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O chamado “experimento de Milgram” analisou a capacidade humana de seguir ordens mesmo quando elas eram evidentemente más.
O chamado “experimento de Milgram” analisou a capacidade humana de seguir ordens mesmo quando elas eram evidentemente más.| Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney

Em 1963, Stanley Milgram conduziu um experimento no qual pessoas comuns se dispuseram a dar fortes descargas elétricas em outras pessoas inocentes só porque havia um (falso) cientista de jaleco dizendo-lhes que o fizessem. Quatro anos depois, em 1967, em uma escola da Califórnia, o professor Ron Jones inventou um grupo totalmente vazio e sem sentido, com símbolo, uniforme e gestos. Rapidamente os alunos membros do grupo se sentiram empoderados, e muitos se interessaram em fazer parte, começando a agir contra outros alunos de forma agressiva; a violência escalou até sair do controle. Essa experiência tinha o objetivo de mostrar como o nazismo pode acontecer de novo. Em 1971, no “experimento de aprisionamento de Stanford”, pessoas comuns foram divididas de forma aleatória entre prisioneiros e agentes penitenciários, e em poucas horas começaram a internalizar os respectivos cargos e se comportar conforme os papéis.

Junto com vários outros experimentos científicos, as evidências são claras: 1. as pessoas tendem a fazer o que os outros fazem, mesmo sem saber e sem concordar – conformismo; 2. as pessoas tendem a obedecer à autoridade sem discutir – obediência e submissão à autoridade; 3. algumas pessoas até gostam de ter algum poder intermediário e sancionar os demais – é a síndrome do pequeno fiscal. Não acontece só com seres humanos; experimentos com outros primatas mostram a mesma coisa. Somos seres gregários, seguimos o líder, não questionamos a ordem estabelecida.

De forma geral, obedecemos por ser gregários, por conformismo, medo e subjugação natural à autoridade, qualquer que seja

O nazismo e o socialismo foram aplicados por um pequeno bando de extremistas no poder, mas com a cumplicidade de milhões de pessoas normais que denunciavam seus vizinhos, que obedeciam, com mais ou menos fervor. E assim continua sendo hoje em dia.

No grande clássico Desobediência Civil, Henry David Thoreau afirma que a legislação pode muito bem ser injusta e que, nesses casos, as pessoas não têm o dever de obedecer, mas têm o dever de fazer a coisa certa e não tomar parte de uma instituição injusta. Ele mesmo se recusou a pagar impostos para financiar um Estado escravista que fazia guerras de agressão, e foi preso. Ainda hoje, alguns “taxprotestors” nos Estados Unidos se recusam a pagar impostos pelas mesmas razões. Até Gandhi e Martin Luther King usaram técnicas de “resistência fiscal”. Antes de Thoreau, John Locke teorizava o “direito à resistência”, o “apelo ao céu” quando o Leviatã desrespeitasse a lei, o Estado de Direito. Antes ainda, o padre jesuíta Juan de Mariana justificava até o tiranicídio (descontando a época, seria similar ao nosso atual impeachment).

A escravidão foi legal, o Apartheid foi legal, os campos de extermínio foram legais, o confisco da poupança foi legal. Mas não se obedece a uma lei injusta. Entre os militares, isso existe até como princípio consolidado: “não se obedece à ordem absurda”, a ponto de um soldado que cumprir uma ordem injusta de um superior estar sujeito a julgamento por corte marcial.

Não obedecemos só a ordens e sistemas justos; obedecemos em democracias e em ditaduras. Às vezes por medo da repressão, mas geralmente por hábito e por falta de questionamentos mesmo. Muitas vezes obedecemos até contra o nosso interesse, e muitos pedem ainda mais repressão, mais bota no pescoço. É a Síndrome de Estocolmo. De forma geral, obedecemos por ser gregários, por conformismo, medo e subjugação natural à autoridade, qualquer que seja.

O Estado se baseia no uso da força, mas, se as pessoas desobedecessem, seria difícil, mesmo com o poder do exército, fazer cumprir a ordem. Em parte, todos os Estados do mundo se baseiam também no apoio, ainda que passivo, da população.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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