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Curso da polícia civil do Paraná para jornalistas que trabalham em coberturas de risco – aula no estande de tiro da escola de polícia civil delegado Luis fernando Artigas – tiros com pistola – escopeta – arma de choque Taser – pistola com descarga elétrica – Policiais do COPE fazendo demonstração de armas usadas nas operações especiais – granadas de efeito moral – gás de pimenta – gás lacrimogênio – lançadores de granadas – escopeta calibre 12 – algemas – abordagem de suspeitos –
Curso da polícia civil do Paraná para jornalistas que trabalham em coberturas de risco – aula no estande de tiro da escola de polícia civil delegado Luis fernando Artigas – tiros com pistola – escopeta – arma de choque Taser – pistola com descarga elétrica – Policiais do COPE fazendo demonstração de armas usadas nas operações especiais – granadas de efeito moral – gás de pimenta – gás lacrimogênio – lançadores de granadas – escopeta calibre 12 – algemas – abordagem de suspeitos –| Foto: Gazeta do Povo

Texto jurídico é chato, comprido, cheio de detalhes. Muitas leis aprovadas ou rejeitadas acabam virando uma guerra de narrativas entre políticos, mídia, partidos e partes interessadas simplesmente porque ninguém tem a paciência de ler aquilo e tentar entender quais os efeitos práticos por trás da linguagem rebuscada. Não é diferente com a Lei de Abuso de Autoridade.

O primeiro motivo da desconfiança geral é a paternidade: Renan Calheiros e Roberto Requião. O segundo é a forma sub-reptícia como foi aprovada, com um pedido de urgência que eliminou a necessidade de análises por comissões. Tudo ali tem cheiro de acordão.

O fato é que agora ela foi aprovada com a bênção do governo. O líder do partido do presidente assinou o pedido de urgência que possibilitou uma lambança. Em determinadas narrativas, a lambança é mérito apenas de Rodrigo Maia. Trata-se de uma obra feita a muitas mãos. Estamos para ver nascer político que gosta de ser investigado pela polícia e pelo Ministério Público.

Por outro lado, temos de reconhecer que há sim abuso de autoridade no Brasil e que ele deve ser coibido. E aqui não falo de réus da Lava Jato que choramingam pelos cantos enquanto são defendidos pelos advogados mais caros do país. Falo do cidadão comum, tratado sempre como cidadão de segunda classe pelos nobres engravatados que deveriam saber que são servidores públicos.

Há dois grupos de pressão já formados. Um defende que é necessário vetar a lei completamente porque amarra o MP e as polícias. O outro defende que é necessário conter abusos nesses órgãos. Quem está certo? Os dois.

No meio do caminho do debate tem um documento, a letra fria da lei aprovada. É ali que se manifestam todas as novas regras e a partir de onde se pode avaliar as consequências da implementação de cada uma delas. O Conselho Nacional dos Procuradores Gerais produziu um documento mostrando quais são exatamente os gargalos da lei, os pontos que prejudicam a aplicação da justiça no país.

Há um problema de fundo, que afeta todo o documento. A pobreza da técnica jurídica. Tipos penais têm de ser objetivos e claros e a lei criou figuras subjetivas.

É dever do legislativo o princípio da taxatividade, explica o CNPG no documento. Isso quer dizer deixar um tipo penal absolutamente claro para que a população entenda do que se trate e que as punições sejam adequadas: sem excessos e, por outro lado, evitando a deficiência na aplicação da lei. Exemplo: "sem justa causa fundamentada". Quem decide o que é "justa"? Deveria estar elencado na lei, mas fica a cargo de pessoas agora, no caso a caso.

Além disso, há uma questão de ordem prática. Os vetos do Executivo ao que é aprovado no Legislativo são só sobre um parágrafo inteiro ou inciso inteiro, não se pode vetar metade de uma frase e deixar a outra metade, por exemplo. Por isso, a boa técnica jurídica manda não aglutinar ideias num mesmo parágrafo ou inciso, uma vez que é necessário vetar várias para se atingir uma única. O projeto aglutina ideias, ações e princípios diferentes numa mesma sentença, ou seja, pode obrigar a jogar o bebê com a água do banho durante um processo de controle de constitucionalidade.

