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Muitas são as maravilhas do engenho humano desde que o polegar opositor nos separou definitivamente dos nossos colegas hominídeos que preferiram a tranquilidade das árvores a esta luta insana aqui no chão. O pneu de automóvel, o uso da lei da gravidade a serviço da distribuição da água e o controle remoto sem fio são obras que encantam pela perfeição e utilidade. Mas algumas coisas, definitivamente, não deram certo, apesar das centenas e milhares de anos de evolução. O saleiro, por exemplo. É preciso haver pelo menos a coincidência de dois fatores – os furos desentupidos de tamanho razoável e o sal bem sequinho para que a pequena máquina funcione na primeira chacoalhada, o que quase nunca acontece. Claro que, diante do fracasso do objeto, criamos gambiarras: colocar arroz dentro do saleiro para, pelo movimento do objeto, garantir que o sal fique solto e funcione a contento. Convenhamos: é uma solução deselegante da engenharia, uma confissão de fracasso. Seria como garantir o prumo de uma mesa metendo um calço em um dos pés (que já viria com a compra) ou ligar um aparelho de tevê com uma chave de fenda. E a solução que a ciência descobriu para resolver a questão do sal foi pior que o soneto: aqueles malditos envelopinhos, que levam nossos preciosos polegares opositores a uma sequência de desajeitos irritados, num momento que deveria ser de paz, até que o sal do envelope caia todo na mesma batatinha.E já que estamos à mesa, outro objeto que não deu certo foi o galheteiro de azeite. Ou sai azeite demais, ou de menos, ou vaza, ou tudo ao mesmo tempo. Já experimentei dos mais engenhosos sistemas, e todos falham, até me entregar aos comerciantes que resolveram a questão transformando o próprio vidro de azeite no seu galheteiro. O comércio é sábio, e não é de hoje. O princípio dessas letras desenhadas no papel que me permitem falar com o leitor a distância, mesmo dizendo abobrinhas, como agora – o sensacional alfabeto fonético – foi obra de fenícios, os sacoleiros do Mediterrâneo, para anotar os pedidos do freguês, e não dos antigos gênios da corte, todos analfabetos.

Alguns objetos imemoriais espantam pela absoluta perfeição de design e funcionalidade. Um prego, por exemplo. Há uma elegância metafísica em sua forma, que fala por si mesma – Steve Jobs assinaria embaixo. Um prego é a sua própria legenda, o seu manual de instruções – impossível não entendê-lo. A cabeça discreta e exata, o corpo enxuto, a ponta aerodinâmica, a máxima economia das formas, tudo para realizar a sua grande função, que é desaparecer completamente em duas ou três marteladas. Já o parafuso – cujo conceito nos levou ao saca-rolhas, para uma função diametralmente oposta – mas fiquemos por aqui, que a correria é grande na semana do Natal, e eu vivo me distraindo. Aos meus poucos e fiéis leitores, os votos de festas alegres e tranquilas.

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