O Senado recebe nesta quarta-feira (17) o relatório final da comissão de juristas que propõe um novo Código Civil. A comissão foi convocada por Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente da Casa. As propostas, se aprovadas, têm o potencial de remodelar costumes sociais e criar insegurança jurídica ainda maior no país.
Os principais responsáveis pela elaboração do relatório têm criticado o uso do termo "novo" para qualificar o documento, alegando que se trata de mera atualização. As mudanças são, contudo, extensas (o documento do relatório tem 311 páginas) e substanciais.
Uma enorme parcela do atual Código Civil, aprovado em 2002, seria sepultada pela proposta, e os autores decidiram promover uma revolução em campos como família e casamento. Além disso, incluíram novas seções, como uma inteiramente dedicada aos direitos dos animais e um livro específico sobre Direito Digital, que não existia.
Parte das ameaças sociais abordadas recentemente pela Gazeta do Povo foi mantida pelos juristas, mas houve alguns recuos. Algumas expressões genéricas passíveis de interpretação flexível pelo Judiciário ainda constam na versão definitiva do relatório, o que pode reforçar a insegurança jurídica.
A própria necessidade de mudança do Código Civil é questionada de forma veemente por parte da classe jurídica avessa ao progressismo radical que dominou as discussões da comissão de juristas. Caso o Senado atenda ao desejo de Pacheco de aprovar rapidamente o documento, o Brasil seria o primeiro país do mundo a ter dois novos códigos civis no século 21. Tradicionalmente, nas democracias, criar um novo Código Civil é medida rara.
O Código Civil brasileiro de 2002, por exemplo, foi o resultado de um processo extenso e meticuloso de revisão que durou décadas, substituindo o documento de 1916. Na Alemanha e na França, reformas recentes de menor envergadura que a que deve tramitar no Senado brasileiro foram debatidas por mais de dez anos. Há vários países em que o Código Civil em vigor ainda é do século 19 – é o caso, por exemplo, de nações sul-americanas como Colômbia (onde o documento em vigor é de 1873), Equador (1858) e Chile (1855).
Entre os recuos está a exclusão do artigo que reconhecia a "autonomia progressiva da criança e do adolescente". A comissão de juristas também mudou a proposta para o artigo 1.511-A, inciso 1º, que poderia abrir espaço para uma interpretação de que o feto não é vida humana. Antes, o texto dizia:
A potencialidade de vida humana pré-uterina ou uterina é expressão de dignidade humana e de paternidade e de maternidade responsáveis.
Agora, o texto afirma (novidades em destaque):
A potencialidade da vida humana pré-uterina e a vida humana pré-uterina e uterina são expressões da dignidade humana e de paternidade e maternidade responsáveis.
Quanto às propostas que elevam o status jurídico dos animais, algumas delas foram preservadas. Por exemplo, foi mantido parcialmente o artigo 19, segundo o qual "a afetividade humana também se manifesta por expressões de cuidado e de proteção aos animais que compõem o entorno sociofamiliar da pessoa". Em um contexto histórico em que é cada vez maior a preponderância da afetividade como critério para julgar e legislar sobre a legitimidade das relações, o caráter vago das expressões aplicadas nesse dispositivo pode representar uma porta aberta para decisões judiciais que aproximem animais e humanos do ponto de vista do status jurídico.
Por outro lado, a comissão de juristas removeu referências à ideia de que disso poderia "derivar a legitimidade para a tutela correspondente desses interesses e pretensão reparatória de danos".
O artigo 1.582-A, que introduz a possibilidade de divórcio unilateral pelo cartório sem controle prévio do Poder Judiciário, foi mantido. A inovação permitiria a uma das partes dissolver o casamento sem o consentimento e até mesmo sem a presença da outra – o que tornaria a dissolução do casamento mais fácil até mesmo do que, por exemplo, a ruptura de certos contratos de locação de imóvel comercial.
A comissão de juristas também decidiu manter um polêmico dispositivo que poderia abrir espaço para normalização da barriga de aluguel. No artigo 1.629-L, "a cessão temporária de útero é permitida para casos em que a gestação não seja possível em razão de causa natural ou em casos de contraindicação médica".
Desde quando instaurou uma comissão de juristas para criar um relatório do novo Código Civil, Pacheco deixou claro que era favorável a uma reforma no conceito de família na legislação brasileira. "Evidentemente que há uma série de coisas que precisam ser revistas, inclusive também as relações familiares, o conceito de família atualmente, inclusive em função de decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal, que impõem, de fato, uma reflexão sobre essa atualização", afirmou o senador no momento da criação da comissão, em agosto de 2023.
Por seu caráter controverso, o relatório que começa a tramitar no Congresso nesta quarta não deverá ter aprovação fácil. O forte engajamento do presidente do Senado na pauta, contudo, pode favorecer um cenário pró-novo Código Civil.
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