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Alternativa na educação

Opções de faculdades livres de militância woke crescem no Brasil; conheça algumas

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Opções de faculdades livres de militância woke são cada vez mais comuns no Brasil. (Foto: Ilustração/Leonardo Desideri com Midjourney)

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Nos últimos anos, é comum ouvir estudantes e professores contrários à militância woke lamentando a escassez de ambientes universitários no Brasil onde reine a liberdade acadêmica, em especial no campo das humanidades. O cenário está começando a mudar.

Instituições de ensino superior têm sido criadas com a proposta de dar novo espaço ao conceito clássico de universidade, baseado em pluralismo intelectual, liberdade acadêmica, investigação objetiva da verdade e valorização do mérito e da excelência (veja lista de algumas dessas instituições no final deste texto). Além disso, docentes, coordenadores e reitores de algumas instituições antigas começam a abrir as portas para uma renovação nesse sentido.

Gestores acadêmicos relatam à Gazeta do Povo um início de esgotamento do radicalismo identitário, que ainda se impõe no ensino superior, mas já começa a secar pela raiz. O excesso de dogmatismo, a falta de fundamentos intelectuais sólidos e a influência da internet, que expõe novas perspectivas, levam cada vez mais estudantes e professores a encararem com ceticismo as ladainhas da militância woke.

"Chegou a tal extremo que as pessoas se cansam, e aí volta o espaço da razão. O wokeísmo está em declínio", afirma um dos gestores, que prefere não ser identificado.

Nas duas maiores cidades do país, instituições de ensino superior começam a recuperar a essência do ensino universitário clássico, seja implementando iniciativas nesse sentido em cursos específicos ou incluindo essa proposta em sua própria missão geral. Em São Paulo, a Faculdade Belavista, que oferece cursos de Direito e Economia, e a UniÍtalo, com um portfólio de 70 graduações, são exemplos desse movimento. No Rio de Janeiro, a Faculdade Mar Atlântico, que tem os cursos de Gestão Pública e Filosofia, segue o mesmo rumo.

Na UniÍtalo, o historiador Rafael Nogueira, ex-presidente da Biblioteca Nacional, tornou-se coordenador da licenciatura em História. O convite para o cargo, segundo ele, partiu do interesse em "priorizar o estudo da história acima das politizações". "O que muita gente quer não é um ensino militante, mas um ensino acadêmico de verdade, onde o aluno pode ter contato com diferentes visões sem ser obrigado a seguir uma cartilha ideológica", afirma.

A Belavista e a Mar Atlântico adotam um core curriculum, isto é, um conjunto obrigatório de disciplinas fundamentais para todos os alunos, independentemente de sua área de especialização. Esse modelo foi um pilar na construção da excelência acadêmica de universidades como Harvard e Columbia. A ideia é garantir uma formação sólida em disciplinas essenciais como filosofia, história, ciências e artes, criando um ambiente acadêmico que valoriza o pensamento crítico e a tradição intelectual ocidental – o que inclui a leitura de grandes clássicos da literatura.

Gestores das instituições relatam que o crescimento da procura por esse tipo de formação é evidente, mesmo diante da campanha em meios de comunicação e na própria academia contra qualquer proposta que, no âmbito educacional, remeta à tradição. “É o que muita gente está buscando. O pensamento clássico é muito rico, muito empolgante. Eu acho que, se todo mundo soubesse o que é, mais gente ainda quereria. E mesmo com toda a desinformação, há um público grande interessado por esse tipo de conteúdo", diz um dos entrevistados.

Liberdade acadêmica favorece conexão dos estudantes com o mercado profissional

Algumas universidades e faculdades, embora não tragam a proposta explícita de resgatar elementos do ensino universitário clássico em seu projeto pedagógico, são reconhecidas por docentes e gestores contatados pela reportagem por dar ampla liberdade acadêmica a seus professores e estudantes.

Isso tende a favorecer, segundo eles, a conexão dos alunos com o mercado de trabalho. O tempo que se economiza com menos ouvidos para a militância tende a ser aplicado em assuntos de interesse prático para a vida profissional dos alunos.

