No lugar de balões coloridos e do bolo com velinhas de aniversário, choro, dor e vazio no peito. Rachel Maria Lobo de Oliveira Genofre completaria neste domingo 10 anos se estivesse viva. A história da garota foi brutalmente interrompida em novembro do ano passado, quando a menina foi raptada, violentada sexualmente e morta. O corpo dela foi deixado dentro de uma mala na Rodoferroviária de Curitiba.
Em um piscar de olhos, o drama vivido pela família da menina foi compartilhado com toda a sociedade. Desde então, as pessoas passaram a acompanhar o caso como se Rachel fosse uma sobrinha, uma filha, uma neta, uma amiga. Durante todo esse tempo também, todos acompanharam e respeitaram o silêncio da mãe, Maria Cristina Lobo de Oliveira.
Maria Cristina optou pelo isolamento para tentar abafar a dor. Afastou-se do trabalho e de Curitiba. Pouco mais de três meses passados do crime, Maria Cristina ainda luta para colocar a vida no lugar. Voltou ao trabalho e a Curitiba, mas não teve coragem de voltar a morar no local em que viveu com Rachel.
Forte e frágil ao mesmo tempo, Maria Cristina conversa, sorri, mas fraqueja e os olhos enchem de lágrimas ao lembrar da filha. Na última sexta-feira, Maria Cristina decidiu falar, dar vazão a sua dor, na tentativa de ajudar a dar uma solução ao crime. "Vi que se eu falasse podia ajudar nas investigações. Não deixar fazer com que as pessoas esqueçam." Acompanhe a entrevista exclusiva que ela deu à Gazeta do Povo.
Como tem sido para a família a vida depois da tragédia?
É muito complicado, muito difícil. Todo dia tem que acordar, tem coisas para fazer... mas a vontade de viver, o amor pela vida, eu acho que foi tudo junto com ela. É inaceitável o que aconteceu. A todo o instante a gente lembra.
A família mudou de casa...
A presença dela é muito forte. Cada cantinho que olhava na casa, eu via a Rachel. Então, de certa forma, tentamos abafar um pouco. Esquecer não tem condição, mas saímos da casa tentando reconstruir a vida.
Você conservou os pertences de Rachel?
Grande parte das coisas foram doadas para Santa Catarina. Fiquei com pouquíssimas coisas e não pretendo guardar. Temos lembranças maravilhosas com ela. Eu quero que fique isso. O que tem de material não vai trazer nada.
Rachel faria 10 anos no domingo (hoje). Como você pretende passar o dia?
Não estou planejando nada, não tem como. Eu estaria planejando, se a história fosse diferente... (choro). Eu não sei.
Como você lembra da Rachel?
Uma menina muito esperta. Quando não gostava de alguma coisa, fechava a cara. Ela brincava lá em casa de pega-pega, esconde-esconde, com água, bicicleta. Ela amava ler. Ela lia no fim de semana livros de 200 páginas. Ela gostava de várias coisas. O que ela não gostava era de fazer lição. Brigava para tomar banho também.
Ela tinha personalidade forte?
Sim (risos). Quando queria uma coisa era aquilo e quando não queria não adiantava.
O que tem te dado forças para continuar?
O meu filho, mas eu não gostaria de falar sobre ele.
Logo depois do que ocorreu você preferiu o isolamento. Por quê?
Fiquei afastada porque achava que era melhor. Acho que saí da rotina porque eu não ia dar conta de prosseguir. Fiquei em um sítio, afastada do trabalho e só voltei este ano.
Depois de mais de três meses de silêncio você resolveu falar. O que a fez mudar de ideia?
Eu demorei porque eu não consegui antes. Tive de ver a real necessidade disso. Vi que isso poderia ajudar. O tênis, a mochila que ela estava usando e o troféu que ela carregava ainda não foram encontrados. É importante uma ajuda, alguém que viu em algum lugar, jogado dentro da casa de alguém, em um terreno baldio. Porque não se tem ideia do que foi feito. Pode ser que tenham queimado, mas gostaria que, se alguém soubesse, ligasse para o Cope ou fizesse uma denúncia anônima.
O assédio da imprensa a incomodou na época?
No começo foi complicado. Uma das coisas que não deixaram eu voltar logo depois para casa foi justamente porque tinha carros rondando, repórteres, tudo. Mas eu tenho muito a agradecer a vocês (jornalistas), em relação à ajuda que deram, à cobrança, ao interesse pelo caso. Todos da imprensa sempre me trataram muito bem.
Em algum momento você se sentiu pressionada ou julgada pela sociedade?
É normal que, de certa forma, julguem, mas, com o que aconteceu, eu não consigo me importar com o que os outros pensam ou o que os outros acham.
Como estão as investigações?
Para mim, receber as notícias é complicado por mais que eu tenha vontade de que o culpado seja preso. Tem uma pessoa da família que está acompanhando direto. A polícia está realmente investigando e eu tenho muito a agradecer. O trabalho deles está sendo muito sigiloso. Principalmente em relação a trotes, porque imagina acusar uma pessoa que não tem nada a ver. É complicado porque ela fica marcada, estraga com a vida dela.
O que você pretende fazer quando encontrarem o culpado por tudo isso?
Se eu acompanhar alguma coisa, vai ser pela televisão, pelos jornais, porque a justiça não está nas minhas mãos e eu quero distância. Eu gostaria de entender como, por que ela, mas também não vai melhorar nada para mim. Se a justiça for feita, na minha vida não vai mudar nada. Mas há a vontade que eu tenho, que você também deve ter, meu vizinho, meu colega, a pessoa que mora do outro lado do país, de que o responsável seja preso. É um monstro que está à solta.
Depois de passar por uma experiência assim, que tipo de orientação você daria para outras mães?
Eu não sei o que dizer porque com a minha filha a gente conversava, falava para ela, cuidava. Eu explicava para ela sobre tráfico de órgãos, sequestro, tráfico de crianças. Violência sexual eu não cheguei a explicar tanto, mas eu tinha uma conversa aberta com ela. Eu não sei... Não tem o que falar. A orientação toda a gente passou para ela.