Em andamento no Senado desde junho deste ano, a CPI das ONGs tem apertado o cerco, nas últimas sessões, contra grupos estrangeiros que se envolvem na questão amazônica vinculando-se a ONGs. A preocupação com a soberania nacional é o foco das discussões.
Na terça-feira (29), os senadores aprovaram um requerimento para que a presidente da Funai, Joenia Wapichana, preste esclarecimentos sobre a crescente presença de visitantes do exterior em terras sob responsabilidade da fundação.
Presidente da CPI, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) sugeriu que a Funai estende o tapete para a entrada de estrangeiros e membros de ONGs em áreas indígenas, enquanto impõe dificuldades para outros tipos de visitantes.
"Para penetrar nesses territórios, a Funai exige documentos como passaportes, vistos, comprovação de vacinação e planos de trabalho – a exemplo do que aconteceu com os integrantes da CPI em diligência –, exercendo assim controle sobre os visitantes. Solicitamos a listagem dos visitantes estrangeiros autorizados formalmente nesses territórios, com as informações que levaram à aceitação de sua permanência", diz Valério no requerimento.
O senadores também aprovaram oitivas, ainda sem data definida, com uma série de ONGs financiadas com recursos estrangeiros. Serão ouvidos diretores da Fundação Amazônia Sustentável, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), da Fundação Almerinda Malaquias, da Fundação Vitória Amazônica e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPE).
Também em depoimento à CPI, o antropólogo Edward Luz apontou a presença do que ele chama de "aparato neogovernamental" na Amazônia. "Esse é o nome correto do monstro que criaram e que atua aqui no Brasil. ONG é só um apelido, um apelidinho gostosinho. O nome certo é aparato. (…) A palavra 'aparato' é impressionante, porque ela tem dois sentidos no latim: um é de onde vem a palavra 'aparência'; elas aparentam ser alguma coisa. (…) E aparato também é um conjunto, é um sistema. É por isso que o nome correto é 'aparato neogovernamental'", comentou.
O antropólogo aproveitou seu depoimento na CPI para dar nomes aos bois, indicando aqueles que são os maiores financiadores do que ele denomina "establishment ongueiro" no Brasil: a Fundação Ford, a Gordon & Betty Moore Foundation, a Catholic Agency for Overseas Development (CAFOD), a Survival International, além de uma série de agências de cooperação de governos de países ricos como o Canadá, a Alemanha e a Noruega. Ele também inclui nesse time algumas ONGs internacionais de grande porte, como a Rainforest Foundation e o Greenpeace.
Luz afirma que as ONGs são mais uma ferramenta nas mãos desses grandes grupos do que os principais agentes dentro do aparato neogovernamental. Atualmente, segundo ele, esses grupos não limitam sua esfera de lobby às terras indígenas ou à preservação ambiental, mas já encontraram outros filões: os territórios quilombolas e as áreas de povos e comunidades tradicionais.
"Antigamente [as ONGs] eram chamadas de indigenistas. Hoje nem mais dá para chamá-las de indigenistas, porque são socioambientais, indigenistas, quilombolistas e tradicionalistas. Hoje nós já temos três ramos de reivindicação territorial no Brasil: terras indígenas, territórios quilombolas e áreas de povos e comunidades tradicionais", explicou.
Líderes indígenas alertam sobre atuação suspeita de ONGs em suas comunidades
Os questionamentos sobre a interferência estrangeira nas comunidades indígenas e a ameaça à soberania nacional têm sido constantes na CPI das ONGs.
Em julho, o líder indígena Luciene Kujãesage Kayabi afirmou que as organizações alegam ajudar as comunidades indígenas, mas, na prática, trazem poucos benefícios tangíveis à vida das populações.
"As ONGs estrangeiras acreditam que nós temos que viver como em 1500, como há 523 anos atrás, e de maneira que eles possam nos dominar. Essa é a visão que eu tenho das ONGs estrangeiras. Eles precisam do domínio dos povos indígenas para que eles possam dominar nossas florestas, dominar nossos minérios, as nossas riquezas…", afirmou.
