Ao longo de todo o dia, um Brasil estarrecido tentava compreender as motivações que levaram o ex-auxiliar de almoxarifado Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, a cometer a chacina na Escola Municipal Tasso da Silveira. O planejamento detalhado do jovem, que chegou a escrever uma carta instruindo sobre a destinação do próprio corpo, demonstram que o rapaz calado e introvertido, segundo descrições de conhecidos, estava ciente da irreversibilidade de sua ação. Ele não tinha antecedentes criminais, segundo a polícia.
Pessoas que conviveram com Wellington ficaram chocadas com o crime. O surto de violência do rapaz foi uma surpresa no restrito círculo social do jovem carioca. Atordoadas com a tragédia, muitas pessoas se perguntavam como ele teria conseguido as duas armas e tanta munição, já que nunca tiveram notícia de envolvimento do amigo, colega e vizinho com drogas nem com criminosos. Algumas relataram, no entanto, uma mudança de comportamento nos últimos tempos.
Wellington completou o ensino médio, cursado na Escola Estadual Madre Teresa de Calcutá, em 2006, e, em fevereiro de 2008, conseguiu um emprego de auxiliar de serviços gerais em uma fábrica de embutidos em Jacarepaguá. Em agosto do ano passado, deixou o emprego onde ganhava pouco mais de R$ 400 mensais. No mesmo período, saiu da casa na Rua Jequitinhonha, também em Realengo, onde viveu com os pais adotivos, já falecidos, e foi morar em Sepetiba.
O gerente de Wellington na fábrica, que preferiu não se identificar, comentou que, nos últimos meses de trabalho, o rapaz passou a demonstrar desinteresse e baixo rendimento. A demissão chegou a ser recomendada, mas ele pediu dispensa antes de qualquer iniciativa da empresa. "Estamos todos perplexos, estarrecidos. Ele era quieto, observador, na dele, mas sempre pareceu uma pessoa normal. Hoje a gente já faz outra leitura da timidez, devia estar muito perturbado para fazer o que fez", disse o gerente, que acompanhou o funcionário desde a contratação.
Religião
Na adolescência, Wellington foi adepto da religião cristã Testemunhas de Jeová, a mesma seguida pela mãe adotiva, Dicéa Menezes de Oliveira, que morreu no ano passado. Vizinho e companheiro da mesma igreja durante alguns aanos, o estilista Guilherme Boniole Abel, de 28 anos, que também deixou a Testemunhas de Jeová, descreveu Wellington como "uma pessoa calma, tranquila, mas com sinais de tristeza e muito reservada".
Os hábitos do atirador nos últimos meses são um mistério para amigos e vizinhos. Guilherme disse ter ouvido que Wellington passou a frequentar "uma religião secreta". Uma das irmãs do atirador, Rosilane, de 49 anos, disse em entrevista à rádio BandNews do Rio de Janeiro que o jovem andava "estranho" e "falava desse negócio de muçulmano". Rosilane contou que, no período das eleições, no ano passado, o irmão adotivo apareceu na antiga casa "e estava com a barba grande". Outro morador, que não quis se identificar, disse ter visto Wellington na última segunda-feira vestido de preto, nas redondezas, mas não soube dizer o que tinha ido fazer em Realengo.
Ontem, diante da repercussão, o presidente da União Nacional das Entidades Islâmicas do Brasil, Jamel El Bacha, divulgou nota informando que Wellington não era "muçulmano e não tem qualquer vínculo com as mesquitas e sociedades beneficentes mantidas pela comunidade".
"Missão"
A avaliação isolada da carta não permite que se faça um diagnóstico do atirador, afirma o psiquiatra forense Marcos Gebara. Mas, para ele, "aparentemente" o texto foi escrito por uma pessoa sob um "surto psicótico paranoide delirante alucinatório". "É como se a pessoa tivesse recebido uma missão, que sabia como executar. Inclusive ele prevê a maneira como as pessoas deveriam lidar com ele já morto."
De acordo com Gebara, ex-presidente da Associação Psiquiátrica do Rio de Janeiro, não há sinais de que Wellington Menezes de Oliveira tenha transtorno de personalidade, como psicopatia. "O sociopata sempre foi assim. É uma pessoa ruim, indiferente aos sentimentos alheios, abusou dos outros. Já o psicótico é uma pessoa normal, que de repente entra em surto. Ao que me parece, é o caso desse rapaz."
As características do crime reforçam a tese de que Wellington desenvolveu transtornos psicológicos enquanto cursava o ensino fundamental. Porém a genêse não está no ambiente, e sim nas condições clínicas do autor dos disparos, avaliam especialistas. "Ele estava querendo colocar esses problemas para fora. Queria colocar uma ordem no mundo exterior, pois não a sentia dentro de si mesmo", analisa a psicopedagoga Maria Irene Maluf, consultora do Instituto Saber, da Escola Paulista de Direito. "Atirando nas crianças, ele está atirando contra uma dor dentro dele. Ele deve ter sofrido bastante, carregando toda uma história de conflitos", relaciona.
As suspeitas de que o atirador tenha sofrido bullyng, embora consistentes, não funcionam como estopim único para a tragédia, defende Maria Irene: "Independentemente de ele ter sido vítima de alguma agressão física ou psicológica durante a vida escolar, ele devia ser uma pessoa com uma doença mental, que em algum momento precisou colocar sua mágoa para fora dessa maneira extremada. A escola não é a culpada, e sim as condições internas do indivíduo", aponta.
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Veja os nomes das vítimas em Realengo:
Karine Lorraine Chagas de Oliveira, 14 anos
Rafael Pereira da Silva, 14 anos
Milena dos Santos Nascimento, 14 anos
Mariana Rocha de Souza, 12 anos
Larissa dos Santos Atanásio, 13 anos
Bianca Rocha Tavares, 13 anos
Luiza da Silveira Machado, 14 anos
Laryssa Silva Martins, 13 anos
Géssica Guedes Pereira, de idade não divulgada
Samira Pires Ribeiro, 13 anos
Ana Carolina Pacheco da Silva, 13 anos
Igor Moraes da Silva, 13 anos