À medida que o atual mandato de Jair Bolsonaro se aproxima da reta final, aumentam as acusações de que o presidente teria se afastado de aspectos importantes do movimento que o ajudou a ser eleito. “Conheço Jair Bolsonaro o suficiente para afirmar que ele abandonou o bolsonarismo”, disse recentemente o deputado Julian Lemos (PSL-PB) ao site O Antagonista.
Há diversos motivos para as queixas de apoiadores e ex-apoiadores do presidente: a indicação do ministro Kassio Nunes Marques ao Supremo Tribunal Federal (STF); a relação cada vez mais próxima com o Centrão; o silêncio do presidente em relação às prisões de alguns apoiadores célebres, como o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), o jornalista Oswaldo Eustáquio e a ex-ativista Sara Winter; a mudança de parte da agenda econômica liberal; e, na visão de alguns, a falta de compromisso com certos temas de costumes, como o combate à ideologia de gênero nas escolas.
Por outro lado, defensores do presidente afirmam, entre outras coisas, que, em nome da governabilidade, algumas concessões ao STF e ao Congresso são inevitáveis; que manifestar um posicionamento nos casos relacionados ao inquérito das fake news seria comprar briga séria com o STF; e que adotar somente medidas impopulares na economia poderia significar as próximas eleições e com isso, possivelmente, entregar o país novamente à esquerda.
A Gazeta do Povo questionou algumas pessoas que já apoiaram ou ainda apoiam movimentos favoráveis ao presidente se elas concordam com a declaração de Lemos sobre Bolsonaro ter abandonado o bolsonarismo. Veja as respostas:
Bolsonaro abandonou o bolsonarismo?
Ilona Becskehazy, especialista em Educação, ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação:
“Eu não concordo com essa afirmação. Para mim, ele terá abandonado quando passar a agir como políticos da laia do Lula (que é o ícone de uma categoria): mentir descaradamente, roubar e deixar roubar dinheiro público, esquecer as necessidades de seus eleitores e pôr os seus interesses à frente do interesse público. Quem conhece o Governo Federal de perto sabe o quanto é difícil fazer avançar pautas que contrariam os interesses de grupos bem organizados. É por isso que o presidente apanha tanto da imprensa tradicional e tem sido sabotado por dentro dos Três Poderes. Se ele quer deixar um legado relevante, precisa fazer algumas concessões. Não sendo roubar, não terá traído seus apoiadores convictos.”
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Miguel Nagib, advogado, fundador do Escola sem Partido:
“Se Bolsonaro abandonou o bolsonarismo, eu não sei. Aliás, confesso que não sei bem o que significa ‘bolsonarismo’. O que sei, e afirmo, é que Bolsonaro abandonou o Escola sem Partido. Acredito que a promessa de combater a doutrinação ideológica e a imposição da ideologia de gênero nas escolas foi a primeira a ser rasgada por Bolsonaro após a eleição.
Ele não só não cumpriu a promessa de implantar o Escola sem Partido, como promoveu um boicote velado ao nosso movimento, ignorando-o como se nunca tivesse existido. E, isso, apesar de o próprio José Dirceu haver reconhecido a aptidão do Escola sem Partido para coibir o uso político do sistema de ensino, referindo-se ao movimento como "a pior ameaça que nós (da esquerda) vamos viver".
Se não me engano, depois de eleito, Bolsonaro só pronunciou o nome “Escola sem Partido” uma vez, para dizer, numa entrevista, em dezembro de 2019, que ele já estava “em operação”, o que era uma grossa mentira. Por duas vezes disse que mandaria um projeto de lei para o Congresso a fim de proibir a ideologia de gênero nas escolas. Que eu saiba, até hoje não mandou.
Uma coisa é certa: a eleição de Bolsonaro serviu apenas para fortalecer o domínio da esquerda sobre o sistema educacional e, consequentemente, sobre as mentes e os corações dos futuros advogados, juízes, promotores, jornalistas, professores, políticos etc., sem falar dos futuros eleitores, é claro. Ou seja, a nossa "bala de prata" contra os vampiros que sugam o sangue da educação brasileira acabou saindo pela culatra.”