Um exemplo é o Ibmec, que tem unidades em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília. A instituição tem 14 cursos de graduação – entre os quais alguns que, em outras universidades, podem ser focos de ideologia woke, como Comunicação Social, Direito e Relações Internacionais.

Um professor do Ibmec que falou com a reportagem comparou a situação da instituição com uma universidade pública em que ele também dá aulas. "Realmente há uma predominância muito, muito alta dessa cultura woke, desse progressismo [na pública]. Costumo dizer que eles têm que cuidar muito bem de mim lá, porque garanto a diversidade dentro da instituição", comenta. Sobre o Ibmec, por outro lado, a instituição é "muito aberta, plural". "Tem, sim, professores e também alunos que seguem a onda woke, mas não é algo dominante e não se cria um ambiente de inibição", afirma.

No Centro Universitário Barão de Mauá, em Ribeirão Preto (SP), há um cenário parecido: mesmo não tendo uma proposta muito fora do convencional, a instituição é elogiada por docentes por ser um ambiente de liberdade acadêmica.

"Desde que entrei na universidade, sou muito livre e me sinto muito autônomo para dar os conteúdos. A coordenação inclusive estimula pensamentos diferentes. Essa é uma grande falta, principalmente na parte das humanas, onde é difícil encontrar pessoas com um pensamento mais pragmático, objetivo e científico", diz um professor, que relata ter vivido uma experiência bastante diferente em uma universidade pública onde deu aulas antes.

Para esse docente, o espírito universitário tem a ver com diversidade, mas "não a diversidade woke, e sim a diversidade real, uma diversidade que inclui todas as pessoas que têm um pensamento diferente, que querem falar sem ser censuradas".

Uma das consequências dessa liberdade é a quebra das barreiras que a ideologia woke costuma levantar contra certos grupos. "Vou dar um exemplo local: a Barão de Mauá é uma das maiores [universidades] aqui na região de Ribeirão Preto. E a região é inteira voltada para o agro, que tem um poder muito forte aqui. E, até pouco tempo atrás, o curso de jornalismo tinha certo receio de tratar com o agro. Mas, por conta do trabalho da coordenação, o curso de jornalismo se aproximou mais dessa realidade, pensando mercadologicamente, profissionalmente. Muitos estudantes vão sair da faculdade e quem vai dar emprego são, muitas vezes, pessoas ligadas ao agro", explica o professor. "Não dá para ter receio; tem que, pelo menos, tratar. E isso foi trabalho da coordenação."

Outra faculdade que, segundo fontes ouvidas pela reportagem, tem um ambiente favorável à liberdade acadêmica é a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), na capital paulista. Focada em cursos que costumam ser dominados por ideologias progressistas, como Cinema e Audiovisual, Comunicação e Publicidade, Direito, Jornalismo e Relações Internacionais, a tradicional instituição, fundada em 1951, mantém o respeito pela pluralidade. O foco no mercado, de acordo com uma fonte, é o motivo disso. "O único objetivo é o sucesso profissional do estudante. O foco está tanto nessa direção que eu acho que iniciativas em outra direção não prosperam dentro da escola", afirma.

MEC cria algumas barreiras, mas não impede alternativas à visão de mundo woke, dizem gestores e professores

Uma das dificuldades das novas iniciativas mencionadas pode ser a de se adequar a algumas exigências pedagógicas impostas pelo Ministério da Educação (MEC), em especial porque a onda woke conseguiu, ao menos em alguma medida, penetrar no âmbito governamental nas últimas décadas.

Mas, segundo os gestores e docentes consultados pela reportagem, o monstro não é tão grande quanto parece. É possível, de acordo com eles, atender às exigências do MEC sem precisar ceder à ideologia woke. As diretrizes curriculares impõem temas que foram apropriados, nos últimos tempos, pela cultura woke, como meio ambiente e direitos humanos, mas é possível abordar estes assuntos sem cair na doutrinação ideológica.

"A centralização no MEC é um problema, porque existem certos requisitos legais a que todas as universidades devem atender. E as particulares, como dependem da avaliação do MEC para ganhar ponto e, com isso, atrair aluno, precisam atender a isso. Existem disciplinas em que é obrigatório abordar história afro, direitos humanos, meio ambiente… Entendo essa obrigatoriedade como um resultado da pressão da ideologia woke. Mas, por outro lado, o corpo docente tem autonomia para definir bibliografias e metodologias", diz um professor que não quer ser identificado.

