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transparência

Descobrir agenda de autoridades é tarefa para detetive

No governo federal, publicação é obrigatória, mas falta detalhamento ou dificuldade para acessar informações. Ação civil pública tenta ampliar transparência nos compromissos para todas as esferas de governo e todos os poderes

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A viagem mais recente que o presidente interino Michel Temer fez foi em 28 de junho, com destino ao Paraná. Na véspera, a agenda dele estava detalhada no site da Presidência da República. Às 10h estava agendado o embarque para Telêmaco Borba (PR), na Base Aérea de Brasília; às 11h55, previsão de chegada à cidade, no aeroporto Monte Alegre; às 12h, inauguração da nova fábrica de celulose da Klabin, em Ortigueira (PR). Os dados ainda constam lá, assim como todos os compromissos agendados pela presidente afastada Dilma Rousseff, desde a posse, em 1.º de janeiro de 2011.

Esse detalhamento é exclusivo do governo federal. Por falta de vontade política e determinação legal, governadores como Beto Richa, do Paraná, e prefeitos, como Gustavo Fruet, de Curitiba, não mantêm registro públicos das audiências e eventos dos quais participam. Richa esteve em Telêmaco Borba, por exemplo, mas não há como localizar isso facilmente pela agenda.

PRÁTICA ANTIGA: Sem agenda pública, uso de aeronaves particulares é recorrente

Há exceções. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito da capital paulista, Fernando Haddad, prestam essas informações nos sites dos respectivos governos.

Não existe ainda uma norma nacional obrigando o Executivo estadual ou municipal a publicar esse tipo de dado. O Ministério Público Federal (MPF) está tentando mudar isso. Em março de 2015, o procurador do MPF no Ceará Oscar Costa Filho, ingressou com uma ação civil pública para garantir a publicidade das agendas de compromissos oficiais de agentes públicos do Poder Executivo, em todo o país. Ele pede ainda que os efeitos da lei sejam estendidos ao Poder Judiciário, ao Poder Legislativo e ao Ministério Público da União.

A ação civil pública corre na 1ª Vara da Justiça Federal do Ceará, e está conclusa para julgamento, mas sem previsão de prazo. “Ela se mostra cada vez mais necessária. A luta pela transparência é muito grande, ainda há pessoas que consideram de direito fazer encontros clandestinos com autoridades”, afirma Costa Filho.

Segundo o procurador, a Lei nº 12.813/2013, que trata de conflito de interesses e exige a publicação de agenda de ministros, presidentes de autarquias, empresas e fundações públicas, precisa ser estendida a outros poderes e a todos os níveis de governo. Costa Filho ainda defende um rigor maior para a aplicação da lei. “Não adianta só colocar com quem se encontrou. A pessoa pública precisa prestar contas das pessoas que recebeu, o objeto da reunião e o resultado”, afirma.

A transparência ajuda inclusive a proteger o agente público, diz Costa Filho. No dia 26 de junho, domingo, dia sem compromissos oficiais na agenda, Temer recebeu no Palácio do Jaburu o presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. O PSol protocolou um pedido de informações ao governo federal, questionando o ocorrido. “Está se especulando todo o tipo de assunto. Dilma até brincou que provavelmente não foi sobre futebol que os dois conversaram”, observa o procurador.

Brecha legal

Apesar da publicação da agenda, o governo federal não torna transparente os detalhes de audiências privadas. Isso está previsto no Decreto nº 4.334/2002, mas não é cumprido. Mesmo com a Lei de Acesso à Informação, de 2011 regulamentada somente em 2012, há brechas para não oferecer informações. Em 2013, um cidadão pediu detalhamento da agenda da presidente Dilma Rousseff. Depois de ter o pedido negado, recorreu à Controladoria-Geral da União (CGU), que negou novamente. O argumento usado foi o Artigo nº 13 da Lei de Acesso, que diz que pedidos “genéricos”, “desproporcionais” ou que “exijam trabalhos adicionais de análise” não precisam ser fornecidos.

Sem agenda pública, uso de aeronaves particulares é recorrente

No dia a dia, a falta de informação sobre compromissos de autoridades passa despercebida. Apenas quando surge uma denúncia ou acidente é que surgem questionamentos. Em abril de 2014, a Folha de S. Paulo revelou que o então vice-presidente da Câmara, André Vargas, viajou com a família em uma aeronave emprestada pelo doleiro Alberto Yousseff, preso no mês anterior pela Operação Lava Jato. Essa foi uma das acusações que pesaram na cassação do mandato do parlamentar, em dezembro daquele ano.

A prática, porém, é recorrente e antiga. Em maio de 2011, o governador Beto Richa estava em um helicóptero que fez um pouso forçado em São Paulo. A aeronave pertencia a um empresário de Cornélio Procópio, que a emprestou para Richa comparecer a uma reunião no banco de investimentos BTG-Pactual, a qual não havia sido divulgada pela assessoria de imprensa.

Na mesma época, o então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, admitiu ter emprestado um helicóptero do empresário Eike Batista para comparecer a eventos oficiais e também particulares.

Em 16 de agosto de 2011, o então ministro da Agricultura, Wagner Rossi, confirmou que pegava carona em um jato de uma empresa com negócios regulados pelo ministério. No dia seguinte ele pediu demissão. O ex-ministro Paulo Bernardo foi investigado pela Comissão de Ética da Presidência pelo usar aviões de empresários, mas o caso foi arquivado. No caso dos governadores, não houve desdobramentos.

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