia foi equiparada ao racismo, se você é um comerciante que tem um estabelecimento, quando é procurado por um casal homoafetivo e diz que não pode atender, isso pode ser enquadrado na nossa lei como prática de crime de homofobia", afirma Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP.

Para ele, um comerciante poderia evitar a incursão penal no crime de homofobia definindo seu negócio como temático. "Por exemplo, dizer que só prepara as coisas para um casamento cristão, judeu ou islâmico. Se, antes de ocorrer o evento, o estabelecimento comercial tivesse uma caracterização já determinada por alguma cultura, alguma religião, não haveria problema nenhum", comenta. "Imagine o seguinte: uma empresa trabalha para casamentos indianos, e aí quem é católico pede os serviços para seu casamento. A empresa teria toda a legitimidade de dizer: 'Aqui nós só fazemos casamentos indianos'. E o mesmo ocorre com casamentos cristãos, judeus, muçulmanos, e assim por diante. Houve, na minha opinião, uma inabilidade muito grande do dono do estabelecimento."

O advogado Igor Costa Alves, mestre em Direito pela Universidade de Lisboa, acredita que as garantias constitucionais de liberdade de consciência e liberdade de crença deveriam ser suficientes para a recusa. "Acho que, por essas duas vias, o fornecedor, no caso concreto, teria liberdade de se recusar a fazer os convites", afirma. "Ele pode seguir premissas filosóficas que sejam contrárias a isso e se recusar, de acordo com a sua liberdade de consciência, que está prevista na Constituição. E isso é mais patente ainda quando se entra na esfera religiosa. O fornecedor pode ter uma religião e pode facilmente demonstrar que tem essa religião. Por exemplo, se for católico, nos próprios documentos jurídicos da Igreja Católica fica fácil comprovar que a religião à qual esse fornecedor adere é contrária ao casamento homossexual", acrescenta.

A situação se complicou, contudo, desde que o STF fez a releitura da Lei do Racismo criminalizando a homofobia. Para Costa Alves, o Supremo cometeu um equívoco grave no julgamento de 2019, fugindo de sua competência ao tipificar um crime. Desde então, explica o jurista, comerciantes que tenham conduta interpretada como homofóbica podem ser enquadrados no artigo 5º da Lei do Racismo, segundo o qual negar-se a atender cliente por discriminação pode resultar em reclusão de um a três anos.

Na prática, a não ser que as pessoas sejam reincidentes, o mais provável é a substituição por uma pena alternativa, como a prestação de serviços à comunidade, afirma Costa Alves.

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