Atualmente todos temos visto a influência que a primeira-dama brasileira, Janja da Silva, exerce na política – já tratei do assunto em outra coluna. Antes dela, Michelle Bolsonaro foi muito importante para a aprovação de medidas para deficientes e surdos, e ainda é cotada como possível candidata em 2026. No passado, diz-se que foi a esposa do presidente Eurico Gaspar Dutra, católica fervorosa, que fez com que os cassinos e os jogos de azar fossem proibidos no Brasil.
Primeiras-damas viram pivôs de brigas de honra e crises diplomáticas. O argentino Javier Milei acusou de corrupção a esposa do primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez; ele não gostou e houve um incidente diplomático. Alguns anos atrás, o então presidente Jair Bolsonaro comparou a beleza de sua esposa Michelle com a mulher de Emmanuel Macron, 29 anos mais velha que ele. O presidente francês não gostou. Em 2013, descobriu-se que a primeira-dama da Indonésia, Ani Yudhoyono, estava sendo espionada pelos serviços de inteligência australianos, o que obviamente desencadeou a ira do marido e presidente, Susilo Bambang Yudhoyono. As interceptações mostraram que a mulher influenciava decisões políticas do marido.
O termo “first lady” nasce aos poucos, nos Estados Unidos, em meados do século 19, e foi usado para se referir a Dolley Madison, mulher de James Madison, o quarto presidente norte-americano. O papel das primeiras-damas nos EUA sempre foi muito interessante; desde o governo do primeiro presidente, George Washington, as esposas se ocupam de questões sociais e de filantropia; a mais importante de todas as primeiras-damas neste sentido talvez tenha sido Eleanor Roosevelt, que teve um papel central na compilação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e depois foi lembrada como “a primeira-dama do mundo”.
É normal que uma pessoa aconselhe, ajude e influencie o próprio cônjuge, mas, quando se trata de questões políticas e de democracias representativas, a questão se torna mais delicada
Ainda nos Estados Unidos, foi a mulher de Jimmy Carter a primeira a conseguir um escritório na Casa Branca. O caso de Hillary Clinton, esposa de Bill Clinton, também foi emblemático: já na campanha eleitoral de 1992, o marido dizia “votem em mim e ganharão dois pelo preço de um”, aludindo exatamente ao papel da esposa – a imprensa cunharia, então, o termo “Billary”. Durante o último ano de mandato do marido, Hillary foi a primeira first lady a se candidatar a um cargo eletivo e vencer, tornando-se senadora pelo estado de Nova York. Ela ainda foi candidata nas primárias do Partido Democrata em 2008 (desistindo no fim em favor de Barack Obama), secretária de Estado no governo Obama, e candidata à presidência em 2016, perdendo para Donald Trump. Recentemente, notícias de bastidores indicam que seria a esposa de Joe Biden, Jill Biden, a comandar de fato o governo, visto que o presidente nunca foi de pulso muito firme e, nos últimos tempos, parece estar claramente muito senil.
Na Argentina, temos três casos muito famosos. Evita Perón construiu um culto à própria personalidade despejando dinheiro dos pagadores de impostos aos fãs nas ruas, enquanto desperdiçava dinheiro em centenas de itens de luxo, roupas de alta moda e imóveis doados por ex-nazistas. Ela se dedicava a um tipo peculiar de filantropia: as empresas que não contribuíam para a fundação que levava seu nome sofriam retaliações e eram até nacionalizadas. Isabelita Perón foi a terceira esposa do presidente Juan Perón; nas eleições de 1973, foi eleita como vice-presidente na chapa com o marido, servindo simultaneamente como vice-presidente e primeira-dama. Com a morte de Perón, ela o sucedeu como presidente por dois anos, interrompidos por um golpe de Estado.
Cristina Kirchner, esposa de Néstor Kircnher (presidente da Argentina de 2003 a 2007), sucedeu ao marido, elegendo-se presidente e governando de 2007 a 2015. Tornou-se senadora em 2017 e, depois, vice-presidente de Alberto Fernández entre 2019 e 2023. É a única argentina a ser eleita para todos os cargos da República: deputada, senadora, presidente e vice-presidente. El país de las primeras damas!
A ciência política mostra que o poder não é algo formal, mas factual. Pessoas não eleitas muitas vezes podem ter poder, inclusive poder político: ex-presidentes, líderes religiosos, grandes empresários com entradas no Estado, líderes comunitários e sociais... e primeiras-damas. Esta é a diferença entre o poder de facto e o poder de jure. Nenhuma surpresa.
É normal que uma pessoa aconselhe, ajude e influencie o próprio cônjuge, mas, quando se trata de questões políticas e de democracias representativas, a questão se torna mais delicada. O poder das primeiras-damas, pessoas não eleitas, é legítimo? Não. Mas o poder quase nunca é legítimo.
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