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Pouca gente sabe, mas há um segmento da economia que estuda a criminalidade. Há trabalhos acadêmicos seminais sobre economia do crime. O tema ganhou relevância, principalmente com o estudo de Gary Becker. O autor mostra que bandidos tomam decisões racionais para cometerem um crime, levando em conta a relação risco-retorno. Seu trabalho, e outros artigos científicos da área, dão a receita para a redução da criminalidade no Brasil.
As cenas de guerra observadas nesta semana no Rio de Janeiro têm tudo a ver com a teoria proposta por Becker. A criminalidade, no Rio de Janeiro, só atingiu este ponto porque os bandidos têm a certeza da impunidade.
Como, no Brasil, o benefício financeiro de se cometer um crime é alto e o risco é baixo – o bandido fica pouco tempo preso -, os marginais têm grandes incentivos para cometerem um crime. Saidinhas, benevolência nas audiências de custódia e reduções de penas são exemplos que diminuem consideravelmente o risco de o bandido ficar preso. Por outro lado, os lucros do tráfico de drogas e das extorsões nas favelas pela milícia são altíssimos.
A complacência da Justiça com o criminoso é tão grande, que o traficante André do Rap conseguiu que o inquérito policial que o investigava fosse trancado, e as provas anuladas pelo STJ. Mas a impunidade não parou por aí. No STF, o traficante conseguiu uma liminar para ser solto e ter seus bens devolvidos, incluindo uma lancha e um helicóptero.
À luz da teoria de Becker, a única forma de reduzir esse problema seria aumentar a probabilidade do criminoso se pego pela polícia e a severidade da punição. A polícia até captura o marginal, entretanto, a punição é branda, seja porque as leis são frágeis, seja porque a Justiça concede uma série de benefícios aos criminosos.
Dessa forma, não há outro caminho, para diminuir a criminalidade no país, que não passe pelo aperfeiçoamento e o aumento do rigor do arcabouço penal brasileiro, bem como o cumprimento das leis pela Justiça.
O resultado desse estudo é particularmente importante para várias cidades brasileiras, nas quais o Estado se tornou completamente ausente em algumas áreas tomadas pelo crime organizado
Concretamente, o Congresso deveria endurecer as leis penais e o STF, que também é uma corte criminal, deveria aplica-las para criar jurisprudência e súmulas vinculantes capazes de influenciar as demais esferas da Justiça.
O enforcement (cumprimento da lei) para reduzir a criminalidade é amplamente documentado na literatura econômica. Thomas Rupp realizou uma meta análise de 700 artigos científicos sobre o tema, mostrando que há mais evidências de que o aumento a probablidade de punição reduz a criminaliade do que os trabalhos que alegam o contrário.
Outro artigo esclarecedor sobre o tema é o “Do Police Reduce Crime?”, publicado numa das principais revistas científicas do mundo, American Economic Review. Os autores provam estatisticamente, controlando por vários efeitos, que o aumento do número de policiais levaram à redução da criminaliade na cidade de Buenos Aires.
O resultado desse estudo é particularmente importante para várias cidades brasileiras, nas quais o Estado se tornou completamente ausente em algumas áreas tomadas pelo crime organizado. No Rio de Janeiro, por exemplo, o Estado começou a abandonar as favelas com a política do ex-governador, Leonel Brizola, de restringir as operações policiais nas comunidades. Com menos presença da polícia, o crime organizado evidentemente cresceu exponencialmente nas favelas da capital fluminense.
Mais recentemente, também ocorreu uma medida parecida com a de Brizola. O STF, por meio da ADPF 635, criou condições operacionais para a realização das operações policiais nas favelas, limitando e dificultando o trabalho da corporação.
Como policial também tem receio de sofrer retaliações da Justiça e medo de perder o emprego, evidentemente ocorre uma autocontenção por parte do Bope para realizar esse tipo de operação nas favelas. O policial também toma decisões racionais. Para que subir o morro, arriscar a vida, e ainda correr o risco de perder o emprego ou sofrer punições da Justiça?
Os políticos e os ministros do Supremo deveriam prestar mais atenção na literatura especializada sobre o tema. A receita, provada científica e empiricamente, para a redução da criminalidade está lá: i. severidade da punição, ii. aumento da probabilidade do marginal ser pego e fica preso e iii. presença da polícia em áreas controladas pelo crime. O negacionismo científico nessa área custa vidas.




