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Os riscos à saúde das mulheres em procedimentos de aborto estão sendo ignorados pelo PSOL em suas recentes investidas na Justiça. Na tentativa de banalizar a prática, como no pedido de que enfermeiros e parteiras realizem o procedimento, o partido pressiona o Judiciário a fragilizar o cuidado das mulheres, o que aumenta a sua vulnerabilidade física e psicológica.
Duas ações foram apresentadas recentemente pelo partido ao Supremo Tribunal Federal (STF), em parceria com o Instituto Anis, entidade que costuma subsidiar juridicamente o PSOL. Além do pedido de que a indução do aborto em gestação com até 12 semanas seja realizada por outros profissionais de saúde que não sejam médicos, o partido também quer dificultar o acesso de gestantes ao pré-natal em São Paulo. Para isso, ingressou uma solicitação contra o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), dentro de outra ação no STF sobre o aborto, visando impedir o encaminhamento de gestantes vítimas de estupro com mais de 22 semanas para acompanhamento médico devido.
A médica obstetra Elizabeth Kipman alerta que o pré-natal é importante para ver qual é a situação da gestação da mulher e que o aborto traz riscos que, na maioria das vezes, não conseguem ser dimensionados previamente. “Todo o aborto, mesmo quando forçado ou no primeiro trimestre, traz risco que não se consegue avaliar completamente. Há um risco biológico, mas há riscos psicológicos também. Então, há um trauma de forças [lesões físicas causadas por força externa], inclusive, afetivas e inconscientes”, explica.
Riscos físicos e psicológicos nas mulheres não são relatados em ações do PSOL
Quando se trata dos riscos físicos da interrupção da gestação até as 12 semanas, as complicações podem ser graves, incluindo hemorragia ou infecções. Segundo Kipman, no entanto, os aspectos psicológicos tendem a ser ainda mais difíceis de mensurar, e a enfermagem, geralmente, não tem preparo para lidar com questões como essas. “Prioriza-se um aspecto ético utilitarista, em que o desejo imediato de se livrar da gravidez se torna o foco e se esquece a pessoa integral”, alerta.
À medida que a gestação avança, os riscos se tornam ainda mais críticos. Hemorragias intensas, perfuração uterina, infeções graves ou complicações no trabalho de parto do bebê morto, nos casos de assistolia fetal (método para matar bebês acima de 5 meses no útero da mãe). Consequentemente, o risco de óbito materno também aumenta significativamente. Apesar desse cenário, o PSOL solicitou que o STF impeça o Centro de Assistência Integral à Saúde da Mulher, vinculado à Universidade Estadual de Campinas, de encaminhar pacientes, vítimas de estupro, ao pré-natal após a 22ª semana – início do sexto mês.
Raphael Câmara, médico obstetra e conselheiro federal de Medicina, analisa que o objetivo por trás da ação é constranger e intimidar médicos que orientem as gestantes sobre a possibilidade de manter a gravidez. “Ao começar o pré-natal, muitas vezes, as mães se questionam se o aborto seria a melhor solução. Muitas dessas mulheres acabam optando por manter a gravidez. Os abortistas querem intimidar os médicos para que nem conversem com a mulher sobre manter a gestação, o que seria o mais lógico para evitar a morte de um bebê viável”, afirma.
Especialistas alertam para a banalização do aborto e impactos culturais
Diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) são citadas no pedido do PSOL para justificar a realização de aborto por enfermeiros e parteiras. Segundo a OMS, a indução do aborto pode ser autoadministrada pela própria mulher até a 12ª semana de gestação. Já entre 12 e 14 semanas o procedimento poderia ser realizado por outros profissionais da saúde, como agentes comunitários de saúde, farmacêuticos, técnicos em enfermagem.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) se manifestou, através de nota, contra o pedido do PSOL. O conselho reafirmou que o médico é “o profissional indicado como responsável para realizar o procedimento em todas as situações previstas no ordenamento jurídico brasileiro justamente por ter a formação técnica adequada para tanto, estando apto a dar a devida assistência nos casos de complicações".
Câmara explica que, na prática médica, quem realiza um procedimento deve estar apto a corrigir possíveis complicações. “Por isso, o ordenamento jurídico brasileiro não autoriza que o enfermeiro induza o aborto por medicação.” A restrição segue o Código Penal que tipifica o aborto como crime, apenas retirando a punição nos casos de estupro ou risco de morte materna (art. 128). A norma determina ainda que o procedimento só pode ser realizado por um médico.
Kipman alerta para um risco ainda maior: a banalização do aborto. “Um dos pontos mais relevantes dessa tentativa de liberar o acesso ao aborto por não profissionais – que é o passo seguinte, já que por profissionais também é grave – é a banalização, como uma ferida na cultura, é dizer não, não tem problema, isso é simples”, enfatiza a médica. Ela também aponta que a flexibilização do direito à vida em países da Europa influenciou mentalidade e a cultura antivida. “Uma criança fruto de um estupro não é um monstro, é uma pessoa. E cada pessoa que nasce é insubstituível, é irrepetível, e a morte dela é uma perda para a humanidade”, conclui.