Rafael Nogueira, coordenador de História da UniÍtalo, relata experiência semelhante. "A gente se adaptou bem às normas do MEC e está tranquilo quanto a isso. Acho que algumas exigências poderiam ser alteradas, ou pelo menos mais flexibilizadas. Não é o caso de História da África, por exemplo, que a gente acha importante. Em geral, a gente se adaptou e conseguiu criar um sistema que deixou o curso com a nossa cara e, ao mesmo tempo, atendendo às exigências do MEC."

Outro gestor acadêmico entrevistado vê nessas exigências do MEC uma oportunidade de oferecer uma visão mais profunda, livre de disputas ideológicas e rancores, sobre desafios da sociedade atual. "A gente quer oferecer uma coisa aberta, que realmente enriqueça os alunos. Se a gente não fizer isso, eles vão buscar em outros lugares", diz.

Universidades públicas ainda são redutos woke, mas tendência pode estar mudando, dizem professores

As iniciativas mencionadas são exclusivas de faculdades particulares e ainda são pouco bem-vindas, de acordo com os professores consultados, nas universidades públicas brasileiras. Nessas instituições, o espaço para alternativas ao discurso woke, especialmente em cursos de humanidades, é bem menor.

Carlos Ferraz, professor de filosofia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), constata uma mudança evidente de paradigma desde que ele ingressou na vida acadêmica até hoje. "Isso foi crescendo dentro da universidade. Quando eu fui aluno de graduação, não via tão escancaradamente essas pautas serem impostas dentro do curso. Mas, com o passar do tempo, fui vendo que elas foram gradualmente crescendo, foram se espraiando, e os novos professores foram já aderindo a elas, de tal forma que hoje se tornaram hegemônicas", conta. "O professor, quando faz um concurso e ingressa, passa por um processo de formação. O que ele aprende nesse período? Pautas antirracistas, visibilidade trans etc. Esses são os temas que são apresentados para um novo professor na universidade. Isso não ocorria quando eu ingressei", acrescenta.

Para ele, ser obediente a esse tipo de agenda acaba sendo determinando para o sucesso acadêmico nas universidades públicas. "É muito difícil um professor prosperar academicamente, conseguir cargos de gestão, pró-reitorias, reitorias, se ele não estiver plenamente vinculado a essas pautas. O discurso dele, pelo menos, tem que ser em defesa dessas pautas. E é difícil para um professor hoje se opor a isso", diz.

"A pauta woke tende a ser ditatorial e autoritária. Aquele que não adere a ela passa a ser malvisto: é racista, é xenófobo, é misógino, é homofóbico, enfim… Nós temos grandes teóricos confrontando essas ideias e publicando livros. Há uma bibliografia bastante robusta hoje de teóricos que questionam, mas eles sempre são muito atacados dentro do universo acadêmico", complementa.

Ainda assim, há alguns sinais de mudança. O cientista político Luiz Ramiro, que já lecionou em universidades públicas como a UERJ e a Unemat, explica que a influência das ideias woke se intensificou "nos últimos 15, 20 anos", mas já começa a dar sinais de exaustão.

A contaminação ideológica das universidades públicas, segundo Ramiro, ocorreu não apenas por influência de professores engajados, mas pelo próprio modelo de seleção e financiamento da pesquisa acadêmica. "O problema é que, dentro das universidades federais, esse sistema se retroalimenta. Você tem mais pessoas que recebem bolsa para isso, tem mais estudantes, tem mais bolsistas, e aí tem mais gente estudando, mais gente que vai reproduzindo isso, mais livros são publicados, o que decanta em livros didáticos, e o sistema se retroalimenta", relata.

Mas, segundo ele, esse sistema acaba empobrecendo a produção científica, o que não escapa aos olhos do mercado profissional e dos próprios alunos. A falta de substância intelectual é tamanha que o sistema começa a se corroer.

