[Nota prévia: este texto de Sachsida foi escrito em coautoria com Erik Figueiredo e Arilton Teixeira.]
“Outra vitória como essa e estaremos todos mortos.”
(Pirro)
O Congresso Nacional está trabalhando para aprovar a reforma tributária sobre o fundamento da simplificação do atual sistema. O desejo de simplificação é predominante na sociedade e, se bem desenhada, a reorganização do sistema tributário pode resultar num salto de produtividade para o Brasil. Porém, o desejo de simplificar justificaria aceitar tantas incertezas e tomar tantos riscos como estamos fazendo, iniciando um processo longo e complicado que, paradoxalmente, pode neutralizar o objetivo primário de simplificar?
Tendo em vista estas incertezas, fazemos algumas perguntas diretas: a reforma irá aumentar ou reduzir a carga tributária sobre a energia? A mensalidade escolar irá ficar mais cara? Os planos de saúde terão reajustes? Se sim, quanto? O agricultor vai pagar mais tributos? E as empresas que estão no lucro presumido?
Acreditamos ser importante que nossos congressistas conheçam as respostas a estas perguntas. Certamente existem vários benefícios resultantes da aprovação da reforma tributária. Mas cremos ser importante também debatermos os efeitos concretos da reforma. Por exemplo, a conta de luz afeta diretamente a vida de 210 milhões de brasileiros. Afeta também todas as empresas nacionais: uma energia mais cara afeta negativamente a produção no Brasil, aumentando o custo dos produtos, diminuindo o investimento e gerando desemprego. Energia barata é importante para o crescimento de um país (além disto, temos uma já elevada taxação da energia no Brasil para aqueles preocupados com os efeitos sobre o clima).
Passemos, agora, a nos concentrar nas empresas do SIMPLES Nacional. Vejamos alguns possíveis problemas. Como empresas do SIMPLES (que não deve acabar) vão recolher impostos devido o fim da substituição tributária (que deve acabar)? Por exemplo, hoje bares e restaurantes estão, em sua maioria, no SIMPLES. Não recolhem impostos sobre as cervejas pois estas seguem o regime de substituição tributária (ST). Mas, com o fim do ST estes estabelecimentos terão de recolher estes impostos?
A conta de luz afeta diretamente a vida de 210 milhões de brasileiros. Afeta também todas as empresas nacionais: uma energia mais cara afeta negativamente a produção no Brasil. Energia barata é importante para o crescimento de um país.
As mesmas dúvidas pairam sobre as empresas que estão no lucro presumido. Afinal, as empresas que estão no lucro presumido optaram por estar nesse regime. E esse é um regime realmente simples. As empresas que optam pelo regime de lucro presumido optam por esse regime apesar da cumulatividade. Isto é, estão nesse regime por escolha própria. O fim desse regime implica necessariamente mais complexidade, e talvez maior carga tributária, para essas empresas.
No estágio atual da reforma tributária, parece-nos justo que o governo federal se comprometa com uma alíquota máxima a ser cobrada. Não estamos dizendo que isso precisa estar na Constituição; estamos dizendo que o governo federal precisa dizer, com todas as letras, qual será a alíquota decorrente da reforma tributária em análise. Com todo o respeito, dizer que não dá para calcular não nos parece ser a melhor resposta. Hoje, analistas independentes e o próprio governo sinalizam que essa alíquota irá se situar entre 28% e 33%.
O que sabemos, com certeza, é que será o IVA mais caro do mundo. Isso ocorre pois, ao contrário da maior parte dos países do mundo, a tributação no Brasil é intensiva em consumo (e não na renda). Esse era um detalhe que os proponentes do IVA deveriam ter se atentado. Um IVA com uma alíquota tão alta irá gerar, inevitavelmente, grandes incentivos para evasão fiscal. Lembramos também que existem boas chances da alíquota final do IVA aumentar durante a tramitação das leis complementares, que operacionalizam essa reforma, devido à inclusão de novas exceções que poderão também ser feitas nas leis complementares. Isto é, teremos ainda um longo e tortuoso caminho a frente.
Mesmo que a reforma tributária seja neutra, do ponto de vista de arrecadação (isto é, mesmo que não aumente a carga tributária) ainda assim terá efeitos intersetoriais significativos. Alguns setores podem ter aumentos significativos em sua carga tributária (por exemplo, todo setor de serviços que tiver como insumo principal folha de pagamento irá ter um aumento significativo de carga tributária). E aqui, não adianta dizer que quem está no meio da cadeia não pagará o IVA, pois terá direito a crédito. Se isso é verdade, então mais fácil seria isentar todos que estão no meio da cadeia e cobrar apenas do consumidor final.
Os defensores da reforma tributária responderão a essa crítica dizendo que é necessário manter a cobrança do intermediário, para controlar o processo e evitar sonegação. Ou seja, a finalidade da cobrança no meio da cadeia produtiva não é arrecadatória, mas apenas para melhorar a fiscalização. Se isso é verdade, então é necessário procurar uma alternativa. Afinal, não faz sentido gerar tal custo de compliance para quem está no meio da cadeia apenas para facilitar a vida do arrecadador de impostos. Tenho certeza de que a Receita Federal e seu excelente corpo técnico conseguem pensar em alternativas menos custosas para a sociedade.
