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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), enfrenta um dilema com possível repercussão internacional na análise do pedido do ex-presidente Jair Bolsonaro para comparecer à posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, marcada para a próxima segunda-feira (20).
Moraes está diante de um impasse: se permitir a viagem, pode escancarar as incoerências e a falta de fundamento jurídico de suas decisões; se vedá-la, pode expor para a comunidade internacional a perseguição política contra o ex-presidente. A alternativa, nesse caso, pode ser a de postergar a decisão sobre o pedido até que ele perca seu objeto.
A apreensão do passaporte de Bolsonaro foi determinada pelo próprio Moraes durante a Operação Tempus Veritatis, em fevereiro de 2024. Agora, caso Moraes autorize a viagem e o ex-presidente retorne ao país no prazo estabelecido pela decisão, a necessidade da medida tenderá a ser ainda mais questionada.
Por outro lado, se o ministro decidir impedir a viagem, parte da comunidade internacional poderia interpretar a ação como evidência de perseguição política, o que intensificaria as críticas de políticos da direita americana ao Supremo Tribunal Federal (STF) logo no início do mandato de Trump.
Para Luiz Augusto Módolo, doutor em Direito Internacional pela USP, impedir a presença de Bolsonaro na posse de Trump teria impacto não só para o STF, mas para toda a diplomacia entre os dois países, num contexto em que um presidente alinhado a Bolsonaro está assumindo nos EUA.
"O Judiciário vai se defender dizendo que tem independência etc. Mas, à luz das relações internacionais e do Direito Internacional Público, o Brasil é um só lá fora. A decisão negando autorização ao Bolsonaro será vista como uma decisão do Brasil. Não adianta dizer que foi decisão de um ministro do STF ou de um juiz de Curitiba", afirma o jurista. "Mais atenção internacional será dada à situação do Brasil. Muitos se perguntarão por que Milei [presidente da Argentina] e Meloni [primeira-ministra da Itália] foram, e o Bolsonaro, sem estar preso ou condenado, não foi", acrescenta.
O caso começou no dia 10 de janeiro, quando Bolsonaro solicitou ao STF permissão para viajar aos EUA entre os dias 17 e 22 de janeiro. Os advogados do ex-presidente alegaram que o convite para a posse é fundamental para fortalecer o diálogo entre os dois países.
No dia seguinte, Moraes exigiu a apresentação de um convite formal, destacando que o documento recebido pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, foi enviado de um "endereço não identificado" e não continha detalhes claros sobre a cerimônia.
Eduardo Bolsonaro reagiu no sábado (11) criticando a exigência de Moraes, alegando que o convite foi uma decisão direta de Trump após reuniões com seus assessores. Ele também apontou que o vazamento do endereço de e-mail do comitê organizador pelo STF pode gerar transtornos, com a caixa de entrada do remetente sendo sobrecarregada por mensagens indesejadas.
Nesta segunda-feira (13), os advogados de Bolsonaro informaram a Moraes que o ex-presidente pretende permanecer nos Estados Unidos por seis dias, entre 17 e 22 de janeiro. Além da cerimônia de posse, o político brasileiro foi convidado para eventos relacionados, como o baile de posse hispânico, com homenagens a deputados e senadores de origem latino-americana.
Adiar a decisão até que ela não tenha eficácia pode ser a alternativa de Moraes
Moraes pode optar por atrasar a decisão, exigindo novas diligências até inviabilizar a viagem. Essa é, para Módolo, a alternativa mais provável.
"Dado o histórico das decisões envolvendo Bolsonaro, caso eu fosse apostar, há o risco de o STF simplesmente deixar o tempo passar e decidir depois da posse, ou dizer depois da posse que o pedido de devolução de passaporte 'perdeu o objeto'", afirma o jurista.
Moraes já fez algo semelhante, por exemplo, no caso do velório da mãe do presidente do PL, Valdemar Costa Neto: postergou tanto a análise que, quando a permissão saiu, Bolsonaro já não tinha como viajar a tempo de comparecer ao funeral.
Essa abordagem poderia atender ao interesse estratégico do STF, evitando uma decisão final a tempo de Bolsonaro chegar à posse de Trump, mantendo o caso em uma atmosfera de dúvida e neutralizando, em parte, a polêmica.
Se quiser seguir por esse caminho, Moraes poderia, por exemplo, requisitar mais informações e aguardar pareceres adicionais da Procuradoria-Geral da República (PGR), prolongando o processo até que a data da posse de Trump ficasse próxima.
O jurista André Marsiglia afirmou via X que também aposta nesse desfecho para o caso.
"Se Moraes devolver [o passaporte], por coerência, terá de devolver para outras viagens, outros convites, revelando que a retenção é política, não se sustenta juridicamente. Se não devolver, expõe o Brasil e os abusos do STF ao comentário internacional. Parece-me que escolherá não escolher. Questiona o e-mail, pede mais documentos, abre para a PGR se manifestar e, ao final, a posse terá passado, ou estará muito em cima, e sua decisão não terá efeito", disse. "Pior que juiz que decide mal é o que não decide", acrescentou.