Além disso, ressalta ele, o perfil do público universitário está mudando. "Já se percebe, por exemplo, mesmo nas universidades públicas, um movimento de um público cada vez mais evangélico. Pessoas que, na verdade, não querem nada com essa militância estudantil", afirma. "E vale lembrar que a esquerda não tem mais a garantia do público jovem. Ao contrário, eles têm uma preocupação muito grande quanto a isso."

Para Rafael Nogueira, pessoas com visões alternativas à ideologia woke precisam ter menos receio de se aproximar do universo acadêmico por causa de uma visão pessimista da situação das instituições. "Abandonar as universidades brasileiras é entreguismo, é uma preguiça", diz. "Existe uma forte convicção em mim de que as universidades públicas não são de esquerda. São de todo mundo. Todos nós pagamos imposto."

Conheça algumas faculdades com baixa influência de ideologias woke no Brasil

Centro Universitário Barão de Mauá
Onde: Rua Ramos de Azevedo, 423, Jardim Paulista, Ribeirão Preto (SP).
Cursos de graduação: Administração, Arquitetura e Urbanismo, Biomedicina, Ciência da Computação, Ciências Biológicas, Ciências Biológicas - Licenciatura, Design Gráfico, Direito, Enfermagem, Estética e Cosmética, Farmácia, Fisioterapia, Gestão de Recursos Humanos, Gestão Financeira, História, Jornalismo, Letras, Marketing, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Pedagogia, Produção Audiovisual, Psicologia e Publicidade e Propaganda.
Site: baraodemaua.br

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Centro Universitário Ítalo Brasileiro (UniÍtalo)
Onde: A UniÍtalo está localizada na Avenida João Dias, 2046, Santo Amaro, São Paulo (SP).
Cursos de graduação: 48 cursos de graduação, entre os quais Administração, Arquitetura e Urbanismo, Biomedicina, Ciência da Computação, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas, Direito, Educação Física, Enfermagem, Engenharia Agronômica, Farmácia, Fisioterapia, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Pedagogia, Psicologia, Publicidade e Propaganda, História, Letras, Filosofia e Teologia.
Site: italo.com.br

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ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing)
Onde: São Paulo (SP): Rua Doutor Álvaro Alvim, 123, Vila Mariana; Rio de Janeiro (RJ): Rua do Rosário, 90, Centro. Porto Alegre (RS): Rua Guilherme Schell, nº 350, Santo Antônio.
Cursos: Administração, Ciência de Dados e Negócios, Ciências do Consumo, Cinema e Audiovisual, Comunicação e Publicidade, Design, Design de Animação, Direito, Jornalismo, Relações Internacionais e Sistemas de Informação.
Site: espm.br

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Faculdade Belavista
Onde: Unidade I: Rua Martiniano de Carvalho, 573, Bela Vista, São Paulo (SP); Unidade II: Rua Cardeal Arcoverde, 563, Pinheiros, São Paulo (SP).
Cursos: Direito e Economia.
Site: faculdadebelavista.edu.br

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Faculdade Mar Atlântico
Onde: Rio de Janeiro: Avenida das Américas, 3434 - Barra da Tijuca; Fortaleza: Rua Monsenhor Bruno, 1153 – 50º andar – Aldeota.
Cursos: Filosofia e Gestão Pública.
Site: faculdademaratlantico.com.br

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Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais)
Cursos oferecidos: Administração, Arquitetura e Urbanismo, Ciência de Dados e Inteligência Artificial, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas, Comunicação Social - Publicidade e Propaganda, Direito, Engenharia Civil, Engenharia da Computação, Engenharia da Produção, Engenharia de Software, Engenharia Mecânica, Full Stack Development, Relações Internacionais.
Endereços:
Ibmec RJ Centro - Avenida Presidente Wilson, 118
Ibmec RJ Barra - Avenida Armando Lombardi, 940
Ibmec Brasília - SIG - Quadra 4 - Edifício Capital Financial Center, St. Sudoeste Bl. A
Ibmec Paulista - Alameda Santos, 2356 - Cerqueira César
Ibmec Faria Lima - R. Sumidouro, 89 - Pinheiros
Ibmec Belo Horizonte - R. Rio Grande do Norte, 300 - Funcionários
Site: ibmec.br

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