Há ainda um terceiro problema de fundo: o projeto quer reinventar a roda. Vários dos tipos penais que aparecem nele já estão no Código Penal, alguns inclusive com uma pena maior que a prevista agora. Como a lei retroage apenas em benefício do réu, alguns casos de abuso de autoridade passariam a ter punição menor, o que é contraditório para um projeto que se propõe a coibir esse tipo de prática.

Para opinar sobre o projeto, no entanto, é necessário entender o que objetivamente ele mudaria na nossa realidade e quais são as objeções feitas por integrantes das instituições que viraram namoradinhas do Brasil: Ministério Público e polícias. Vamos então à lista objetiva, na visão dos procuradores:

PONTO 1 - O tema já está no Código Penal

Art. 3º Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.

§ 1º Será admitida ação privada se a ação penal pública não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

§ 2º A ação privada subsidiária será exercida no prazo de 6 (seis) meses, contado da data em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia.

PONTO 2 - Tipo penal subjetivo: qual é a diferença objetiva entre uma "manifesta" desconformidade - que dá até 4 anos de cadeia - e uma desconformidade dessas normais?

Art. 9º Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais:

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

PONTO 3 - Tipo penal subjetivo: em última análise, um detento pode até se recusar a fornecer a própria impressão digital às autoridades e quem coletar fica sujeito a 4 anos de cadeia.

Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: (...)

III – produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro:

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.

PONTO 4 - A obrigatoriedade da identificação coloca em risco as famílias de agentes públicos, além de torná-los alvos mais fáceis de criminosos.

Art. 16. Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso por ocasião de sua captura ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

PONTO 5 - Inibe a atuação policial já que, mesmo com a Súmula 11 do STF, se decidiu que uso de algemas é avaliado no caso concreto - a regra não prevê como fazer, por exemplo, com chefes de facções criminosas.

Art. 17. Submeter o preso, internado ou apreendido ao uso de algemas ou de qualquer outro objeto que lhe restrinja o movimento dos membros, quando manifestamente não houver resistência à prisão, internação ou apreensão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso, internado ou apreendido, da autoridade ou de terceiro:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

PONTO 6 - Tipo penal subjetivo: o que é exatamente uma "justa causa fundamentada", condição para que não se prenda quem inicia uma ação penal? E se for só justa ou só fundamentada? Quem decide o que é justo?

Art. 30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente:

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

PONTO 7 - Reinventa o crime de prevaricação, já previsto no código penal, só que com um tipo penal subjetivo ao falar em "erro relevante". Quem decide o que é relevante? Qual a diferença entre um erro relevante, que dá 6 meses de cadeia se não corrigido, e um erro não corrigido normal?

Art. 34. Deixar de corrigir, de ofício ou mediante provocação, com competência para fazê-lo, erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento:

Pena – detenção, de 3 (três) a 6 (seis) meses, e multa.

PONTO 8 - Cria tensões desnecessárias entre advogados, juízes e MP - além disso, a decisão judicial em si pode acabar sendo vista como violação de prerrogativa e, assim, ser criminalizada.

Art. 43. A Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 7º-B: “

Art. 7º-B Constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II, III, IV e V do caput do art. 7º desta Lei:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.”

O projeto tem 45 artigos e há alguns contra os quais ninguém tem objeção. Um deles, aliás, aborda um problema bem recente: a autoridade que dá entrevista ou se manifesta em rede social atribuindo culpa a alguém antes de formalizar a acusação ou até sem nunca formalizar a acusação. Em tempos de polarização política, nossa cabeça imediatamente liga esse processo a crimes políticos, mas não entendo que seja este o maior problema. Vejo mais isso acontecer nos programas policiais que saciam nossa sede de mundo cão.

A questão é que não falamos de paixões, falamos de regras, causas e consequências. Em vez de gritar por um veto ou aprovação completa sem nem saber do que se trata, convido você a fazer algo que está fora de moda: ler o projeto inteiro e decidir, com base nos seus valores pessoais, com o que concorda ou não.

Dizem que filho feio não tem pai. Esse tem pai feio e não foi feito de uma forma muito poética. Antes de engolir e regurgitar verdades absolutas, lembremos que até da lama brotam lírios do campo.

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