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São Félix do Xingu (PA), em imagem de arquivo.
São Félix do Xingu (PA), em imagem de arquivo.| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

São Félix do Xingu, no Pará, está a 1,6 mil quilômetros de Brasília. Gaza está a 10 mil quilômetros. Para os brasileiros em geral, Gaza é vizinha e São Félix do Xingu é no fim do mundo. Não sei se é a tal síndrome de vira-lata, diagnosticada por Nelson Rodrigues, em que a vida brasileira vale menos que as outras, ou se é um mecanismo de fuga, identificado por Freud, que faz a gente se interessar menos pelo próprio país e viver algum sonho d’além-mar. Faz semanas que fervem os espíritos de brasileiros da Vila Renascer, resultado de um assentamento do Incra em 1994, “indevido”, segundo a Funai, na reserva Apyterewa, de 980 mil hectares, onde em 1998 viviam 218 índios Parakanã.

Veio ordem para desalojar os colonos, que plantam cacau e criam gado de subsistência, e demolir tudo, inclusive a escola. Como eles não têm para onde ir, resistem. A Força Nacional está lá, helicópteros, Ibama, Funai – e o que acontece tem sido considerado irrelevante pelos pauteiros das redações em geral. O que aconteceu em Israel serviu para justificar a omissão com os brasileiros expulsos de território brasileiro. Todos esquecemos que foi assim que saímos do litoral; foi assim que passamos por cima da Linha de Tordesilhas. Até que, nesta semana, tivemos o primeiro sangue derramado. Um dos que resistiam recebeu dois tiros – um no tórax e outro no abdômen. Notícias de lá contam que o prefeito ligou para o governador Helder Barbalho, que ligou para o presidente Lula, que mandou suspender a operação de retirada.

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Enquanto isso, no Mato Grosso do Sul, a mil quilômetros de Brasília, dois ônibus desembarcam 80 índios em Rio Brilhante, e invadiram uma fazenda de 400 hectares, com 7 mil sacos de soja recém-colhidos e milho por semear. O ex-governador Zeca do PT, hoje deputado estadual, denunciou a invasão na Assembleia e afirmou que ele e Lula pensam o mesmo: garantir os direitos dos indígenas, mas nunca concordar com invasões de terras produtivas. Zeca do PT foi quem abriu as porteiras da agropecuária do estado para o candidato Lula se eleger pela primeira vez presidente.

Esses episódios mostram uma insegurança fundamental que afeta o território nacional: a insegurança fundiária, agravada após a interpretação do Supremo do marco temporal deixado pelos constituintes. Ela é um dos lados da insegurança pessoal, patrimonial e jurídica, que nos afeta, que torna o futuro imprevisível. Quem poderia fazer alguma coisa, o presidente do Senado, declarou em Paris que não vai buscar medidas populares, “porque qualquer instabilidade é muito ruim para o país”. Manter o atual estado de coisas, para ele, é melhor. Significa manter o status quo. Vamos fingir que está tudo muito bem, porque afinal, a mais de 10 mil quilômetros de distância, o Hamas quer eliminar Israel e Israel quer eliminar o Hamas. Quando e se acabar por lá, estaremos de volta por aqui, desfrutando a paz dos passivos e dos omissos.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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