Há três anos, o então adolescente Eduardo* desferiu 12 facadas em uma taxista no Paraná. Apesar da brutalidade do ato, tanto o jovem quanto a vítima podem dizer que tiveram sorte. O primeiro foi ressocializado e hoje trabalha em uma empresa pública. A taxista escapou sem sequelas. Esse desfecho, porém, não é a regra. A Gazeta do Povo teve acesso ao desdobramento das medidas socioeducativas aplicadas a 25 adolescentes que cometeram homicídios em Curitiba desde o ano passado. Em dez casos, o jovem voltou a cometer um delito. Outros dois morreram menos de dois anos após cumprirem medida de internação.
Os dados foram obtidos por meio do cruzamento de informações da Vara de Adolescentes em Conflito com a Lei e da Delegacia do Adolescente Infrator com registros do Sistema de Registro Policial. Trata-se apenas de uma amostra justamente devido à ausência quase que completa de informações oficiais. O sucesso da medida socioeducativa acaba sendo mensurado apenas pelo porcentual geral de reincidência, que foi de 22% em 2013, segundo a Secretaria da Família e Desenvolvimento Social do Paraná (Seds) responsável pelo regime fechado.
Para Olympio de Sá Sotto Maior Neto, procurador de Justiça e coordenador do Centro de Proteção dos Direitos Humanos do Ministério Público do Paraná, os números são alarmantes. "Os adolescentes se inserem em um contexto de banalização da violência. Há mortes associadas a confrontos com a polícia e com grupos de tráfico." A explicação do procurador de Justiça do Paraná encontra ecos nas ruas. Em 17 de maio de 2008, Diego*, 18 anos recém completados, estava em uma festa na Vila de Ofícios da Vila Prado, região central de Curitiba, e, segundo seus pais, foi morto por policiais em uma suposta troca de tiros.
Vizinhos dizem que Diego esteve envolvido em um homicídio e com tráfico de drogas quando adolescente. Mas os reais motivos que levaram o jovem a estar enterrado ao invés de brilhar nos gramados, como sonhava seu pai, também resvalam na omissão do Estado. Isso porque, segundo a mãe, ele havia sido apreendido três vezes durante a adolescência. "Ele estudou e tinha tudo o que queria. Mas andava com essas pessoas. Quando foi apreendido, não o ajudaram".
A ajuda esperada pela mãe de Diego está no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê prestação de serviços comunitários, liberdade assistida, semiliberdade e internação para adolescentes infratores. Essa última, mais rigorosa, é aplicada em casos reincidentes ou com grave ameaça à pessoa.
Mas a cultura do encarceramento ainda prevalece. No Paraná, para cada vaga em semiliberdade, há 11 para internação. O problema, no entanto, é nacional. Em 2013, o Conselho Nacional do Ministério Público mostrou que dobrou o número de menores em medida privativa de liberdade: de 9.555, em 2002, para 20.081 em 2012. "Se tivéssemos atendimento adequado no início, diminuiríamos a reincidência e não precisaríamos chegar à internação em alguns casos", diz a promotora da Vara do Adolescente, Danielle Cavali Tuoto.
Após tentativa de assassinato, jovem sonha com medicina
Eduardo*, hoje com 19 anos, foge do estereótipo de quem já foi um adolescente infrator. Amante da leitura desde criança, ele virou sua vida de cabeça para baixo aos 15 anos quando se envolveu em uma tentativa de homicídio. "Estava usando cocaína e droga não é de graça. Depois de uma noite inteira cheirando, decidi roubar um carro. Acabei atacando a vítima com uma faca", relembra.
O jovem e um amigo venderam o carro por R$ 1,2 mil no Paraguai . Três dias após retornarem ao Brasil, foram pegos pela polícia. No início, diz o jovem, a aplicação da medida tinha tudo para dar errado. Ele alega ter passado os primeiros 21 dias em uma delegacia superlotada junto com maiores de idade e ter ficado mais três meses sem receber visitas no Cense de Foz do Iguaçu.
Os pais, naquela época, estavam em Curitiba, para onde o jovem veio transferido a pedido da família. Nove meses depois, ele foi colocado em liberdade. " Mas ainda tive de prestar serviços comunitários. Isso me ocupou e foi importante", relembra. Foi nesse período, inclusive, que Eduardo conseguiu uma vaga no Programa Menor Aprendiz do governo estadual. A oportunidade foi apresentada por uma assistente social da prefeitura.
Depois de um período como aprendiz e das medidas socioeducativas já cumpridas, Eduardo conseguiu uma vaga de estágio como arquivista numa empresa estadual. Dos muitos livros que leu na época da internação, ele relembra de uma lição extraída do título Cidade do Som: "nada é tão ruim que não possa piorar. Temos de seguir em frente", sorri o jovem, que sonha em ser médico.
*Os nomes dos adolescentes mostrados na reportagem foram omitidos e substituídos por fictícios.