Com proposta orçamentária anual de R$ 18 milhões, o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) divulgou este mês seu plano de ação para 2024 com projetos que incluem o enfrentamento ao conservadorismo, a luta pela legalização do aborto e o apoio à diversidade de gênero.
O objetivo, segundo o documento, é o “engajamento nas lutas anticapitalista, antirracista, anti-lgbtqia+fóbica, anticapacitista e feminista”. Portanto, não são encontradas pautas que incentivem a capacitação da população para o mercado de trabalho, empreendedorismo ou apoio à família, por exemplo.
No entanto, o que existe entre as propostas do Conselho – que é a autarquia federal responsável por direcionar o trabalho de 210 mil assistentes sociais de todo o Brasil – é uma campanha de gestão para “enfrentar o conservadorismo", ou seja, lutar contra o pensamento político que defende a manutenção de instituições sociais tradicionais como família e a religião.
O texto também cita o combate ao fascismo – termo que tem sido utilizado para rotular indivíduos radicais, independentemente de sua orientação política, de direita ou esquerda – e propõe "divulgar os retratos da resistência cotidiana do Serviço Social na luta pela radicalidade democrática”.
Para esse trabalho, o plano anual prevê reuniões com especialistas, elaboração de site para divulgação da campanha e produção de peças gráficas, vídeos, selos e outros materiais digitais e impressos, que devem ser lançados em setembro de 2024. O valor direcionado ao projeto é R$ 260 mil.
Além da proposta de combater o conservadorismo, outra ação apresentada no plano 2024 do CFESS é o “engajamento na luta pela descriminalização e legalização do aborto, sob argumento de que o tema é “questão de saúde pública e direito sexual e reprodutivo das mulheres”. As atividades dessa campanha englobam promoção e participação em debates com a categoria, articulação política, audiências públicas e produção de conteúdo.
O orçamento do Conselho para 2024 ainda apresenta diversos tópicos relacionados à diversidade sexual, como “ações de enfrentamento às violências LGBTQIA+fóbicas” e uma “imersão sobre identitarismo, feminismos e sexualidades” para “instrumentalizar as/os conselheiras/os para o Seminário Nacional sobre Feminismos e Diversidade Trans”. A meta do programa é alcançar 80% dos conselheiros do CFESS.
O plano prevê também seminário nacional para debater “a temática dos feminismos e diversidade trans na relação com o trabalho profissional de assistentes sociais”, e promete elaboração e impressão de novos exemplares da série “assistentes sociais no combate ao preconceito” a fim de “oferecer subsídios sobre o enfrentamento à LGTBTQIA+Fobia”. Essa série de publicações é citada no site da instituição como forma de lutar contra a discriminação “em tempos de fortalecimento do conservadorismo”.
Segundo o documento da autarquia pública, a elaboração desse plano de ação é a “materialização do compromisso ético-político do CFESS com a gestão democrática, coletiva e transparente”, e as ações apresentadas são “fruto dos debates que ocorrem nas assembleias dos CRESS [Conselhos Regionais de Serviço Social]”.
Conselho diz que enfrentamento ao conservadorismo é resultado de "debates democráticos"
Em nota enviada à Gazeta do Povo, o CFESS afirma que as atividades do Plano de Ação 2024 estão vinculadas a "propostas amplamente debatidas e aprovadas no 50º Encontro Nacional CFESS-CRESS, realizado em Brasília (DF), com a representação de profissionais de todos os estados brasileiros".
Além disso, aponta que o debate sobre o conservadorismo remete à renovação do Serviço Social brasileiro, na década de 1980, quando a profissão passou a analisar a sociedade, "compreendendo violações de direitos e desigualdades nela existentes".
Ainda segundo o órgão federal, "a motivação do enfrentamento ao conservadorismo vem desse legado e apresenta-se como resultado de debates democráticos" da categoria, que veria a liberdade, a emancipação e a justiça social como "não compatíveis com essa vertente do pensamento", informa a nota.
CFESS fala sobre "abortamento legal"
Questionado a respeito da luta da entidade pela legalização do aborto, o CFESS alega que "o aborto legal é um direito reconhecido pela Constituição Federal Brasileira, que permite a realização do procedimento em caso de estupro e risco de morte à pessoa gestante, bem como em caso de anencefalia fetal, autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF)".
O órgão federal informa ainda que "defende o aumento do acesso de mulheres e homens a métodos contraceptivos, como também a assistência para uma gravidez saudável; o cumprimento da legislação acerca da prática do abortamento permitido por lei; e o atendimento humanizado e qualificado de forma teórica e técnica por parte de assistentes sociais às pessoas que buscam os serviços de abortamento legal".
No entanto, vale ressaltar que a legislação brasileira criminaliza o aborto, permitindo apenas sua realização em exceções como estupro ou risco à vida da mãe. Para esses casos, a lei não define um prazo gestacional máximo para o procedimento, e abortistas têm incentivado a ação em qualquer momento da gravidez, até mesmo quando o bebê tem mais de seis meses e já é viável fora do útero, ou seja, poderia nascer e ser encaminhado para a adoção se não existir risco para a vida da mãe.
Atuação do Conselho "não compreende atividades políticas ou político ideológicas", diz jurista
Além disso, de acordo com o doutor em direito Adilson Dallari, que é professor titular de Direito Administrativo e membro do conselho científico da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP), as ações citadas no Plano do Conselho Federal de Serviço Social não fazem parte das atribuições da instituição.
Segundo ele, a Lei 8.662, de 7/6/93 apresenta as funções da pessoa física que atua como assistente social (Artigo 4º) e cita a competência do órgão público CFESS no Artigo 8º, "que não compreende atividades políticas ou político-ideológicas", pontua, ao afirmar que "o CFESS está desbordando de suas atribuições legais ao promover a defesa do aborto (contra a legislação vigente), e ao promover a luta 'contra o conservadorismo e o fascismo, pela radicalidade democrática', que são objetivos claramente político ideológicos, não politico administrativos".
Diante da situação, o jurista esclarece que assistentes sociais e o Ministério Público (MP) podem denunciar desvio de finalidade, solicitando o retorno às atribuições legalmente instituídas ao Conselho, "que não comportam atuação ideológica, política ou partidária". As denúncias podem ser realizadas através de requerimento por escrito encaminhado diretamente ao CFESS.
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