A Comissão de Anistia do governo federal se reuniu pela primeira vez, nesta quinta-feira (30), para julgar processos que ficaram pendentes ou tiveram seus pedidos de anistia negados nas gestões anteriores. A reunião ocorreu na véspera do aniversário de 59 anos da ditadura militar de 1964 e integra a agenda de eventos da "Semana do Nunca Mais", promovida pelo Ministério dos Direitos Humanos.
Os pedidos de indenização analisados e aprovados foram do jornalista Romário Cezar Schettino, de Claudia de Arruda Campos, de José Pedro da Silva e do deputado federal Ivan Valente (PSOL-RJ).
A reunião foi marcada com muitas críticas e xingamentos à gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, quando a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) era ministra dos Direitos Humanos. A presidente da comissão, Eneá de Stutz e Almeida, afirmou que, nos últimos anos, o colegiado atuou "negando o golpe de Estado, a ditadura e a perseguição política", e que, a partir de agora, o trabalho se dará no sentido de "desfazer dos retrocessos que aconteceram desde 2017".
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No dia 17 de fevereiro deste ano, a Defensoria Pública da União (DPU) recomendou ao MDHC que fossem anuladas todas as medidas tomadas pela ex-ministra Damares relacionadas a análises para a concessão de anistia do período da ditadura militar. Do total de 4.285 processos julgados entre 2019 e 2022, 4.081 foram indeferidos.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Damares informou que a sua equipe analisou mais de 11 mil requerimentos de anistia, de acordo com o previsto em lei, quando foram descobertos "absurdos" em relação às concessões e à lisura dos procedimentos. A senadora ainda reforçou que sempre se posicionou "favorável à concessão do benefício àqueles que, de fato, comprovassem terem sido perseguidos politicamente".
De acordo com a nova presidente da comissão, a advogada e professora Eneá, há cerca de 3,8 mil processos aguardando julgamento e outros 2 mil de demanda reprimida. Embora o total de casos a serem julgados e revistos ainda não seja preciso, a estimativa é de que gire em torno de 20 mil.
"A comissão de anistia voltou a ser uma comissão de estado, um órgão deliberativo e vai cumprir o papel de reparação da memória e da verdade", disse Enéa.
Pedidos de anistia revistos
No rito de análise dos pedidos, cada relator destinado para um caso específico apresenta o relatório, conta a história do requerente da anistia e, por último, declara o voto sobre o deferimento ou não da solicitação com o pedido de desculpas formal do Estado brasileiro. Na sequência, a presidente da comissão abre espaço para que os que se dizem terem sido violentados ou vitimizados pela ditadura exponham o caso. Em seguida, os membros do colegiado votam de acordo ou não com o relator do caso.
O primeiro caso revisto pela comissão foi o do jornalista Romário Schettino. Ele já tinha o pedido de anistia aprovado, mas os últimos governos não publicaram a portaria oficializando a concessão. Na reunião, foi reavaliada e aprovada a atualização monetária de sua indenização, no valor mensal de R$ 2.718,73, além da concessão dos efeitos financeiros e retroativos, de 1999 até o momento, no valor de mais de R$ 828 mil.
A ex-militante do grupo Ação Popular Claudia de Arruda Campos, que teve o indeferimento de seu pedido, em 2019, foi anistiada pela comissão. Durante a ditadura, ela foi presa no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e foi constantemente monitorada pelo regime. A concessão de seu pedido de anistia havia sido negado pelo general Luiz Eduardo Rocha Paiva, que integrava a comissão à época.
Após ter o pedido negado no último governo, o deputado federal Ivan Valente conquistou a anistia pela nova comissão, após ter sido preso duas vezes e torturado por agentes do regime militar. Ele foi militante da resistência à ditadura militar, dirigente do MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado) e um dos fundadores do PT.
No voto que indeferiu a anistia, o qual foi divulgado pela Folha de São Paulo, a justificativa da gestão de Damares foi que o deputado teria sido enquadrado na Lei de Segurança Nacional, que não era exclusiva da ditadura; e que, portanto, o Estado não lhe devia nenhum pedido de desculpas pelo que houve durante o regime.
A comissão afirmou que era "exigível" que Valente fosse investigado e condenado para fornecer "informações necessárias ao Estado, responsável por garantir a lei e a ordem e impedir a implantação de uma guerra revolucionária para tomar o poder e implantar um regime totalitário de linha soviética, cubana ou chinesa".
Ao subir a tribuna, o deputado se referiu aos últimos 4 anos como "retrocesso civilizatório" e chamou Bolsonaro e Damares de "canalhas".
O último caso analisado foi do ex-sindicalista José Pedro da Silva, que foi preso e demitido na época da ditadura. Ele pediu a indenização, por ter tido sua carreira comprometida pela perseguição política. Em 2018, a comissão concedeu-lhe a anistia e um pagamento de R$ 2.000 mensais. Porém, o ex-ministro substituto da Justiça do governo Michel Temer, Gilson Libório, indeferiu o pedido, por não ter encontrado vínculo entre sua detenção e sua demissão. Com a decisão revista pela comissão, o ex-sindicalista foi reconhecido como anistiado e teve as suas indenizações garantidas.
O papel da comissão
A Lei da Anistia, assinada em 1979 pelo ex-presidente João Batista Figueiredo, determinou o perdão a todos que cometeram crimes políticos ou eleitorais entre setembro de 1961 e agosto de 1979. Em 2002, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a Lei 10.559/2002 instituiu o Regime do Anistiado Político, que prevê indenização para quem sofreu perseguição e tortura do Estado durante a ditadura militar. No mesmo ano, criou-se a Comissão da Anistia, responsável por analisar os processos e julgar possíveis reparações. O pedido de reparação integral àqueles que é concedida a anistia inclui uma indenização de até R$ 100 mil e um pedido formal de desculpas do Estado brasileiro.
A nova comissão no governo Lula foi oficializada no fim de fevereiro, com a nomeação dos últimos integrantes. No grupo estão antigos conselheiros, ex-perseguidos pela ditadura e juristas. Pela primeira vez, a comissão não conta com militares. De acordo com a pasta, os escolhidos possuem “experiência técnica, em especial no tratamento do tema da reparação integral, memória e verdade”.
O regimento da nova comissão prevê, além da revisão dos pedidos negados, a possibilidade de anistia para coletivos e a possibilidade de apresentar mais recursos. Os processos coletivos - sem reparação financeira - poderão ser apresentados por grupos e coletivos atingidos pela ditadura militar, como negros, indígenas, população LGBTs, sindicalistas e movimentos sociais, por exemplo.
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