Muito se fala de fake news, termo inventado por Donald Trump: notícias falsas ou parciais, escritas omitindo parte da verdade para manipular a opinião pública. Elas são um problema real. Mas as fake news sempre existiram; a novidade é apenas o nome. Há fake news antiquíssimas. Na sociedade sempre houve visões concorrentes e notícias intencionalmente falsas. Tendem a surgir onde é mais intenso o conflito social, mas são algo típico da política em todos os tempos e lugares. Algumas fake news são prontamente desmentidas, outras não: persistem e passam às vezes até como versão principal.
É mentira, por exemplo, que a independência do Brasil fosse um movimento popular, desejado pela população. Os jornais da época nem falavam desse assunto até poucas semanas antes do grito do Ipiranga; tratou-se de um movimento de elite de poucos personagens potentes – para sermos mais corretos, foi uma secessão, coisa que ninguém diz.
Também não é verdade que a Inglaterra queria acabar com a escravidão “por interesse” – muito pelo contrário! O movimento abolicionista começou fortemente baseado em questões morais. Os mesmos ingleses tiveram de convencer os compatriotas que era possível ter atividade econômica e produzir bens e serviços sem escravidão.
Infelizmente, muitas vezes a história oficial é uma grande mentira, cumprindo uma função política e de controle social
É mentira que Brasil e Paraguai foram levados à guerra pela Inglaterra, e que o Brasil teria matado 95% da população masculina do Paraguai (as melhores estimativas falam de 8,7%, ou no máximo 18%). E o presidente paraguaio Solano López não era um bom mocinho que só queria a independência; era um ditador odiado em sua pátria, que mandou milhares de compatriotas ao massacre e um país à ruina, por questão de honra pessoal.
Não é verdade que o Brasil é um “país capitalista”. No Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, o Brasil está na 124.ª posição (de 184 países), entre as nações com as economias menos livres do mundo.
Não se fala, ainda, que a instauração da República foi um golpe; que o chamado “pai dos pobres” era, na verdade, um ditador como qualquer outro (os programas sociais e assistenciais nasceram naquela época em todo o Ocidente, sendo fruto de uma época histórica); que a Coluna Prestes matava, estuprava, incendiava e roubava pobres cidadãos comuns e agricultores por onde passava; que só a Intentona Comunista matou mais que toda a ditadura militar em 30 anos.
Até em assuntos mais amenos as fake news perduram. Não é verdade que Santos-Dumont seja o inventor do avião; nenhum país do mundo o considera como tal, ninguém nem o conhece. Todos, não só nos Estados Unidos, sabem que foram os irmãos Wright, cujo avião voava de verdade, mais alto, por mais tempo e em distância maior. A feijoada não é africana e nem de origem popular: tem origem no Império Romano, e todos os países europeus herdeiros de Roma faziam ou fazem misturas similares, como a famosa cassoulet francesa e o bollito misto italiano. No Brasil, a versão com feijão preto ficou famosa primeiro entre os mais ricos. O café, hoje considerado típico produto brasileiro (o Brasil é o maior produtor e exportador do mundo), não é autóctone: em 1713, Francisco de Melo Palheta o roubou na Guiana Francesa e o trouxe para o Pará.
Infelizmente, muitas vezes a história oficial é uma grande mentira, cumprindo uma função política e de controle social. A missão não é a busca pela verdade, mas a manipulação da opinião pública. E é grave não ter uma verdade estabelecida sobre grandes fatos da história do país. A história e a identidade coletiva não podem repousar em cima de mentiras.
Se as fake news são um problema, o que fazer com as fake news que perduram décadas e séculos, as fake olds? Os mesmos que mentiram e mentem sobre fake olds querem hoje resolver as fake news. É muito provável que se regulamentem as segundas sem resolver antes as primeiras. Como disse Edmund Burke, “um povo que não conhece sua história está fadado a repeti-la” – fake olds e fake news incluídas.
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