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Alexandre Garcia

Alexandre Garcia

Instabilidade institucional

A Constituição, o legado de Ulysses e a hipocrisia

Fotomontagem preparada pela Agência Brasil traz, da esquerda para a direita: Ulysses Guimarães, ao promulgar a Constituição em 1988; Luís Roberto Barroso, presidente do STF; Geraldo Alckmin, vice-presidente da República; e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, na cerimônia de 35 anos da Carta Magna. (Foto: Arquivo Agência Brasil e Lula Marques/Agência Brasil)

Esta sexta-feira seria aniversário do Doutor Ulysses, se vivo estivesse. Estaria fazendo 107 anos, mas está sepultado no Oceano Atlântico – uma grande sepultura para um grande homem. Em 12 de outubro de 1992, o helicóptero em que viajava caiu na água; ele foi o único cujo corpo não foi encontrado. Estava com a mulher, Dona Amora; com o ex-ministro Severo Gomes e sua mulher; e com o piloto. Sumiu.

Doutor Ulysses ergueu a Constituição há 35 anos. Eu participei, como testemunha, daqueles 20 meses de trabalho. Queria mencionar que, por duas vezes, o Doutor Ulysses repetiu, no discurso do dia da promulgação, que a Constituição não era perfeita, que a própria Carta o confessa ao admitir reforma. Mais adiante, ele insistiu: “não é a Constituição perfeita; se fosse perfeita, seria irreformável. Ela própria, com humildade e realismo, admite ser emendada dentro de cinco anos”.

E vejam só a ironia, a hipocrisia da política. O Doutor Ulysses foi o grande presidente de honra do PMDB. E, transcorrido o prazo para reformar a Constituição, sem exigência de maioria de três quintos, quem torpedeou a reforma foi o presidente do PMDB, Orestes Quércia. Ele estava insatisfeito porque na reforma havia um dispositivo pelo qual todos aqueles municípios que haviam sido criados sem ter autonomia financeira voltariam a ser distritos, porque não tinham como se sustentar. Quércia torpedeou uma reforma trabalhista, uma reforma previdenciária, uma reforma tributária, uma reforma administrativa e uma reforma política, que estavam todas prontas, feitas por uma comissão de notáveis. Enterrou tudo e jogamos fora uma oportunidade.

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A Constituição está aí, e temos de respeitá-la ao pé da letra. Ela foi bem explícita em tudo, basta ser alfabetizado. Por isso que, quando vejo as imagens de quinta-feira, da festa no Congresso, presidente do Supremo, da Câmara, do Senado, vice-presidente da República, todos segurando a Constituição como se fossem seus guardiões, vejo que a hipocrisia continua. Porque, ou pela omissão ou pela ação, eles estão rasgando a Constituição a toda hora. Nós acompanhamos. E quem fica calado também peca pela omissão.

Gostaria de recordar mais uma frase do Doutor Ulysses – não custa repetir, porque é verdadeira – no discurso memorável do dia 5 de outubro de 1988. “A moral é o cerne da pátria. A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar; não deixar roubar; pôr na cadeia quem roube – eis o primeiro mandamento da moral pública.” Está aí, é uma verdade eterna, que permanece porque nós ainda não corrigimos a impunidade e a roubalheira.

Chacina de médicos mostra como deixaram que o Rio de Janeiro fosse destruído

Queria falar também da insegurança pública no Rio de Janeiro. Nós já temos a insegurança jurídica, ao contrário do que disse o presidente do Supremo na solenidade de aniversário da Constituição, quando falou em “estabilidade institucional”. O que a temos é instabilidade institucional e jurídica. Sentimos isso, e podem perguntar a quem queira investir no Brasil, o que está sentindo.

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A instabilidade também existe na segurança pública. O Rio de Janeiro podia ser a meca do turismo, só que as pessoas têm até medo de usar o Galeão por causa do acesso. Quatro médicos terminaram um congresso, estavam hospedados em um hotel e atravessaram a rua; foram para o quiosque em frente, para dar uma desanuviada, e acabaram chacinados. Três morreram, e o quarto, que ficou lá pedindo socorro no chão, baleado, está hospitalizado. Um dos mortos era irmão da deputada Sâmia Bonfim.

Parece que foi por engano, que era caso de luta entre quadrilhas: avisaram que havia integrantes de uma quadrilha no quiosque, os assassinos erraram de quiosque ou chegaram mais tarde, quando os verdadeiros alvos já tinham ido embora e os médicos se sentaram no lugar. Isso mostra, no exterior e dentro do país, a insegurança de sair à rua no Rio de Janeiro.

E não é de agora. Há 50 anos – eu tenho 82 – eu percebi que, se o povo do Rio de Janeiro deixasse que as coisas seguissem assim, pagaria muito caro por isso. Mas eles deixaram. Ninguém se importou, e o crime foi crescendo, inclusive alimentado pelos que usam drogas e sustentam o tráfico.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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