Fundamental ressaltar também que existe uma confusão entre contadores, advogados e economistas no que se refere aos efeitos da reforma tributária. Advogados e contadores podem argumentar sobre a neutralidade do IVA. Apesar de estarem corretos, do ponto de vista jurídico e contábil, isso não está correto sob a visão econômica.
O imposto seletivo poderá ser aplicado a combustíveis fósseis (“prejudiciais a saúde e ao meio ambiente”)? Isto é, a gasolina vai ficar ainda mais cara?
Do ponto de vista econômico o ônus tributário sempre recai sobre os agentes econômicos (oferta ou demanda) com menor sensibilidade (elasticidade) aos preços. Isto é, essa reforma terá efeitos negativos do ponto de vista econômico para os setores que tiverem sua alíquota tributária majorada. Afinal o ônus de pagar o imposto não é definido por lei, mas pela elasticidade das curvas de oferta e demanda (isto é, quem tem capacidade de repassar esse aumento de tributo irá repassar, e quem não tem tal capacidade terá que arcar com ele).
Em síntese, várias dúvidas pairam sobre essa reforma tributária. Deixamos aqui algumas perguntas (sem pretender exaurir todas as dúvidas): 1) Qual será o valor das alíquotas?; 2) Onde estão as leis complementares? Vocês conseguem imaginar o risco associado a tramitação dessas leis? Já imaginaram que diversos setores pressionarão para entrar no rol de setores de alíquota reduzida? Ou então para que novas exceções sejam criadas?; 3) Qual o custo fiscal dessa reforma para os próximos 10 anos (o dinheiro do contribuinte que será necessariamente transferido para estados e municípios)? Como esse custo fiscal impactará as variáveis macroeconômicas?; 4) Qual a contração estimada dos setores que irão se deparar com forte aumento de carga tributária (agronegócio? serviços?)?; 5) Qual a possibilidade de que nos próximos 10 anos (período de transição da reforma) surgirão novas leis para criar novas exceções ou para postergar o início da vigência da reforma?; 6) Qual a insegurança jurídica que marcará esse período de transição?; 7) Como será a nova jurisprudência nos tribunais?; 8) Como as leis complementares, que sequer foram apresentadas, irão impactar o contencioso tributário?; 9) Quais serão as novas alíquotas do ITCMD (incentivariam os investidores a retirarem seu patrimônio do Brasil)? 10) Essa reforma cria novos tributos sobre os quais não temos a menor noção de alíquota, abrangência e impacto. Por exemplo, o imposto seletivo poderá ser aplicado a combustíveis fósseis (“prejudiciais a saúde e ao meio ambiente”)? Isto é, a gasolina vai ficar ainda mais cara? E qual será a alíquota e abrangência do novo imposto criado pela reforma que permite estados e o Distrito Federal instituírem contribuição sobre produtos primários e semielaborados? Quais setores podem ser tributados por este imposto? Outro exemplo, é a CIDE criada para proteger a Zona Franca de Manaus que incide sobre a venda de qualquer bem que tenha similar produzido na Zona Franca de Manaus. Ou seja, criamos um imposto de importação aplicado a quem produz no próprio país?; 11) o que o IPTU está fazendo nessa reforma tributária? Isso é tema para figurar nessa complexa reforma? Estamos dando autorização para prefeitos aumentarem a arrecadação de IPTU sem necessidade de aprovação na Câmara de Vereadores. O povo concorda com isso?; 12) Faz sentido colocarmos tantas exceções setoriais diretamente na Constituição?; 13) Como fica a questão federativa? Estamos transferindo poder demais para um órgão burocrático com sede em Brasília, que cedo ou tarde será dominado pelo governo central.
O Brasil precisa melhorar seu sistema tributário, e o debate franco de ideias é o caminho natural para esse fim. De maneira honesta e respeitosa, registramos nossa discordância técnica em relação a essa reforma. Como está, a reforma gera muitas incertezas e sua aprovação poderá jogar nosso país num emaranhado de complicações jurídicas que sequer sonhamos. Notem que, até agora, não foram apresentados os textos com as leis complementares. Existem várias outras dúvidas do ponto de vista fiscal que precisam ser respondidas. Existem pelo menos 13 perguntas urgentes que precisam ser, ao menos, endereçadas antes de prosseguirmos e tomarmos uma decisão final.
Em síntese, reforçamos que não adianta dizer que a reforma tributária aprovada no Senado Federal é melhor do que o sistema tributário atual. Para justificar o prosseguimento da reforma tributária ela precisa levar em consideração os custos de transição para o novo regime. Isto é, a depender dos custos de transição então mesmo uma reforma tributária superior ao sistema atual será inviável. Do ponto de vista técnico a reforma tributária atual apresenta elevados custos de transição. Apresenta elevado grau de incertezas jurídicas e fiscais. São muitas incógnitas que pairam sobre essa reforma tributária. Dessa maneira, é nossa opinião de que tais custos e incertezas inviabilizam a continuidade da reforma tributária em seu formato atual. Sejamos honestos: é democrático aprovar uma reforma tributária sem saber sequer o que irá acontecer com a conta de luz dos brasileiros?
Erik Figueiredo é presidente do Instituto Mauro Borges e Arilton Teixeira é Ph.D em Economia pela University of Minnesota.
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