Um projeto de lei destinado a facilitar o atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica pode acabar tendo o efeito inverso. Originalmente, o PL 3.244/2020 modifica a Lei Maria da Penha para permitir que as vítimas de violência doméstica deem entrada em procedimentos como pedido de separação, divórcio, pensão alimentícia e guarda dos filhos já na Vara de Violência Doméstica, em vez de precisar procurar uma Vara de Família. Mas representantes de advogados e de juízes que atuam nesta área afirmam que a proposta, se não for modificada, cria uma obrigação em vez de uma opção: a vítima terá necessariamente de fazer todos os procedimentos na Vara de Violência Doméstica, o que acabará sobrecarregando os juízes que têm originalmente a missão de proteger as mulheres.
A proposta foi aprovada pelo Senado em 31 de março, e agora tramita na Câmara dos Deputados. Da forma como foi aprovado pelos senadores, o texto implica que, quando uma mulher for procurar a Vara de Violência Doméstica e, além de prestar queixa, quiser pedir a separação ou o divórcio, ela deve fazer a solicitação diante do mesmo juiz, que então ficará responsável pelo caso - a não ser que o caso de violência tenha ocorrido “em localidade diversa”. Ou seja: a única exceção é se a vítima tiver sido agredida fora da região onde mora. Esses casos, entretanto, são raros. Na prática, a grande maioria das mulheres agredidas precisará dar entrada nos pedidos de separação na Vara de Violência Doméstica, não mais na Vara de Família.
O maior problema é que a medida criará uma sobrecarga e tende a aumentar a lentidão do funcionamento das Varas de Violência Doméstica - responsáveis, dentre outras atribuições, por conceder medidas protetivas a mulheres ameaçadas.
De acordo com a Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), a cidade de São Paulo tem 53 varas da família e somente oito juizados da violência doméstica. Na comarca de Fortaleza, são 18 varas de família e uma unidade de juizado de violência doméstica. “E isto se repete em muitas outras comarcas do nosso país”, afirma Regina Beatriz, presidente da ADFAS. Como consequência, ela prevê uma lentidão maior na tramitação dos processos e, mais importante, na concessão de medidas protetivas. “Os juízes do juizado da violência doméstica não terão tempo para poder conceder as medidas protetivas como bem concedem e o fazem com muita agilidade, via de regra, para evitar um dano maior à mulher. Ficarão abarrotados de matérias que são típicas das varas de família”, afirma Regina Beatriz.
De acordo com ela, o texto aprovado pelo Congresso precisa ser modificado. “É um contrassenso esse projeto de lei. É irresponsável. A intenção pode ser boa mas o resultado vai ser péssimo. Isso vai prejudicar o combate à violência doméstica e vai tirar a eficiência também dos casos da vara de família”, salienta a presidente da ADFAS.
Além dela, a presidente do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (FONAVID), Bárbara Lívio, reforça que o projeto precisa ser modificado. “Se o texto não for ajustado, a prevenção e o enfrentamento à violência doméstica ficarão seriamente prejudicados tanto devido à sobrecarga dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar quanto à inexistência de equipamentos estatais suficientes que viabilizem a assistência judiciária a mulher em situação de violência”, ressalta.
Representantes da ADFAS e do FONAVID elaboraram uma nota técnica conjunta que será apresentada à Comissão de Seguridade, o primeiro colegiado a apreciar o PL na Câmara dos Deputados. O documento alerta para as consequências prejudiciais de se concentrarem diferentes tipos de ações nas Varas de Violência Familiar. Além disso, as duas entidades afirmam que a proposta é inconstitucional, já que a organização dos Tribunais de Justiça é de competência de cada unidade da federação.
O projeto de lei foi aprovado pelo Senado no fim de março, e aguarda um parecer da relatora Soraya Manato (PSL-ES) na Comissão de Seguridade da Câmara dos Deputados. A proposta foi apresentada pela senadora Zenaide Maia (PROS-RN), e ganhou prioridade na tramitação por causa do aumento no número de casos de violência doméstica em meio à pandemia.
Na sessão em que o Senado aprovou o texto, a autora da proposta comemorou o resultado como um passo rumo à celeridade no atendimento às vítimas de violência doméstica. “A gente está dando opção à mulher de que ela continue no Juizado da Violência Doméstica, ao invés de ir a outra vara, a da Família. Isso, às vezes, leva um, dois, três anos, e a experiência mostra que, nessa peregrinação, muitas são assassinadas”, destacou a senadora.
A presidente do FONAVID não questiona a motivação dos senadores ao aprovar o projeto. O que conta, diz ela, são as consequências. “Não foi nada intencional. Muitas vezes, o que funciona na teoria não funciona na prática”, opina Bárbara Lívio.
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