Incógnita
Conselheira da área econômica diz que Campos "não tem guru"
Eduardo Campos formou-se em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) aos 20 anos, laureado e como orador da turma. Socialista, adotou uma série de práticas de mercado na administração do estado. Perambulou entre o desenvolvimentismo estatal pregado por Lula e o pragmatismo das parcerias público-privadas.
"Eduardo não tem guru", diz a economista Tânia Bacelar. Doutora em Economia Pública, Planejamento e Espaço pela Universidade de Paris (Sorbonne), ela é apontada como uma das principais conselheiras do presidenciável, apesar de negar o rótulo.
Sobre o "pupilo", elogia a capacidade de visão das potencialidades regionais. "Ele sabe ver o que cada região do país tem a dar, o que é um ponto de vista diferente." A respeito de questões da macroeconomia, como política de juros, inflação, câmbio e autonomia do Banco Central, Tânia é mais comedida.
"O que ele pensa é uma grande incógnita", complementa o cientista político da UFPE Adriano Oliveira. "Só que é importante ressaltar que Eduardo é um político de extrema sagacidade. Ele vai a uma reunião com banqueiros e fala o que eles querem ouvir e depois conversa com sindicalistas e faz a mesma coisa."
Professor de Campos na UFPE, o economista Gustavo Maia Lopes diz que o governador "podia não ser o melhor aluno, mas estava entre os melhores." Para Lopes, a formação acadêmica contribuiu para uma visão "fiscalmente responsável".
Precatórios
O pior momento da trajetória de Campos ocorreu, no entanto, quando ele colocou os conhecimentos na prática, como secretário estadual da Fazenda (1995-1998). Na época, ele foi investigado pela emissão ilegal de R$ 480 milhões em títulos públicos do governo de Pernambuco. Em 2003, foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal.
Um banquinho vermelho e amarelo foi o motor de arranque da campanha de Eduardo Campos para governador de Pernambuco, em 2006. Sem recursos e espremido entre dois adversários apoiados pelas máquinas estadual e federal, ele percorria o estado fazendo pequenos comícios do alto da sua "Tribuna 40". Poucos apostavam que daria certo.
Veja vídeo sobre Eduardo Campos
O pessimismo era retrato de um período difícil para o grupo político de Campos. Após governar o estado pelo terceiro mandato (1995-1998), o avô dele, Miguel Arraes (PSB), perdeu a disputa pela reeleição. E não foi uma derrota qualquer, mas uma lavada histórica: Jarbas Vasconcellos (PMDB) resolveu a parada no primeiro turno, com 64% dos votos válidos, mais que o dobro dos 26% de Arraes.
Após duas gestões Jarbas, o vice dele, Mendonça Filho (PFL), era o candidato da situação à época. Do outro lado, Humberto Costa (PT) havia acabado de deixar o Ministério da Saúde para se candidatar. Ex-ministro de Ciência e Tecnologia, Campos era um plano B de Lula.
Dias antes do primeiro turno, no entanto, o escândalo dos sanguessugas virou a eleição de cabeça para baixo. Costa caiu e os votos petistas migraram para Campos, que chegou ao segundo turno. Mendonça Filho, que havia concentrado fogo no PT, não teve como evitar a virada.
Braço direito de Campos durante a campanha e ao longo dos primeiros seis anos de mandato, o atual prefeito de Recife, Geraldo Júlio (PSB), diz que a estratégia não era arriscada apenas no banquinho. "Nós já começamos diferente: fizemos um plano de governo de verdade, discutido com mais de 100 especialistas. No Brasil, os políticos fazem planos só por fazer, não chegam nem sequer a imprimir o material."
Auditor-fiscal do Tribunal de Contas de Pernambuco, Geraldo Júlio foi escalado em 2007 para a Secretaria de Estado de Planejamento e coordenou os dois xodós de Campos, o programa de gestão Todos por Pernambuco e o de redução da violência Pacto pela Vida. Com o apoio do Movimento Brasil Competitivo e inspirado em modelos de empresas como AmBev e Gerdau, o então secretário criou o que chama de "padrão de gestão", com a realização de diagnósticos e a distribuição de metas para todo o primeiro escalão (qualquer semelhança com o "choque" mineiro não é mera coincidência).
O objetivo mais audacioso, no entanto, concentrou-se no Pacto pela Vida a redução anual de 12% dos crimes violentos letais e intencionais (CLVIs). A meta não foi alcançada em todos os anos, mas a diminuição final foi significativa graças à integração de medidas de prevenção, ressocialização e policiamento, além de parcerias com instituições como Ministério Público e Poder Judiciário. De abril de 2007 a fevereiro de 2014 o índice de CLVIs a cada 100 mil habitantes baixou 40% de 56,1 para 33,7.
