Um vício, de boa parte da sociedade brasileira, é pensar que o governo tem dinheiro infinito, e que tudo não passa de uma questão de vontade política. A ideia do orçamento ilimitado não é exclusiva a pessoas comuns, distantes dos conceitos de economia e finanças, mas passa por intelectuais, políticos e empresários.
No mundo idealizado, o governo tem dinheiro para absolutamente tudo; no mundo real, o orçamento é escasso. A limitação orçamentária é decorrente da produção de riqueza na sociedade, que, por sua vez, também é finita.
Todo ano, as empresas produzem uma quantidade de bens e serviços finais no Brasil, o que chamamos de PIB. A venda dos produtos e serviços geram receita para as firmas. A receita das companhias obrigatoriamente se transforma em renda (lucros, salários, despesas com fornecedores, alugueis e pagamento de impostos). Essa renda equivale a uma quantidade de dinheiro, para que as pessoas possam comprar bens e serviços das empresas.
Dentro dessa lógica, percebemos que o PIB é igual à renda gerada na sociedade, e que o dinheiro só tem valor mediante a produção de bens e serviços. O dinheiro, por si só, não tem valor algum.
No ano passado, o país produziu o equivalente a R$10,9 trilhões. Isso significa que a soma de todos os bens e serviços produzidos (carros, máquinas, canetas, consultas médicas, etc.) foi de R$10,9 trilhões. Desse total, o governo tributa algo em torno de 34% (R$3,7 trilhões).
O dinheiro arrecadado pelo governo serve para o pagamento de funcionários públicos, gastos com saúde, educação, previdência, etc., no entanto, essa quantia é insuficiente para manter todas as despesas estatais. Assim, o governo precisa emprestar o dinheiro da sociedade, vendendo títulos de dívida nos leilões para instituições financeiras e no Tesouro Direto. Com impostos, e empréstimos adquiridos juntamente com a sociedade, o governo compõe o orçamento para pagar todas as despesas.
O orçamento atual do governo é de 5,5 trilhões. Como essa quantia é limitada, no mundo real, o governo tem que fazer escolhas. Obrigatoriamente, mais gastos com saúde é menos com educação. Mais gastos com segurança é menos com transporte, e assim por diante. Para cada escolha, existe uma renúncia.
É sempre possível argumentar que o governo poderia se endividar mais perante a sociedade, elevando o gasto em várias áreas. No entanto, esse mecanismo também tem fortes limitações, e traz consequências negativas para o país.
A primeira limitação é que o Estado não tem uma capacidade infinita de endividamento, uma vez que o patrimônio e a poupança das pessoas (o que não se consome da renda) também são limitadas.
Além disso, quanto mais as pessoas emprestam dinheiro ao governo, menos elas estão disponibilizando ao capital produtivo, condenando as empresas a um baixo crescimento.
De acordo com o economista Gustavo Franco, em entrevista no Roda Viva de 2017, 60% da riqueza do país é para financiar o governo. Segundo ele, em nenhum lugar do mundo o financiamento per capita estatal é tão alto, levando o governo a oferecer taxas de juros muito elevadas para financiar o gigantesco Estado Brasileiro. No entanto, a elevada taxa de juros penaliza o crescimento das empresas, a geração de emprego e de renda no país.
Outra limitação do endividamento estatal é que estamos numa situação fiscal crítica. Se nada for feito em relação ao corte de despesas, caminhamos para um calote da dívida pública em alguns anos.
Caso haja insolvência do governo, as consequências são terríveis para a sociedade, como inflação, desemprego e perda de patrimônio das famílias
Infelizmente, essa situação não é tão distante e improvável no Brasil.
Diversos indicadores do Monitor Fiscal do FMI mostram o risco de crédito elevado no Brasil. Pelo critério de endividamento bruto pelo PIB, o Brasil ocupa a posição 40 de 206 países, o que nos coloca no 1º quartil dos piores endividamentos do planeta (86% do PIB).
É verdade que EUA, Japão e alguns países europeus têm um endividamento maior. Mas também é verdade que a produtividade, a confiança e o estoque de riqueza desses lugares são muito maiores que os nossos. Em outras palavras, o nível de endividamento, dada as condições do Brasil, é perigoso.
O Brasil também está no 1º quartil dos países que mais gastam no mundo, proporcionalmente ao PIB (posição 26 de 210). Se nada for feito, a combinação do gasto elevado com alto endividamento é explosiva, a médio e longo prazo.
Para estancar a piora desses indicadores, é necessário o governo cortar despesas, como gastos previdenciários (desindexação de benefícios ao salário mínimo), subsídios às empresas e enxugamento da máquina pública (excesso de funcionalismo e salários elevados). Infelizmente não vemos uma disposição real do Executivo, Congresso e Supremo em promover um profundo ajuste nas contas públicas. Chegará um momento em que a realidade cobrará o seu preço.
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