O projeto de lei que visa regulamentar a licença-paternidade em até 60 dias avançou no Senado Federal, mas ainda tem um longo caminho a percorrer. Considerada uma política pública de fácil implementação e com impactos positivos na economia a longo, médio e curto prazo, o maior desafio é determinar de onde virá o financiamento para custear o benefício.
O parecer da relatora, senadora Damares Alves (Republicanos-DF), foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos (CDH), em 12 de julho, antes do recesso. De forma progressiva, a proposta prevê que os pais fiquem 30 dias em casa após a chegada de um filho nos dois primeiros anos de vigência da lei. No terceiro e quarto ano da lei, o prazo aumentaria para 45 dias, chegando a 60 dias a partir do quinto ano. Os pais envolvidos em casos de violência doméstica ou familiar ou de abandono de filhos não receberão o benefício, segundo o texto da senadora.
“Para cada dólar investido na Primeira Infância, há um retorno de US$ 7. Há estudos mais recentes mostrando números maiores, até US$ 16. Porque o melhor investimento que a sociedade pode fazer é investir nas pessoas, pois traz mais retorno do que investir em infraestrutura e tecnologia, por exemplo. Afinal, são as pessoas que geram isso”, afirma Rodolfo Canônico, diretor-executivo do Family Talks, ONG que faz advocacy em políticas públicas familiares.
Canônico explica que, embora não haja um cálculo específico sobre o retorno econômico da licença-paternidade, os gestores públicos consideram o auxílio, tecnicamente, como um investimento na Primeira Infância, que beneficia crianças de zero a seis anos. “Os benefícios sociais tendem a superar os custos gerados. Tal como a licença-maternidade. Caro seria para a sociedade se o filho não tivesse a oportunidade de estar com a mãe nos primeiros meses de vida”, destaca.
Benefícios vão de saúde da mulher no pós-parto à conclusão de percurso escolar da criança
“A Primeira Infância não se resume a benefícios ofertados pelo Estado como creches ou parques. Para que a criança se desenvolva bem, ela precisa de uma família que funcione de forma adequada. E uma das principais necessidades da família é tempo. Nenhum pai vai poder interagir adequadamente com os filhos se não tiver tempo para isso”, enfatiza Marcelo Couto, doutor em Ciências Sociais pela UCSal e secretário municipal da pasta de Família, Cidadania e Segurança Alimentar de Osasco (SP).
Ainda segundo Couto, o tempo maior de convivência entre pais e filhos tem repercussões no desenvolvimento cognitivo e social da criança. Essa convivência também tende a reduzir comportamentos de risco – envolvimento com álcool e drogas, por exemplo - e até melhorar o desempenho escolar dessas crianças. Para o especialista, o Poder Público também deve promover iniciativas de políticas para que os pais possam desenvolver habilidades parentais. Dessa forma, há mais garantia de que este tempo entre pais e filhos seja de qualidade.
O relatório do “Grupo de Trabalho sobre a Regulamentação e a Ampliação da Licença-Paternidade” da Câmara dos Deputados mostra que a presença do pai em casa durante duas semanas ou mais está associada a um maior envolvimento emocional dele com os filhos, menor índice de estresse para ambos os pais e menor índice de depressão pós-parto para mães.
Um estudo feito nos Estados Unidos, que acompanhou crianças por 30 anos, possibilitou que os pesquisadores conseguissem prever, com 77% de precisão, quais crianças abandonariam a escola antes do ensino médio. A única variável usada pelo grupo era a qualidade dos cuidados dos pais com os filhos nos primeiros 3 anos e meio de vida. “Ou seja, um dos fatores mais determinantes para a permanência da criança na escola e a conclusão de seu percurso escolar é qualidade da interação com os pais. E isso ocorre em um período em que boa parte das crianças nem sequer entraram na escola”, explicou Couto. Ainda segundo a pesquisa, a educação nos primeiros anos de vida tinha influência no nível de escolaridade de um jovem de 23 anos.
De onde vai sair o dinheiro?
A proposta ainda precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça, Comissão de Assuntos Econômicos e Comissão de Assuntos Sociais. O governo, figura crucial para o avanço do projeto, não se opõe ao mérito da proposta, mas ainda não determinou de onde devem sair os recursos necessários.
A fonte de recurso mais cotada para custear o benefício paterno seria o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), responsável pelo pagamento da licença-maternidade. Apesar disso, as projeções de longo prazo do órgão são bem preocupantes. O rombo da Previdência deve chegar a R$ 326,2 bilhões em 2024, segundo o Balanço Geral da União de 2023, divulgado pelo Tesouro Nacional. O envelhecimento populacional acelerado e o avanço dos gastos são os principais motivos do déficit.
Em relação aos custos com implementação, o cenário é mais otimista. Bastaria replicar aos pais o que já é feito em relação ao pagamento do auxílio às mães. A organização das empresas para beneficiar os empregados também não deve ser complexa, e funcionaria de maneira semelhante ao período de férias dos celetistas. A diminuição das taxas de fecundidade e natalidade, conforme apontam os últimos dados do IBGE, também deve diminuir os problemas das empresas.
“Esta é uma política pública de resultado garantido, diferente de outras. Porque é um recurso que vai diretamente para a pessoa que está com a criança. O dinheiro vai cair na conta do cidadão para ele estar com o filho. Isso potencializa os resultados pretendidos”, ressalta Canônico.
Eleitorados criticam Damares e Tabata por trabalharem juntas
Em dezembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) estipulou um prazo de 18 meses para que o Congresso Nacional regulamentasse a licença-paternidade. O direito, previsto pela Constituição Federal há 35 anos, necessita da aprovação de uma lei específica. Atualmente, a licença-paternidade é de 5 dias – um prazo temporário que a Constituição Federal estabeleceu. Empresas cidadãs e órgãos públicos oferecem 20 dias de licença aos pais. Algumas empresas privadas, como o Grupo Boticário e o Nubank, já oferecem 120 dias.
A Frente Parlamentar Mista pela Licença-Paternidade foi lançada em junho no Congresso Nacional. Presidida por Tabata Amaral (PSB-SP) e com Damares Alves como vice-presidente, as parlamentares foram criticadas pela aliança em prol do projeto. “A gente vê mulheres da esquerda e da direta se unindo, deixando desavenças e discordâncias de lado, para falar do que importa”, frisou Tabata em seu discurso na Comissão de Direitos Humanos.
Após a aprovação do projeto, Damares Alves lamentou as críticas recebidas pela sua base conservadora. “Vocês não sabem o quanto eu sofri porque fui fotografada e sou vice da Tabata Amaral. Eu perdi amigos, seguidores e parceiros porque eu me aliei à Tabata Amaral para proteger crianças, mulheres e famílias do Brasil”, disse a senadora emocionada. Pedro Campos (PSD-PE) e Benedita da Silva (PT-RJ) também se envolveram a frente dos trabalhos em prol da licença-paternidade.
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