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Ana Lucia Carvalho e Araujo, ex-secretária parlamentar da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e membro do movimento Docentes pela Liberdade:
“Ele não abandonou o bolsonarismo, apenas está criterioso. Ele vem sofrendo retaliação de tudo quanto é parte: da mídia, da própria direita… Então, ele está tendo cautela em apoiar este ou aquele. Mesmo do lado dele, da ala bolsonarista, teve muita gente que foi eleita pegando a onda bolsonairsta. Acho que ele está criterioso quanto a isso. Um chefe de Estado que se preze deve, muitas vezes, agir com a razão e abraçar o pragmatismo.”
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Junior Bozzella, deputado federal (PSL-SP):
“O movimento que foi feito nesses últimos anos foi um movimento de distanciamento muito claro. Teve um reposicionamento interno. Ele fez a opção de abdicar daquela ala ideológica, com os blogueiros… Deixou a maioria deles falando sozinho. Quando eles tiveram seus problemas junto à Justiça, ao próprio STF, como no caso do Allan dos Santos, da Sara Winter e do Daniel Silveira, ele ficou em silêncio.
Ele já teve reação incisiva perante decisões da Corte quando ele falou publicamente: “Acabou, porra!” Agora, com esses bolsonaristas mais radicais, você vê que o presidente recuou. Não saiu em defesa. Está muito claro que houve um distanciamento. Ele abdicou do bolsonarismo a partir do momento em que ele virou o camisa 10 do Centrão”.
Bozzella esclarece que nunca foi bolsonarista, mas que, por conta das circunstâncias do PSL nas eleições de 2018, apoiou as bandeiras do bolsonarismo na época.
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Sara Winter, palestrante e ex-militante feminista e pró-Bolsonaro:
“É uma pergunta que me deixa em maus lençóis, porque, se eu disser que o presidente Bolsonaro traiu o conservadorismo nomeando o Kassio Nunes Marques [para o STF], eu vou sofrer um assassinato de reputação de uma parte da direita. E, se eu disser que não, eu vou sofrer da outra parte, que é a parte pró-vida. Chegou um momento em que eu sinto que eu já não posso dizer mais nada, porque, para qualquer coisa que eu disser, algum grupo dentro do conservadorismo vai me atacar. Acredito que o presidente foi equivocado em nomear o Nunes Marques, principalmente porque é uma pessoa abertamente favorável ao aborto [opinião da entrevistada – não há uma declaração pública clara do ministro em relação ao assunto], que é uma pauta que eu sempre fui contra. Sempre defendi a vida. Mas não posso falar mais nada, porque qualquer coisa que a gente fale hoje é motivo para que a gente sofra assassinato de reputação.”
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Renato Rodrigues, jurista:
“Eu discordo completamente. O deputado fala isso porque não consegue enxergar o cenário real em que a gente está vivendo. Eu tenho defendido – e estou batendo nessa tecla junto com pessoas que estudam a geopolítica – que a gente vive num estado de guerra de quinta geração. As pessoas não entendem o que seja isso, veem como teoria da conspiração. Não aceitam isso que está acontecendo.
Há agentes infiltrados no Estado atacando o governo o tempo inteiro, judicializando tudo, manipulando os textos de lei, a semântica das palavras, o conteúdo dos princípios, inventando crimes onde não existe, criando narrativas falaciosas e perseguindo pessoas com base nisso. Tudo com base naquela mentira que é vendida nas faculdades (de Direito), de que o STF tem a última palavra sempre.
Quando eu falo que a gente está num estado de guerra, além da judicialização excessiva para desestabilizar o governo e encurralar o poder popular, tem ainda a fragilização da narrativa em cima das Forças Armadas, apresentando o poder militar como sendo um poder golpista, e não um poder que existe sobretudo para garantir as liberdades.
O Bolsonaro não abandonou o bolsonarismo. Certamente – eu poderia apostar nisso – tem algo por vir que vai colocar ordem na casa.”
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