Pressa, oração e medo
Circulando pelas ruas da Vila União e por outras vilas do entorno, no fim da tarde de ontem, era possível perceber o clima de expectativa entre os moradores. Os boatos afirmavam que havia toque de recolher novamente, e que era necessário estar em casa antes das 18 horas para não correr riscos.
Outras vilas viveram toque de recolher
Desde a chacina do Bolsão Audi-União, os moradores têm obedecido ao toque de recolher que, segundo eles, é imposto pelos chefes do tráfico de drogas da região. Porém, a polícia não admite que o toque de recolher exista. "Não há toque de recolher em Curitiba e região metropolitana", afirma categoricamente o comandante do policiamento da Capital, coronel Jorge Costa Filho.
Polícia não revela efetivo
A polícia estava em peso ontem no Bolsão Audi-União às 17h30. Nas ruas próximas à Helena Carcieri Piekarski, a principal do Jardim União, circulavam dois grupos da cavalaria montada, duas viaturas da Rotam, duas da Rone e uma viatura da Cavalaria. O comandante do policiamento da capital, coronel Jorge Costa Filho, diz que o policiamento não tem prazo definido para sair da região. No entanto, não informa a quantidade de homens que trabalham no patrulhamento.
Às 19 horas, as ruas do bairro estavam vazias, somente com duas viaturas da polícia fazendo a ronda, segundo um morador ouvido pela reportagem. Ele havia só voltado para casa para buscar roupas. Dormiria fora, porque não tem mais coragem de passar a noite no bairro. (AP)
As vítimas da chacina do Uberaba não se resumem às oito pessoas mortas a tiros no último sábado. O pânico e a mudança forçada de rotina continuam a vitimar, dia após dia, as 2,5 mil famílias do Bolsão Audi-União. Além de conviver com a dor da morte de pessoas próximas, os moradores sobrevivem diariamente a um toque de recolher que a polícia diz ser imaginário e têm de adaptar suas vidas às sequelas da matança.
O setor mais afetado pela barbárie dos tiros e do tráfico é a educação exatamente a ferramenta que poderia levar o bairro a escapar do ciclo de miséria e violência. A Secretaria Municipal da Educação de Curitiba resolveu suspender por toda a semana as aulas de período noturno das escolas municipais da região. Os alunos do período da tarde também tiveram a saída antecipada para as 17h15. As aulas, que estavam terminando às 18 horas para a reposição do período parado por causa da epidemia de gripe, agora acabam mais cedo pelo medo de manter as crianças até mais tarde na rua.
"Hoje a saída é mais cedo", avisavam ontem os funcionários da Escola Municipal Michel Khury, no Uberaba. A informação era dada pelos funcionários a todos os pais que chegavam para levar seus filhos à escola para as aulas do período da tarde. Os pais aceitavam a medida. "Todo cuidado é pouco. Nós não sabemos o que pode acontecer. Assim é melhor. Às seis horas da tarde quero toda a minha família dentro de casa", afirmava Juliano (nome fictício), pai de uma menina de sete anos.
De acordo com a Secretaria Municipal da Educação, duas creches (Ana Proveller e Teruko Beltrão) e três escolas municipais da região (Rachel Mader, Michel Khury e Maria Marli Piovezan) seguem as novas recomendações. No período da noite, cerca de 66 alunos das turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) vão ficar sem aulas nesta semana ou até que a segurança na região seja restabelecida.
As escolas estaduais também resolveram tomar medidas mais drásticas para que os alunos não corressem riscos. Na Escola Estadual Aníbal Khury, por exemplo, as aulas do período da noite foram suspensas na segunda-feira. Segundo a diretora do Núcleo de Curitiba, Sheila Toledo, a escola esteve aberta ontem durante o turno da noite, mas havia poucos alunos. "A escola tem de cumprir seu papel e não seguir orientação de outras pessoas", afirmou Sheila.
De acordo com os moradores, as escolas são visadas em momentos delicados como este porque concentram jovens de vilas rivais em um mesmo ambiente. A preocupação toma proporções ainda maiores já que, de acordo com a polícia, os assassinatos na Vila União podem ter ocorrido como forma de represália, a mando de um traficante da Vila Icaraí, cujo sobrinho foi morto na semana anterior. "A escola é refém nestes casos. Nós concentramos alunos de ambas as comunidades", afirma o diretor de uma das escolas da região.
Veja onde fica a Vila Icaraí
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