Pouco mais de uma semana foi suficiente para que a ocupação de um terreno particular de 170 mil metros quadrados localizado na Rua João Dembinski, no bairro da Fazendinha, em Curitiba, ganhasse pelo menos mais 900 famílias. Não foi só isso: a área ganhou também ligações irregulares de energia elétrica, pequenas casas de madeira e até um escritório de advocacia.
Iniciado no último dia 6, com cerca de 600 famílias, o acampamento já tem aproximadamente 1,5 mil famílias, ou cerca de 6 mil pessoas, segundo os próprios moradores recém-chegados. Apesar da aparente organização, da abertura de ruas, da demarcação de lotes e do surgimento de estabelecimentos comerciais improvisados como um bar e um cachorro-quente os ocupantes dizem não contar com a coordenação de nenhum movimento. "Fazemos reuniões todas as noites para saber o que está acontecendo e estamos bem unidos, mas não temos um líder. Cada família veio por conta própria", afirma o mecânico Marcos César da Silva, que chegou ao acampamento no dia 8, depois de abandonar uma casa alugada no Sítio Cercado. O discurso é igual ao do pedreiro desempregado Cléverson Gomes, de 27 anos, que diz ter aderido ao movimento para fugir do aluguel que pagava por uma casa na região. "Passaram na frente de casa dizendo que ia ter invasão e vim ver. Não tenho como pagar R$ 350 de aluguel, mais água e luz", disse.
A ocupação tem características semelhantes a outras ocorridas na cidade no ano passado. No carnaval de 2007, um grupo entrou em três áreas no bairro Santa Quitéria; em março, nova invasão a um terreno no Campo Comprido, perto do Instituto Pequeno Cotolengo. A primeira semelhança é a ausência de líderes ou coordenadores, discurso que está na ponta da língua dos ocupantes. Todos também garantem que querem comprar um lote e pagar uma mensalidade de no máximo R$ 100.
O crescimento se dá da mesma forma: carros e caminhões chegam durante todo o dia, levando materiais de construção, e os lotes são divididos de maneira igual, geralmente com 10 por 20 metros. Além disso, os invasores sempre contam com assistência jurídica. Outra característica comum em relação a essas ocupações: elas não têm o aval dos movimentos sociais tradicionais de luta pela moradia.
A reportagem entrou ontem em contato com representantes de quatro organizações não-governamentais que atuam na área da moradia: Central de Movimentos Populares, União Nacional de Luta pela Moradia, Terra de Direitos e Movimento Nacional de Luta pela Moradia. Todos negaram envolvimento com as ocupações que vêm sendo registradas na capital desde o ano passado. Além disso, afirmaram que haveria interesses eleitorais e especulação imobiliária por trás das invasões.
Maria da Graça Silva de Souza, coordenadora da União Nacional por Moradia Popular no Paraná, diz que, desde 2003, o objetivo dos movimentos tem sido regularizar áreas ocupadas no passado. A ocupação, segundo ela, tem sido um instrumento menos utilizado. "Fazemos um projeto e vamos para a negociação. Quando não conseguimos, vamos para a ocupação. Mas não uma ocupação que vai gerar narcotráfico e especulação. É isso que está acontecendo", afirmou.
"O que está acontecendo é uma invasão para especular. Tem muita placa de candidato dentro dessa invasão. Para nós, está muito claro que tem alguém por trás disso." Segundo vizinhos das invasões no Santa Quitéria, por exemplo, muitos ocupantes já venderam seus lotes, por valores que variam de R$ 750 a R$ 1.000.
Para Vinícius Gessolo de Oliveira, advogado da Terra de Direitos, o problema é gerado pela falta de política pública de habitação e por interesses do mercado imobiliário. "É uma conseqüência de um modelo excludente. Os mecanismos tradicionais de especulação são mantidos, com a manutenção de vazios urbanos em áreas bem localizadas e com infra-estrutura, enquanto milhares de pessoas são levadas para os extremos de Curitiba, muitas vezes em regiões insalubres."