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O ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto França, chefe do Itamaraty: diálogo constante com a China.
O ministro das Relações Exteriores, Carlos França.| Foto: Gabriel Albuquerque/MRE

Mudanças no discurso, nas prioridades e na relação com parlamentares e outros diplomatas têm marcado a gestão do chanceler Carlos França no Itamaraty em seus quatro primeiros meses no cargo. Desde a saída do ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em março deste ano, as pautas de costumes e ideológicas deixaram de ter peso relevante na diplomacia brasileira.

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A expectativa de que, com a saída do ex-presidente norte-americano Donald Trump do poder, o Brasil assumisse a liderança de alianças globais em defesa da vida e da liberdade religiosa, por exemplo, já faz parte do passado. Com perfil discreto e avesso a conflitos, França nem sequer menciona em seus discursos assuntos que eram frequentes nas falas de Araújo, como o globalismo, o aborto, a perseguição religiosa e as ameaças à liberdade de expressão.

Em sua posse, o novo chanceler indicou um tripé de prioridades que tem sido reiterado em suas intervenções ao longo dos últimos meses: saúde, economia e desenvolvimento sustentável. O primeiro e o terceiro são justamente os temas pelos quais o antigo chefe da pasta mais entrou em conflito com opositores do governo, especialmente por causa da pandemia e das queimadas na Amazônia.

Em maio, em uma audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CRE) do Senado Federal – mesmo ambiente onde Araújo foi veementemente atacado por suas opiniões –, França fez questão de ressaltar, entre outras coisas, a importância da relação diplomática com a China para o combate à pandemia no Brasil. “Seguiremos trabalhando e dialogando constantemente, o tempo todo, com o governo chinês”, afirmou.

Em audiência na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, adotou tom parecido. O caráter conciliatório de suas falas e a propensão a evitar temas controversos fez com que a própria oposição no Poder Legislativo ficasse satisfeita com o novo líder do Ministério das Relações Exteriores.

O Itamaraty também amenizou a postura anticomunista em foros internacionais. Quando a Organização das Nações Unidas (ONU) condenou, em julho, o embargo dos EUA a Cuba, o Brasil decidiu simplesmente se abster, modificando um posicionamento de 2019 favorável às sanções impostas pelos americanos.

No começo de julho, a troca de comando na Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) – espécie de braço acadêmico do Itamaraty – foi mais um sinal do desejo de mudar o tom da diplomacia brasileira. O ex-presidente, Roberto Goidanich, era bastante alinhado com Araújo. Sob seu comando, a Funag organizou, por exemplo, um seminário sobre globalismo com vários nomes populares do conservadorismo brasileiro, como Flávio Morgenstern, editor do site Senso Incomum, e Filipe Martins, assessor especial para Assuntos Internacionais do presidente da República. A diplomata Márcia Loureiro, do consulado do Brasil em Los Angeles, foi nomeada para substituir Goidanich.

Aliança pela Liberdade Religiosa e Consenso de Genebra viram assuntos do passado

Sob Araújo, o Itamaraty estava engajado, junto com países como Polônia, Hungria e Estados Unidos, na promoção de uma agenda de direitos humanos conservadora no mundo. A defesa de valores relacionados à família, à liberdade religiosa, à defesa da vida e à liberdade de expressão em foros da Organização das Nações Unidas (ONU) e em reuniões multilaterais era frequente.

Estes temas não recebem atenção em reuniões e discursos do atual ministro. Depois que Donald Trump deixou o poder nos Estados Unidos, países que firmaram acordos como o Consenso de Genebra – sobre a defesa da vida em foros internacionais – e a Aliança Internacional pela Liberdade Religiosa – que busca combater a perseguição religiosa no mundo – esperavam do Brasil uma postura de liderança para a continuidade dessas plataformas.

Sob a gestão de França, é pouco provável que o Itamaraty se envolva com o mesmo ímpeto de antes em eventos que tenham temáticas desse tipo como foco. Parte dessa função poderá ser cumprida pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), especialmente através de sua Secretaria da Família.

Em breve, a nova gestão do Itamaraty passará por um teste de sua postura em relação a um desses temas. Em março, ainda sob o comando de Araújo, confirmou-se que Brasília vai sediar, em novembro de 2021, a segunda reunião ministerial da Aliança Internacional pela Liberdade Religiosa.

