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bolha de opinião
| Foto: Bigstock

Pedro Damazio Franco foi bem feliz ao resumir a celeuma de Risério na Folha: um nicho da sociedade cunhou uma definição nova de racismo e quer impô-la à sociedade na marra. No início do milênio, algo parecido aconteceu com as cotas raciais nas universidades. Havia um consenso moral sólido na sociedade brasileira, segundo o qual é abominável tratar as pessoas de maneiras diferentes conforme a cor de sua pele. Naquela época, como lembrou o antropólogo Flavio Gordon, os também antropólogos Peter Fry, Yvonne Maggie, Marcos Chor Maio, Simone Monteiro e Ricardo Ventura Santos escreveram “Divisões Perigosas: políticas raciais no Brasil contemporâneo, um livro fundamental para quem quer entender como chegamos no ponto em que estamos”.

Ali lemos a mobilização de professores de ciências humanas do ensino superior público em defesa da manutenção da moral brasileira tradicional, ou seja, da recusa de cotas raciais. O livro é de 2007, a mobilização é anterior. O Reuni, o projeto do ministro Fernando Haddad para controlar as federais, começou a ser implantado em 2008. Então é bom deixarmos claro que as federais que enchiam os olhos da sociedade, embora fossem majoritariamente esquerdistas, não eram essa porcaria de hoje. Isso é fruto do Reuni.

Abaixo-assinado contra as cotas em 2006

Em 2006, o grupo fez um abaixo-assinado contra as cotas raciais que pode ser lido aqui. Tem uma porção de gente com o mesmo perfil profissional dos criadores, mas eles se empenharam em chamar gente que participasse de organizações civis. Tem sindicalista. Tem diretório nacional do PT… De lá para cá, não foram só as federais que mudaram; foi também o PT. É como Aldo Rebelo disse: uma facção universitária, uspiana, tomou conta do partido. Por extensão tomou conta da cultura do país.

O abaixo-assinado também dá uma imagem do clima cultural do país. Lilia Moritz Schwarcz, antropóloga de formação e hoje patrona dos identitários na Companhia das Letras, assinou. Em 2019, a turba identitária descobriu isso e começou a linchá-la. Em vez de dizer publicamente que mudou de ideia – é normal as pessoas mudarem de ideia –, ela fez um textão no Facebook eximindo-se da própria responsabilidade e dizendo-se enganada pelos colegas. Eu acredito na honradez pessoal de Yvonne Maggie e de Peter Fry; logo, não posso acreditar em Lilia Moritz Schwarcz. Entre 2006 e 2019, o clima da opinião brasileira mudou bastante entre os intelectuais.

As cotas passaram, e aí estão os infames tribunais raciais. Ainda assim, a mobilização dos professores surtiu efeito. Eles salvaram as crianças do racialismo, já que originalmente se propunha que cada brasileiro fosse, ainda na infância, etiquetado com uma raça. (Um dos textos de Magnoli no livro referido era contra o ingresso do racialismo nas escolas. A filha tinha recebido um questionário e queria saber se botava que era amarelinha) Também conseguiram incluir o critério econômico nas cotas, amenizando o problema dos pobres não-negros.

A lei de cotas prevê revisão em 2022, este ano. No clima da época, ninguém achava bonito dizer que a sociedade seria eternamente divida em raças.

A percepção do clima impacta no clima

É lugar comum na economia que a percepção da economia afeta a economia. Se todo mundo acreditar – ainda que falsamente – que uma dada empresa terá muito sucesso, essa crença leva à valorização das ações. Isso faz bem à empresa no curto prazo; mas, se houver falhas graves, uma hora a verdade se impõe e as ações despencam, ou todo mundo leva calote.

Com as opiniões, é parecido. Se você criar uma caixa de eco onde todas as vozes audíveis dizem A, quem pensa B vai se sentir minoritário – mesmo que B seja majoritário. A estima do pensamento A vai ser artificialmente inflada até sabe Deus quando.

Creio que o caso de Antonio Risério tenha sido o estouro de uma bolha de opinião. Esse estouro só foi possível, creio eu, por causa de redes sociais.

Como contei aqui, fiquei otimista ao pesquisar o nome de Risério no Twitter e encontrar gente muito diferente defendendo-o. Esquerdista, olavete, ex-olavete, liberal, nacional-desenvolvimentista… Embora o próprio Twitter fizesse um resumo dos acontecimentos que tratava os oponentes de Risério como majoritários, a pesquisa mostrava o contrário.

Abaixo-assinado relâmpago

Gustavo Maultasch lançou a ideia de fazer um abaixo-assinado em defesa de Risério. Leandro Narloch apoiou. Eli Vieira sentou, fez, achou grande, me pediu pra cortar… E eu fui terminar texto sobre guerra do Paraguai e fazer a sesta. Nunca vi Gustavo Maultasch e Eli Vieira na minha vida; conheço-os por causa de rede social. Acordei da sesta, e o zape estava com mensagens de pessoas tão diferentes quanto Josias Teófilo e Peter Fry mostrando o abaixo-assinado em que jornalistas da Folha protestavam, a um só tempo, contra a publicação de textos de Risério, Magoli e Narloch. Me apressei em mostrar ao pessoal, mas eis que já estavam cientes e mexendo no abaixo-assinado. Fui correndo pegar o computador e cortar o texto já aprimorado. Mais aprimoramentos foram feitas depois do corte e no meio da tarde do dia 19 de janeiro o texto já circulava pelo WhatsApp. Eli, que cuidou da organização, não queria que fosse postado logo, mas não tem jeito: se está no zap-zap, uma hora vai parar em rede social. E se vai para rede social é mais difícil saber da veracidade das assinaturas enviadas.

Às onze da noite, Eli fechou as assinaturas, já sem conseguir dar conta da organização. Em horas, assinaram Roberto DaMatta, Luiz Mott, Hélio Beltrão, Felippe Hermes, Adriano Gianturco, Mércio Gomes, Cláudio Manoel, Eduardo Affonso, Paulo Briguet, Adrilles Jorge, Flavio Gordon, Francisco Escorsim, militantes do MBL, além do nosso chefe. Na manhã do dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião, Eli pôs no site dele a carta com as assinaturas e ainda se empenha em organizá-las.

Foi um abaixo-assinado relâmpago em defesa de Risério e contra o identitarismo. No que vai dar, não sabemos. Mas é bom termos em mente que a oposição ao identitarismo é uma pauta bem ampla, capaz de reunir o presidente do Instituto Mises Brasil e o doutorando de humanas que publica artigos no Diário da Causa Operária.

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