A prefeitura de Curitiba está tentando reverter uma decisão judicial que obriga os cofres públicos a pagar uma dívida milionária com as empresas de ônibus que atuam na capital. A disputa antecede a primeira licitação da história da cidade para escolher as concessionárias que cuidarão do transporte coletivo em Curitiba.
Caso a decisão de primeira instância seja mantida, a Urbanização de Curitiba (Urbs), responsável pelo transporte coletivo na cidade, terá de pagar duas somas às empresas: a primeira é de R$ 31,6 milhões atualizado pela inflação, o valor chegaria a R$ 40,4 milhões. A segunda dívida não teve valor definido pela Justiça, mas tende a ser muito maior do que a primeira. Os pagamentos poderiam, inclusive, obrigar o município a aumentar o valor da tarifa, atualmente em R$ 2,20. A Urbs não se pronuncia sobre o assunto.
A decisão judicial contra a Urbs foi dada pela juíza Vanessa de Souza Camargo, da 4.ª Vara da Fazenda Pública. Ela julgou, em outubro passado, uma ação que reúne três reclamações das empresas de ônibus. A primeira diz justamente respeito à dívida de R$ 31,6 milhões. O débito tem origem na suspensão do pagamento às empresas de ônibus durante cerca de 40 dias em 2003. O principal motivo era o uso excessivo no sistema de vale transportes falsos, que ainda usavam o modelo de ficha de metal.
A dívida chegou a ser reconhecida pela Urbs durante a gestão de Cassio Taniguchi, por meio de um documento assinado em cartório pelo então presidente, Sérgio Galante Tocchio. Um mês antes de deixar o cargo, ele garantiu ser devedor de 22 empresas: "A Urbs expressamente reconhece que a indefinição por parte da Comec na fixação da tarifa do transporte coletivo da RIT (...) bem como o atraso no pagamento das faturas e, por fim, que a existência de vales transportes falsificados culminou em causar prejuízos para as empresas operadoras do sistema (...)."
Os advogados da própria Urbs, já na administração de Beto Richa (PSDB), questionaram o valor legal do reconhecimento de dívida, já que a decisão não tinha parecer do Conselho Fiscal do órgão. Porém, a juíza confirmou a dívida. "O ato administrativo é válido inexistindo qualquer vício de consentimento na elaboração do documento de confissão de dívida."
Valores
A segunda reclamação das empresas afirmava que era ilegal a redução de pagamentos adotada pela Urbs em 2005. Quando Beto Richa assumiu a prefeitura, prometendo manter a passagem em R$ 1,90, uma comissão foi montada para verificar se os repasses do município para as empresas tinham base em gastos reais com o transporte (ver matéria nesta página). As notas fiscais apresentadas pelas empresas foram insuficientes para fazer um panorama completo, mas levaram a Urbs a reduzir alguns dos repasses. A juíza, porém, deu razão às empresas.
A decisão judicial não deixa claro, porém, se as empresas de ônibus terão direito de receber a diferença de forma retroativa, desde 2005, ou apenas estabelece o retorno da remuneração anterior. Caso a Justiça entenda ser necessário a indenização desde o início da mudança, a dívida acumulará as perdas de mais de quatro anos, e poderá chegar a centenas de milhões. De qualquer forma, a Urbs recorreu ao Tribunal de Justiça (TJ) e o recurso suspende temporariamente o cumprimento da determinação judicial. Não há prazo para o julgamento, e depois disso ainda há possibilidade de recurso aos tribunais superiores, em Brasília.
No mesmo despacho, a juiza Vanessa de Souza Camargo decidiu sobre um terceiro ponto: negou pedido da Urbs para que as permissionárias apresentassem notas fiscais de todas as despesas, como diesel, conserto dos veículos e compra de peças.
A Urbs foi procurada pela reportagem, mas disse que não irá se manifestar sobre o assunto até a discussão jurídica ser encerrada. O Sindicato das Empresas de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Setransp) também foi procurado, mas não quis comentar o assunto.