No começo deste ano, o caso Americanas surpreendeu boa parte do país. Escândalos contábeis à parte, o pedido de recuperação judicial de uma tradicional empresa brasileira chamou a atenção de toda a imprensa. Neste texto exploro a possibilidade de um problema muito mais sério para lojas de departamento, shopping centers e cinemas, qual seja: a tecnologia parece estar mudando o padrão de consumo dos bens fornecidos por essas empresas.
Um paralelo interessante pode ser traçado com o caso das livrarias tradicionais que seguem enfrentando dificuldades. Livrarias vendem, na sua maior parte, livros e revistas que podem ser adquiridos facilmente online. À medida que as compras online foram conquistando a confiança dos consumidores, as empresas foram disponibilizando plataformas para compras pela internet. Quanto mais homogêneo for um produto, isto é, quanto menos diversidade e peculiaridades ele apresentar, mais fácil será a compra online. O exemplo do livro é ilustrativo: “Memórias póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis é exatamente o mesmo livro em qualquer livraria, é o mesmo livro em qualquer loja, e o produto pode ser facilmente comprado, sem medo de erro, pela internet. Disso advém parte expressiva do problema atual enfrentado por livrarias tradicionais que mantêm lojas físicas.
Boa parte do problema que as livrarias tradicionais (com lojas físicas) estão enfrentando hoje deve-se ao fato de seu produto (livros e revistas) ser extremamente homogêneo. Assim, os mesmos podem ser adquiridos facilmente pela internet. Como livrarias virtuais apresentam custos inferiores a livrarias físicas, costuma ser vantajoso (em termos de preço, facilidade de encontrar o produto desejado e comodidade) fazer a compra online. Para piorar a situação das livrarias, com o passar do tempo, as pessoas recorrerão cada vez mais a meios digitais para lerem livros. Comprar um livro digital não somente é mais barato do que um livro físico como também dispensa completamente a ida a lojas físicas.
Acredito que os shoppings centers, as lojas de departamento e os cinemas têm muito o que aprender com o caso das livrarias. O mesmo fenômeno que afetou as livrarias irá inevitavelmente afetar aquelas empresas.
O mesmo processo que ocorreu com livrarias me parece estar ocorrendo agora com shoppings centers e lojas de departamento. A homogeneização dos produtos está tornando cada vez mais fácil comprar produtos online. Por exemplo, qual foi a última vez que você foi a uma loja física comprar uma televisão, um aparelho de ar-condicionado ou uma geladeira? Não somente a homogeneidade dos produtos tem contribuído para isso, mas avanços de segurança nas compras online, facilidade e popularização do uso de aplicativos, e maior acesso da população a meios digitais de pagamento (cartão de crédito, débito, PIX) ajudaram a consolidar as compras online. Desnecessário dizer que comprar pela internet apresenta ainda vantagens de preço, facilidade de se percorrer várias lojas ao mesmo tempo para escolher o produto mais adequado, e tudo feito dentro do conforto, comodidade e segurança do lar. Essas vantagens têm feito com que cada vez mais os consumidores prefiram comprar pela internet.
O caso dos cinemas é parecido. O avanço da tecnologia alterou o padrão de consumo nesse mercado. Hoje uma ampla rede de competidores disputa o cliente com os cinemas: Netflix, Amazon, Brasil Paralelo, entre outros são apenas alguns exemplos que competem com a tradicional ida ao cinema. Por que pagar R$ 40 para assistir um único filme no cinema se você pode assinar a Brasil Paralelo por R$ 19 por mês e assistir séries, documentários e filmes à vontade? Claro que o cinema ainda tem seu charme, não há dúvidas disso. Mas é inegável que essas novas tecnologias têm reduzido o público que frequenta os cinemas.
Acredito que os shoppings centers, as lojas de departamento e os cinemas têm muito o que aprender com o caso das livrarias. O mesmo fenômeno que afetou as livrarias irá inevitavelmente afetar aquelas empresas. Se reinventar enquanto é tempo me parece fundamental para essas empresas. Soluções existem, mas para isso é necessário pensar fora da caixa. É necessário trazer coisas novas, propiciar novas experiências, fornecer bens e serviços que não podem ser facilmente obtidos online, agregar serviços aos bens vendidos e pensar em diversificar (e não em homogeneizar) o bem a ser oferecido, fazendo com que valha a pena o cliente pagar o preço de sair de casa, enfrentar o trânsito, gastar mais e sair satisfeito com a experiência.
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