Rio de Janeiro - Faltam oito semanas. No sábado 1º de janeiro, Lula vai passar a Dilma Rousseff a faixa presidencial junto com uma conta bilionária a ser paga no primeiro ano do novo governo. A dimensão exata dessa fatura somente será conhecida em janeiro. Mas sabe-se, por exemplo, que, se o presidente decidisse não gastar mais um único centavo em novos projetos a partir desta segunda-feira - o que é absolutamente improvável -, deixaria uma herança de R$ 50,7 bilhões em débitos a pagar no Orçamento de 2011, apenas por obras e serviços já encomendados (construção de habitações, barragens, postos de saúde, manutenção de estradas, etc).
Esse valor das contas federais penduradas até a semana passada já é maior que a soma dos investimentos em obras (R$ 43 bilhões) no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) previstos para o ano que vem. Representa o resultado de uma opção na execução do Orçamento público, feita por Lula em parceria com Dilma, que conduziu o PAC quando chefiava a Casa Civil.
É, principalmente, a moldura do retrato de um governo prisioneiro da expansão de uma grande máquina burocrática, que ele mesmo consolidou. Em tese, funcionaria assim: o presidente da República, com seus ministros, define as prioridades de obras e serviços que são executados nos prazos previstos.
No governo Lula, porém, a burocracia ficou mais complexa - e lenta. Entre a decisão presidencial de iniciar um projeto e o seu começo efetivo gasta-se em média 40 meses de tramitação administrativa. Ou seja, consomem-se três anos e um mês em procedimentos de rotina, informa um estudo recente feito pelo Banco Mundial. E isso equivale a dois terços do mandato presidencial.
Em 2007, o presidente tomou a decisão de transferir sucessivamente débitos de um ano para outro. O Congresso, na época, tentou impor limites ao acúmulo de contas pendentes no Orçamento. Mas Lula vetou. Apostou nessa manobra como um estratagema para driblar a burocracia federal. E tinha um motivo político relevante: temia que as obras previstas no PAC (vitrine da candidatura da então ministra Dilma Rousseff) não decolassem por indecisão nos escalões inferiores.
Criou-se assim uma bola de neve dentro do Orçamento público, e o valor da conta de "restos a pagar" disparou - aumentou 750% nos últimos sete anos. Os débitos pendentes nos itens "investimentos" (obras) e "outras despesas correntes" (contratações temporárias, material de consumo, pagamento de diárias, subvenções etc) somavam R$ 12 bilhões em 2003. Saltaram para R$ 102,2 bilhões em 2009.
Instituiu-se um Orçamento paralelo àquele que o Congresso autoriza anualmente. E revogou-se o princípio da anualidade orçamentária, pelo qual os gastos feitos em um exercício são pagos dentro do mesmo calendário fiscal.
- Agora, os gestores do governo se dedicam a fazer uma típica escolha de Sofia: ou pagam as pendências do exercício anterior ou executam o Orçamento do ano - observa Gil Castello Branco, economista-chefe da organização não governamental Contas Abertas.
A persistência nesse tipo de manobra contábil, para escapar das armadilhas de uma burocracia inflada, atesta o fracasso do governo diante de uma expansão da burocracia que ele mesmo estimulou nos últimos sete anos.
Perdeu-se o controle operacional da administração. Para cobrir buracos em uma rodovia, por exemplo, gasta-se em média 22 meses entre a decisão e a aprovação do projeto; mais 16 meses entre a contratação e o início efetivo do asfaltamento; e outros 90 dias para pagamento da execução de cada trecho, depois da medição do serviço executado.
No ano passado, sob pressão do calendário eleitoral, optou-se por tentar abrir um novo atalho, mesmo com custos adicionais aos cofres públicos: Lula resolveu dar prêmios em dinheiro a alguns servidores para incentivá-los a cumprir o cronograma de metas na área de transportes. Nasceu, assim, um novo tipo de remuneração no serviço público federal - o chamado "bônus especial de desempenho institucional".
O objetivo era mobilizar o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) na temporada pré-eleitoral. Isso porque, sem adesão da burocracia do Dnit, a parte mais visível da vitrine de obras da candidatura de Dilma Rousseff poderia ficar sob o risco de empacar. O presidente, então, autorizou a concessão de R$ 45 milhões em bônus a três mil funcionários do departamento, onde se concentraram 60% dos gastos do PAC nos primeiros nove meses deste ano.
"Restos a pagar", um mal necessário?
Pelo cumprimento de metas (63% acima do previsto, na média), os prêmios individuais variaram entre R$ 3 mil e R$ 29 mil. A ONG Contas Abertas descobriu que ficaram camuflados dentro do Orçamento federal sob a rubrica "premiação culturais, artísticas, científicas, desportivas e outras", embora exista um item específico para gratificações a servidores.
Durante a campanha eleitoral, quando confrontada com o sucessivo aumento das contas pendentes, Dilma argumentou que a conta de "restos a pagar" cresce mais porque o governo passou a investir mais que o anterior. Mas acabou admitindo o descontrole operacional da burocracia:
- É impossível você executar um orçamento de investimentos sem "restos a pagar", no Brasil de hoje.
Sinalizou sua crença na possibilidade de mudanças, sem se comprometer com iniciativas específicas:
- Acredito que, em algum momento, vamos ter uma forma de execução de investimentos (públicos) no país diferente do que nós temos hoje.
Até agora, o governo tem sido refém da própria estrutura administrativa caótica, procedimentos burocráticos viciados e legislação administrativa ultrapassada. Nada indica, por enquanto, que esse cenário vai mudar a partir de 1º de janeiro.
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