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Todos que têm a análise política como ofício gostariam de propor uma equação que explicasse, como fez Einstein na fórmula que define a equivalência entre massa e energia, as principais divisões políticas ou ao menos este momento histórico. A iniciativa é válida, mas não deu em nada de relevante e útil até agora.
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Poucos ainda acreditam que a clássica clivagem da Revolução Francesa (esquerda e direita) ainda sirva para alguma coisa, mas repetem por preguiça ou teimosia. A tentativa de Norberto Bobbio de dar uma sobrevida aos termos em “Direita e Esquerda” pouco acrescentou ao debate pelo seu indisfarçável viés. Yuval Levin deu em “O Grande Debate” uma contribuição infinitamente maior, mas como não era um autor “de esquerda” foi ignorado. Não deveria.
Um entendimento mais sofisticado do fenômeno político do século XX começa a ser proposto pelo filósofo espanhol José Ortega y Gasset em “A Rebelião das Massas” (1929), quando fala do “homem-massa” que bebe na fonte de Gustav LeBon para entender o início da ruptura entre o homem comum e as elites ocidentais, processo que só se intensificou nas décadas seguintes.
Em 1994, o historiador americano Christopher Lasch publica o insuperável “A Revolta das Elites e a Traição da Democracia”, tão citado quanto pouco lido (por favor, reeditem!), que mostra como as elites “progressistas” e “liberais” viraram as costas para a população e se afastaram irremediavelmente delas, processo intensificado nos anos 90 pela infame “terceira via” ou a era “pós-política” Bill Clinton, Tony Blair, Felipe González, Lionel Jospin, Gerhard Schröder, Massimo d'Alema, António Guterres, Fernando Henrique Cardoso, entre outros.
Outra importante contribuição, solenemente ignorada pela academia, foi “Coming Apart” de Charles Murray (2012), que sequer foi lançado em português e mostra, com uma farta coleção de dados e evidências, que a elite americana se afastou tanto do resto da população desde 1960 em termos culturais, sociais, econômicos e educacionais, que formam outro país dentro do mesmo território. São duas nações que não se conhecem, não se entendem, e não têm lá muita empatia mútua.
Todas estas obras são de inegável importância, mas falta ainda dar o crédito para uma despretensiosa mas brilhante ideia da escritora e colunista Margaret Noonan, conhecida como Peggy Noonan, que num artigo primoroso publicado no WSJ em 25/02/2016 (“Trump and the Rise of the Unprotected”), quando propõe que a atual divisão social e política da América pode ser explicada pelos “protegidos” e “desprotegidos”. Explico.
Para Noonan, os “protegidos” são os que têm poder para influenciar o debate e as políticas públicas, os ricos, os bem-sucedidos, os famosos e “seguros”, um termo mais abrangente e preciso do que “elite”. Os “desprotegidos” são os obrigados a viver numa sociedade com regras propostas, elaboradas, debatidas, aprovadas e implementadas pelos “protegidos”, que raramente sofrem as consequências das suas ideias. Os protegidos criam políticas públicas, os desprotegidos são seus clientes involuntários.
Sua classificação é tão simples quanto correta: os protegidos criam as leis, os desprotegidos vivem sob elas. Os protegidos americanos e europeus fazem leis que facilitam a imigração desenfreada, o que barateia a mão de obra para suas corporações e mansões enquanto posam de tolerantes. Os desprotegidos perdem empregos, seus salários são achatados, seus bairros são mais expostos à violência, suas famílias são destruídas pelo impacto econômico das crises, e ainda são chamados na TV de “xenófobos, preconceituosos, deploráveis, ignorantes, extremistas e fascistas”. Quando reagem nas urnas, o resultado das eleições é tratado como surpreendente. Para quem?
No Brasil, o horror com que os protegidos tratam os evangélicos, que representam quase 25% dos eleitores do país, possuem um sistema moral e ético coeso e que costumam votar em bloco, especialmente os neopentecostais, serve de exemplo de como o fenômeno não está restrito ao primeiro mundo. Ignorar e xingar os desprotegidos, a história mostra, apenas reforça o abismo. E o final não costuma ser nada bom.
Enquanto protegidos e desprotegidos continuarem distantes e cada vez mais desconfiados uns dos outros, sem qualquer terreno comum para a busca de pautas, as crises só tenderão a aumentar, especialmente em tempos de onipresença das redes sociais. Os desprotegidos hoje falam entre si, têm seus próprios líderes, formadores de opinião e influenciadores, e cada vez mais ignoram as orientações dos protegidos.
Sem um mínimo de compreensão, solidariedade e empatia com os desprotegidos, sem entender suas reais motivações e demandas, com a aposta irresponsável em teorias de gabinete como as politicas identitárias radicais, criadas por ativistas acadêmicos preocupados apenas com suas perversões ideológicas, os protegidos só terão como saída o aumento da altura dos muros de suas casas e, no limite, o aeroporto. Acordem enquanto é tempo.