A forma como o evento for encarado pelo Itamaraty deixará um sinal para o mundo sobre o nível de prioridade da agenda conservadora para a diplomacia brasileira. Embora essa aliança seja menos controversa que o Consenso de Genebra – do qual os Estados Unidos, sob a presidência de Joe Biden, já decidiram sair –, ela também tem inspiração conservadora em sua origem.

Mike Pompeo, ex-secretário de Estado de Trump, foi o grande articulador da aliança. O primeiro evento do grupo ocorreu em novembro de 2020 na Polônia, país presidido por conservadores e próximo ao ex-presidente norte-americano.

Diferenças nos discursos explicitam a mudança de abordagem no Itamaraty

A mudança promovida no Itamaraty fica clara quando se comparam os discursos que os dois chanceleres de Bolsonaro fizeram para plateias semelhantes.

Em sua última reunião com ministros das Relações Exteriores do BRICS, em 4 de setembro de 2020, por exemplo, Ernesto Araújo teve uma postura audaciosa e tocou em temas delicados como liberdade religiosa e Venezuela. China e Rússia têm vínculos com a ditadura venezuelana e nunca condenaram publicamente o governo de Nicolás Maduro.

“É preciso lembrar o sofrimento e as aspirações reprimidas do povo venezuelano. O Brasil está comprometido com uma América do Sul próspera, democrática e aberta. Atualmente, a Venezuela não preenche nenhum desses requisitos, infelizmente”, disse o ex-ministro. “Eu exorto os senhores, colegas, e a seus países, a ajudarem a encontrar uma saída para a Venezuela. Todos nós aqui podemos desempenhar um papel fundamental. Os senhores podem desempenhar um papel fundamental”, acrescentou.

Em sua primeira reunião com chanceleres do bloco, em junho de 2021, o novo ministro, Carlos França, preferiu ressaltar a força do vínculo entre os países, sem abordar temas delicados. Destacou principalmente a importância da relação com o governo chinês para a questão das vacinas. “Devo mencionar também nossa parceria com a China, que se revelou crucial na atual pandemia. Reforçamos nossa cooperação em vacinas, com base na aquisição de novas doses e insumos, elevando nosso comércio bilateral a níveis inusitados”, afirmou.

Também foi em tom ameno que França discursou em reunião recente da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), no dia 16 de julho. Ressaltou diversas vezes, assim como na reunião do BRICS, a importância do vínculo entre os países do grupo, e falou sobre o apoio do Brasil ao Vocabulário Ortográfico Comum.

Araújo não deixava de lado o aspecto protocolar desses discursos, mas raramente abria mão de tocar em assuntos controversos. Em uma reunião da CPLP durante a Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2020, abordou o tema da liberdade de expressão. “É fundamental que, diante de uma emergência como essa, não surjam pretensões de estabelecer órgãos de controle da verdade. Não pode ser a mídia nem nenhum organismo internacional que decidam o que é verdade”, disse aos membros da CPLP.

Em reunião com o G20, também em setembro do ano passado, o ex-chanceler fez uma crítica parecida ao multilateralismo e aos meios de comunicação, ao falar sobre a forma como a pandemia foi abordada na opinião pública. “Infelizmente, organizações multilaterais, a mídia, formadores de opinião ao redor do mundo, propagaram, por meses, uma atmosfera de ‘apenas saúde’; uma abordagem que ignorou todos os outros aspectos do mundo e demonizou líderes que ousaram falar das dimensões econômica e social”, afirmou Araújo.

França, em reunião dos chanceleres do G20 na Itália em junho de 2021, não contrariou as críticas feitas por seu antecessor, mas tocou no assunto em um tom bem mais ameno. “A pandemia da COVID-19 trouxe à tona a necessidade e a urgência de reformar sistemas e organizações internacionais. Precisamos trabalhar juntos para alcançar essa meta, de maneira inclusiva e construtiva (…). Em um renovado multilateralismo pós-Covid, organizações internacionais devem ser mais efetivas, transparentes e sujeitas a prestação de contas com governos e sociedades em geral”, comentou.

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