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Limitação das sustentações orais, recusa de recebimento de memoriais, falta de acesso direto aos magistrados, desconsideração das prerrogativas em ambientes digitais. Essas têm sido reclamações frequentes de advogados em todo o país, que apontam entraves no exercício de suas funções, mesmo em um cenário de avanço tecnológico.
Em vez de reverter esse quadro, medidas como a Resolução 591/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) preocupam a advocacia. Aprovada em setembro do ano passado e em vigor desde fevereiro em parte dos tribunais brasileiros, a norma consolidou o modelo de julgamento virtual assíncrono como procedimento regular, permitindo que os votos dos julgadores sejam lançados no sistema em momentos distintos e que a sustentação oral, se houver, ocorra apenas por meio de vídeo ou áudio previamente gravado.
Sustentação oral assíncrona esvazia o contraditório
A resolução autoriza que advogados enviem suas sustentações orais em formato digital, mas não garante o direito de manifestação síncrona, ao vivo, seja presencialmente ou por videoconferência. Também não assegura o deferimento do pedido de destaque para julgamento presencial, que depende da análise do relator do processo.
Segundo o advogado Rafael D’Agostin, secretário-geral da OAB Subseção Colombo/PR, a norma compromete a comunicação direta entre defesa e julgadores. “A sustentação oral gravada seria mais uma ‘peça’ nos autos, impossibilitando a efetiva comunicação entre advogado e magistrados durante os julgamentos.”
À primeira vista, a mudança pode parecer inofensiva. No entanto, enquanto na modalidade síncrona o advogado se dirige ao colegiado no momento do julgamento, podendo interagir com os julgadores, responder a questionamentos e fazer intervenções oportunas durante a prolação dos votos, na sustentação assíncrona a manifestação é gravada previamente, sem qualquer garantia de que será assistida ou considerada, o que, segundo Laís Bergstein, advogada e doutora em Direito pela UFRGS, “esvazia seu potencial de persuasão”.
Para ela, a diferença entre os modelos “não é meramente formal, pode comprometer a própria eficácia do ato”, uma vez que “a sustentação oral síncrona é o que temos hoje como garantia de que as razões da parte foram ouvidas pelos julgadores”.
Especialistas questionam legitimidade da norma
As críticas à Resolução 591/2024 também envolvem sua legitimidade jurídica. D’Agostin sustenta que o CNJ extrapolou sua competência constitucional ao regulamentar o formato da sustentação oral. “O CNJ tenta legislar sobre um tema que não possui competência, uma vez que o § 4º do artigo 103-B da CRFB não atribui ao CNJ competência para legislar sobre matéria processual e menos ainda sobre prerrogativas do advogado.”
O advogado cita ainda o julgamento dos atos de 8 de janeiro de 2023 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), realizado exclusivamente em plenário virtual, sem a possibilidade de sustentação oral ao vivo. “O STF violou expressamente a Constituição Federal, o Estatuto da Advocacia e o Código de Processo Civil. Tal postura demonstra um retrocesso institucional que devemos combater incansavelmente, devendo ser garantido o direito ao uso da palavra pelos patronos.”
Laís Bergstein também vê nas práticas recentes dos tribunais um padrão preocupante, observando que essas restrições têm se tornado recorrentes, sob o argumento de celeridade ou modernização do Judiciário. “Percebe-se um movimento de restrição das prerrogativas profissionais, muitas vezes sob o manto da eficiência ou da modernização.”
Distanciamento entre magistratura e advocacia preocupa a categoria
Além da restrição à sustentação oral, os advogados também identificam um afastamento institucional crescente entre a magistratura e a advocacia, com reflexos diretos na prática profissional.
“A advocacia é função essencial à Justiça. Impedir o diálogo com o julgador não significa promover igualdade, mas eliminar o contraditório. Um processo sem contraditório não é justo”, afirma D’Agostin.
Bergstein segue a mesma linha: “A proibição genérica da interlocução entre advogados e magistrados, fora de audiências, desconsidera o papel institucional da advocacia. Ao limitar esse contato, cria-se um desequilíbrio entre as partes, principalmente em processos de natureza técnica ou complexa, afetando a paridade de armas, o contraditório e a ampla defesa.”
Ela destaca que o rompimento desse canal de diálogo compromete a função democrática do Judiciário. “Esse distanciamento compromete a transparência, dificulta o exercício da defesa e fragiliza o papel democrático do Judiciário.”
Prerrogativas não são privilégios dos advogados, mas garantias do cidadão
D’Agostin destaca que o problema não é um enfraquecimento das prerrogativas em si, mas sim sua violação reiterada. “O que vem ocorrendo é a violação das prerrogativas e devem ser combatidas até que as instituições respeitem a legislação aplicável, não sendo crível que resoluções se sobreponham à legislação.”
Ele defende uma atuação firme da OAB diante do cenário atual. “As prerrogativas dos advogados são indispensáveis para a garantia do Estado Democrático de Direito. A OAB tem o dever de velar pelas prerrogativas dos advogados e, principalmente, desde as violações das prerrogativas nos julgamentos dos atos de 8 de janeiro, o sistema OAB vem defendendo fortemente as prerrogativas.”
Bergstein conclui lembrando uma lição do jurista René Dotti, frequentemente citada em defesa da atuação profissional da advocacia: a ideia de que as prerrogativas não são privilégios do advogado, mas garantias fundamentais instituídas no interesse do cidadão. “A defesa das prerrogativas é do interesse da sociedade”, afirma. E reforça com as palavras do próprio Dotti: “Na medida em que o advogado tiver suprimida sua liberdade, quem sofre é o cidadão, que não pode ter seus interesses e direitos defendidos plenamente perante os tribunais.”
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