Presidente do PSB de Pernambuco, Sileno Guedes cita o programa e a conclusão de três grandes hospitais públicos como exemplo de "entrega de resultados", termo que é um dos mantras de Campos. "Aqui em Pernambuco há participação de outros partidos no governo, mas não é loteamento político, os nomes escolhidos precisam entregar os resultados esperados pela gestão", descreve, em uma tentativa de diferenciar o que ocorre no estado com a divisão dos ministérios do governo Dilma Rousseff.
O fato, porém, é que o governo do "padrão" inchou de 18 para 28 secretarias. Na disputa pela reeleição, em 2010, a chapa de Campos passou de quatro para 15 partidos, dos evangélicos do PRB aos comunistas do PCdoB. Como resultado, devolveu a Jarbas com juros a derrota sofrida pelo avô em 1998 venceu no primeiro turno com 83% dos votos válidos, contra 14% do peemedebista.
Ao longo dos dois mandatos, o crescimento da economia talvez tenha sido a principal vitrine de Campos. De 2007 para 2013, o Produto Interno Bruto de Pernambuco (PIB) cresceu, em média, 4,9% ao ano, contra 3,5% da soma dos estados. O bloco de investimentos públicos e privados acumulados entre 2007 e 2016 é estimado em R$ 105 bilhões, o que equivale ao PIB total do estado em 2011.
"Houve uma feliz coincidência, um movimento conjuntural da economia brasileira favorável ao Nordeste e a Pernambuco. A vantagem de Campos é que ele soube sintonizar o estado a esse momento", diz a economista Tânia Bacelar de Araújo, que foi secretária estadual de Fazenda na primeira gestão Arraes (1987-1990).
Segundo ela, o governador fez sua parte na atração de empresas, como a Fiat, para o polo industrial de Goiana (a 62 quilômetros de Recife), mas também na definição das prioridades orçamentárias do governo. No mês passado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou pesquisa que colocou Pernambuco como o terceiro estado que mais investiu em saúde em 2013, em comparação ao total das próprias empresas. Ao todo, 16,2% dos gastos totais do estado foram para a área o Paraná apareceu em 24º lugar, com 9%.
Apesar de responder apenas pelo 10.º PIB do país, Pernambuco também ficou em terceiro no total de recursos orçamentários destinados apenas para investimentos em 2012 R$ 2,293 bilhões. "Não somos nem 3% da economia do Brasil, mas é inegável que as coisas andaram por aqui nos últimos anos", resume Tânia.
"Nova política" não se reflete nas alianças
Ao atrair Marina Silva para o PSB no ano passado, Eduardo Campos automaticamente assumiu o discurso da "nova política", de poucas concessões aos caciques partidários tradicionais. Em Pernambuco, contudo, os aliados do ex-governador formam um balaio de gatos de Severino Cavalcanti (PP) a Inocêncio Oliveira (PR). Até o maior rival, Jarbas Vasconcellos (PMDB), aderiu oficialmente ao grupo do presidenciável em 2014.
Ex-presidente da Câmara dos Deputados, Severino renunciou para evitar a cassação em 2005. Ele estava envolvido no escândalo conhecido como "mensalinho", em que foi acusado de receber propina de R$ 10 mil mensais de um empresário que explorava restaurantes na Casa. Também ex-presidente da Câmara, Inocêncio é deputado desde 1975, fez carreira na Arena e chegou a ser condenado por ter trabalhadores em regime análogo à escravidão em suas fazendas.
"Se ele está propondo ao Brasil algo diferente, então não é o que a gente tem aqui em Pernambuco", diz o deputado estadual Daniel Coelho (PSDB), que desafiou o grupo do então governador na disputa pela prefeitura de Recife, em 2012, e ficou em segundo lugar. "É só observar o inchaço da máquina, a ampliação dos comissionados e das secretarias para ver que é algo bem similar ao produzido pelo governo federal." Em novembro do ano passado, após romper com o PT, ele extinguiu oito das 10 secretarias que criou ao longo da gestão.
Coelho era um dos quatro parlamentares (três do PSDB e um do DEM) que faziam oposição aberta a Campos na Assembleia Legislativa até o ano passado. Como Pernambuco tem 49 deputados estaduais, a bancada situacionista controlava 92% das cadeiras. A situação mudou de figura quando o PSB deixou de ser aliado do governo federal.
Agora, a oposição local é encabeçada por PT e PTB, partido do senador e candidato a governador Armando Monteiro. Já o PSDB, que ganhou cargos no governo, virou governista. A mudança de papéis ainda não foi completamente assimilada.
Líder do bloco de oposição, Sérgio Leite (PT) diz que está coletando informações, por meio de requerimentos oficiais, para amparar o discurso contra o governo que os petistas compuseram por sete anos. As linhas da estratégia, contudo, estão montadas mostrar que a gestão Campos só andou graças ao amparo do governo federal.
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