Kujãesage citou nominalmente duas ONGs, o Instituto Socioambiental (ISA) e a Associação Terra Indígena do Xingu (Atix), que, segundo ele, prometem benefícios que não são entregues. Também expressou a frustração com o fato de as ONGs não respeitarem o desejo das comunidades de serem autônomas e autossustentáveis.
Em junho, perante a Comissão do Senado, o representante ianomâmi Alberto Brazão Goes pediu maior transparência das ONGs e reconhecimento dos direitos indígenas.
Oriundo da comunidade Maturacá, em São Gabriel da Cachoeira (AM), Goes criticou a atuação de ONGs, principalmente o ISA, alegando que as iniciativas das organizações muitas vezes negligenciam as necessidades e desejos das comunidades indígenas.
"Nós já sabemos como lidar com a nossa floresta. Nós não precisamos que ONGs de lá do estrangeiro digam como é que ianomâmi vai cuidar da nossa terra, da nossa floresta, porque nós somos os verdadeiros antropólogos do nosso povo", afirmou.
Ele também fez referência à história dos povos originários da América do Norte, ressaltando a ironia de organizações de países que já exterminaram seus povos indígenas querendo ditar políticas para o Brasil.
Na semana passada, o senador Marcio Bittar (União-AC) reforçou a preocupação sobre a atuação das ONGs, recordando que entidades internacionais, incluindo a Fundação Ford e a Fundação Rockefeller, em parceria com diversos países, financiam ONGs que atuam na região. Para ele, o financiamento visa travar o desenvolvimento econômico da Amazônia sob uma fachada de preocupação ambiental.
Bittar apresentou dados da Embrapa que indicam que 84% do bioma amazônico consiste em áreas destinadas à vegetação protegida e preservada. O parlamentar criticou o financiamento internacional de ONGs no Brasil e mencionou várias entidades, como o ISA e SOS Amazônia, questionando os valores significativos que essas organizações recebem de fora para influenciar na política brasileira.
O senador também levantou questões sobre as relações entre determinadas ONGs e o poder público, citando como exemplo a relação entre o ISA e o atual secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco.
Interesse estrangeiro na Amazônia tem mais de 50 anos
A busca de outros países por impor seus interesses na Amazônia vem de longa data. Em julho, em depoimento à CPI, o ex-ministro Aldo Rebelo recordou a Conferência de Estocolmo de 1972 – primeira conferência de meio ambiente da ONU –, em que a diplomacia brasileira bateu o pé para que o desenvolvimento fosse colocado em pauta junto com a causa ambiental.
A postura enfrentou resistência de outros países, mas o Brasil se manteve firme, e a agenda da conferência passou a considerar ambos os aspectos.
Araújo Castro, embaixador brasileiro na ocasião, acusou os países ricos de buscarem um "congelamento do poder mundial", sugerindo que havia uma tentativa de manter as relações de poder globais inalteradas por meio da causa ambiental. Para Rebelo, essa dinâmica persiste: os países ricos intuem que o desenvolvimento sustentável da Amazônia poderia tornar o Brasil uma potência intimidante.
O ex-ministro acredita que a maior parte do povo brasileiro é a favor de "proteger a Amazônia e usar de forma racional, ambientalmente responsável e socialmente responsável os recursos da Amazônia". "Diga uma coisa: se essa Amazônia fosse americana, estava desse jeito? E se ela fosse chinesa? E se ela fosse alemã? Pelo amor de Deus! Eles estão removendo cidades para tirar o carvão, removem cidades, comunidades… Imagine se isso pertencesse a essa gente, claro que estava sendo usada a serviço das suas sociedades, das suas comunidades. E o Brasil não pode se permitir se comportar desse jeito", comentou.
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