O crime de fake news eleitoral, com previsão de reclusão de até cinco anos, pode ser criado nesta terça-feira (28) em sessão conjunta da Câmara e do Senado que ocorre no Congresso. Os parlamentares se reúnem para analisar 17 vetos presidenciais recentes, entre eles o veto 46/2021, do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Em 2021, o Congresso aprovou a Lei nº 14.197, criando os crimes contra o Estado Democrático de Direito. Bolsonaro sancionou essa lei, mas vetou alguns dispositivos, entre os quais um artigo que criava o crime de “comunicação enganosa em massa”, penalizando com até cinco anos de reclusão quem fizesse “campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”.
Em seu veto parcial, o presidente ressaltou que o dispositivo em questão não era claro sobre a conduta que seria objeto da criminalização e ainda deixava em aberto “se haveria um ‘tribunal da verdade’ para definir o que viria a ser entendido por inverídico a ponto de constituir um crime”.
“A redação genérica tem o efeito de afastar o eleitor do debate político, o que reduziria a sua capacidade de definir as suas escolhas eleitorais, inibindo o debate de ideias, limitando a concorrência de opiniões, indo de encontro ao contexto do Estado Democrático de Direito, o que enfraqueceria o processo democrático e, em última análise, a própria atuação parlamentar”, disse o ex-presidente ao rejeitar sancionar o dispositivo.
A derrubada ou não desse veto presidencial está na pauta da sessão conjunta desta terça. Se a maioria dos congressistas votar contra o veto, o crime de fake news eleitoral passa a integrar a Lei nº 14.197, com este texto:
Comunicação enganosa em massa Art. 359-O. Promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.
Em sua conta no X, o jurista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, destacou que haverá "insegurança jurídica séria" no país caso o veto seja derrubado. Ele considera que a previsão de cinco anos de reclusão é "desproporcional e irrazoável", e que o texto do dispositivo é pouco preciso.
Para ele, "não fica claro se a conduta criminosa é de quem produziu, publicou ou compartilhou o conteúdo", e "disseminar fatos que 'sabe inverídicos' é ambíguo". "O crime seria o agente da conduta saber, caracterizando seu dolo, ou haver desmentidos por agências de checagem, como ocorreu em diversos julgamentos nas últimas eleições? A diferença é brutal. Neste último caso, seria um imenso risco político dar tamanho poder de prisão a agências", alerta.
Na visão da consultora jurídica Kátia Magalhães, ao prever a punição pela divulgação de fatos "sabidamente inverídicos", a lei atribuiria a entes estatais – sejam policiais, promotores ou juízes – "a condição de titulares de uma 'verdade' exclusiva sobre fatos que, em sociedades livres, podem e dever ser analisados e comentados sob os mais distintos pontos de vista". "Se o veto vier a ser derrubado, estaremos diante da criminalização da mera manifestação opinativa, em flagrante violação à Constituição que confere proteção inarredável às liberdades de expressão e jornalística", diz.
Ela recorda que o dispositivo "está longe de ser uma iniciativa isolada". "Ele corrobora todas as resoluções censoras aprovadas pelo TSE pelo menos desde a última corrida de 2022", afirma. "Se o veto vier a ser derrubado, a censura durante o processo eleitoral deixará de ser prevista por meros atos internos do TSE, para ser incorporada à legislação brasileira. A oficialização da mordaça mediante a derrubada do veto tornará virtualmente inviável a luta contra a censura no Brasil, pois nossa atual cúpula togada, simpática a medidas de regulação da mídia e demais providências censoras, dificilmente declarará a inconstitucionalidade da norma. Portanto, esse pode ser o golpe fatal para a liberdade de expressão entre nós, pelo menos a curto/médio prazo."
Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP, destaca que o cidadão comum "não tem, nem pode ter" obrigação de saber com conhecimento técnico a realidade sobre questões como as urnas eletrônicas. Para ele, isso é papel somente das autoridades públicas. "Elas, sim, têm o dever de 'saber' sobre os mecanismos e processos eleitorais e, de forma transparente, informar o público do funcionamento, o mais detalhado possível, das urnas eletrônicas. É dessa informação, prestada com completude e transparência, que deve decorrer a confiança do público no processo democrático. Não serão proibições ou ameaças que farão as pessoas ter mais confiança nos mecanismos da democracia", observa.
Oposição pede urgência ao povo na pressão a parlamentares
Nas redes, a oposição tem alertado a população para pressionar com urgência os parlamentares, defendendo o chamado "veto da liberdade".
Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado, afirmou que a derrubada do veto abriria caminho "para censura e perseguição política". "Não podemos permitir que destruam nosso direito de expressão e transformem o Brasil na democracia relativa do PT. Defender o veto é defender a plena democracia e, por isso, é importante a sua participação! Ligue para o seu representante e peça que não ajude o governo do PT a destruir a nossa liberdade", escreveu.
O senador Carlos Portinho (PL-RJ) disse em vídeo: "O que o governo quer é calar você". O senador Magno Malta (PL-ES) pediu aos seus seguidores que viralizem a mensagem contra a derrubada do veto: "Use as suas redes, mande e-mails, mande recados, vá ao 'zap' do seu deputado federal, porque essa desgraça não pode passar."
"A base do governo Lula no Congresso vai, mais uma vez, tentar criar o crime de fake news, com punição de cadeia de até cinco anos. E fica sempre a dúvida: quem define o que é fake news? O governo? O Judiciário? O consórcio da imprensa?", questionou o senador Flávio Bolsonaro em vídeo. "A liberdade de opinião corre sério risco no Brasil. Cobre dos deputados e senadores que votem sim ao veto de número 46, o veto da liberdade", acrescentou.
Marcel van Hattem (NOVO-RS) pediu a mobilização de seus seguidores para pressionar parlamentares a manter o veto de Bolsonaro. "Partidos políticos poderão entrar contra as pessoas para pedir a sua prisão por disseminação de informação falsa", afirmou. "É importantíssimo você pedir para que todos os deputados e senadores mantenham esse veto, ou seja, impeçam que seja criada uma tipificação de crime de fake news que possa colocar qualquer pessoa que o governo, que o PT entenda estar fazendo uma disseminação de informação falsa por até cinco anos na cadeia."
O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) também pediu em vídeo que os seus seguidores façam pressão nos parlamentares. "Caso esse veto caia, nós teremos cinco anos de prisão para fake news, e nós sabemos muito bem que são eles que determinam o que é fake news e o que não é."
Além de pedir reação nas redes, a oposição tem se articulado no Congresso para evitar que o governo tenha maioria, como mostrou reportagem da Gazeta do Povo. A estratégia tem sido reunir as maiores frentes parlamentares, como a da segurança pública, a evangélica e a da agropecuária para garantir os votos necessários para a manutenção do veto de Bolsonaro.
Outra questão em pauta, envolvida no mesmo veto de Bolsonaro, é a criminalização da reação policial a manifestações. A lei aprovada pelo Congresso em 2021 tornaria crime impedir "manifestações pacíficas" (expressão usada no documento), com pena de um a 12 anos de prisão.
Parlamentares da direita tem alertado contra a possibilidade de derrubada também dessa parte do veto, o que poderia ocasionar, por exemplo, maior insegurança jurídica em casos de reação a invasão de propriedades rurais. O termo "manifestações pacíficas" é considerado muito aberto pela oposição.
"Se esse veto cair, vai impedir da polícia de lutar contra invasores de terra, ou seja, nós precisamos que deputados e senadores votem sim ao veto 46", afirmou Nikolas Ferreira no mesmo vídeo.
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