Um projeto de lei sobre fake news apresentado em abril pela deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) em parceria com o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) foi criticado recentemente pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Segundo o filho do presidente Jair Bolsonaro, o texto do projeto tem teor de censura.
“Como sempre, aqueles que mais se dizem defensores da liberdade da expressão procuram censurar o povo. Os deputados Tabata Amaral e Felipe Rigoni apresentam projeto para controlar até o que você posta no WhatsApp. Igualzinho acontece em Cuba, China, Coreia do Norte, etc.”, afirmou Eduardo Bolsonaro, via Twitter.
O projeto quer instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Para combater as notícias falsas, o documento prevê, entre outras coisas, a responsabilização das plataformas em que esses conteúdos são publicados, a proibição de contas inautênticas e robôs, e a checagem dos conteúdos numa parceria entre redes sociais e “verificadores de fatos independentes”, conforme o seu texto.
Se as plataformas não tomarem as medidas contra a veiculação de desinformação, poderão receber multas de até 10% de seu faturamento anual no Brasil. O projeto se direciona somente a sites e redes sociais com receita bruta total de no mínimo R$ 78 milhões anuais.
WhatsApp seria obrigado a remover fake news
Em um dos pontos mais polêmicos, o projeto prevê que aplicativos de mensagem instantânea como WhatsApp “devem utilizar todos os meios ao seu alcance para limitar a difusão e assinalar aos seus usuários a presença de conteúdo desinformativo, sem prejuízo da garantia à privacidade e do segredo de comunicações pessoais”.
Hoje, as mensagens do WhatsApp são protegidas por criptografia, e seu conteúdo é restrito aos interlocutores da conversa. Ao contrário de redes sociais com postagens públicas, como Facebook, Instagram e Twitter, o WhatsApp não costuma ter conteúdos removidos pela própria rede.
Se o projeto fosse aprovado na forma atual, o Facebook, que detém o WhatsApp, seria obrigado a fazer em algumas mensagens privadas do aplicativo o mesmo que já se faz em redes sociais com postagens públicas.
Acusação de censura divide especialistas
Dois juristas especializados em direito digital entrevistados pela Gazeta do Povo apresentaram visões distintas sobre o projeto de Tabata e as acusações de censura.
Benedito Villela, professor de Direito do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) São Paulo, considera que, em linhas gerais, o projeto de lei é “interessante”, com alguns pontos que “poderiam ser implantados imediatamente”. No entanto, ele aponta aspectos do documento que podem ser caracterizados como censura.
Um dos pontos do projeto prevê que uma notícia taxada como “desinformação” por verificadores de conteúdo deverá ser visivelmente rotulada pelas redes como fake news. A rede ficará obrigada a exibir o nome do autor do conteúdo nessa postagem e a regular seu algoritmo para “diminuir significativamente ou eliminar” o alcance da postagem.
“Ao dizer que uma informação, se publicada, vai ser ‘tagueada’ [isto é, classificada] como fake news e o autor vai ser publicado, é quase uma letra escarlate que se coloca”, diz Villela.
Para o jurista, o projeto não deixa claro até que ponto as impressões subjetivas dos verificadores poderiam interferir nas decisões. “Quanto uma informação que é dada com base na percepção ou na análise subjetiva de um fato estaria sujeita a isso? Não existe aí um critério objetivo. O critério é simplesmente uma auditoria feita pela classe jornalística. Só que a própria classe jornalística pode analisar o mesmo fato de duas formas diferentes”, critica.
Villela afirma que “existem elementos de censura” no projeto, mas pondera que o documento deve evoluir e passar por diversos trâmites dentro do Congresso antes de ser aprovado.
Já para Renato Ópice Blum, advogado especialista em direito digital e economista, não há sugestão de censura no projeto de lei, já que as eventuais remoções de conteúdo não seriam feitas com a finalidade de ocultar informações. “Fake news não é notícia. Não teria aplicação da censura, por ser fake”, diz.
Para ele, as remoções só seriam feitas com conteúdos caracterizados objetivamente como desinformação, e “a chance de ter um falso positivo é muito pequena”.
Foco do projeto em questões muito atuais também preocupa
Para Villela, um dos maiores problemas do projeto de lei é seu foco excessivo em circunstâncias muito específicas do momento atual.
“As razões do projeto estão muito alicerçadas na questão das fake news relacionadas tanto à Covid-19 como à questão das eleições. Dá para perceber que a origem desse projeto de lei tem a ver com a crise médica que a gente está vivendo e com a questão eleitoral. Isso mostra que foi uma lei muito dirigida para essas duas coisas. Ao ser muito dirigida, ela acaba atropelando alguns processos e deixando de construir mecanismos eficientes”, afirma.
Para o jurista, projetos de lei muito focados na situação momentânea “entram em caducidade muito rápido”. “A tecnologia muda. Ao mudar a tecnologia, você muda totalmente a forma de aplicação da lei.”
Segundo Villela, o Código de Defesa do Consumidor, que faz 30 anos em 2020, é eficaz até hoje porque seus legisladores “pensaram de forma principiológica, e não de forma contextualizada”.
Na opinião de Blum, o projeto é importante como “pontapé inicial”, e os seus eventuais defeitos deverão ser corrigidos com a tramitação no Congresso.
Uma das lacunas do documento, segundo ele, é a falta de clareza em relação às punições. “A gente tem hoje uma possibilidade de punição na esfera eleitoral. É um crime eleitoral hoje disseminar fake news. Mas você não tem essa mesma previsão para a fake news ordinária na esfera civil”, diz.
As novas versões do documento, segundo ele, precisarão abordar melhor esse aspecto. “Talvez aproveitar a própria redação que está na lei eleitoral e incorporar nesse projeto da Tabata”, sugere o especialista.
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