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Bruna Frascolla

Bruna Frascolla

O politicamente correto de direita

(Foto: Midjourney)

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A minha última coluna foi contra o ministro Sílvio Almeida, que acontece de ser negro. Felizmente o Brasil não tem uma lei de racismo maluca a ponto de dizer que isso é racismo. Suponhamos que o Brasil adotasse a seguinte definição de racismo: “Racismo é uma certa percepção dos negros que pode ser expressa como ódio aos negros. Manifestações retóricas e físicas de racismo são direcionadas a indivíduos negros e não-negros e/ou suas propriedades, a instituições da comunidade negra e instalações religiosas negras.”

Diferentemente de qualquer sistema penal de um Estado de Direito, o que se prevê como racismo não é um ato, mas sim “uma certa percepção”. Como se pode provar que alguém tem uma certa percepção? Só por telepatia. Assim, enquanto Elon Musk não desenvolve métodos para ler minha mente, o ongueiro do movimento negro poderia dizer que o meu último texto contra Sílvio Almeida é motivado por certa percepção racista e pedir que eu seja presa por racismo.

Outra coisa interessante é que de nada adiantaria eu alegar que tenho amigos negros e que cito respeitosamente intelectuais negros, porque seria racismo, também, eu ser contra “instituições” da “comunidade negra”. Ser contra a Educafro do Frei Davi, que vive promovendo divisão racial e até quis ganhar dinheiro em cima da morte de uma mãe de santo na Bahia só por ela ser negra, faria de mim uma racista, em nada interessando a minha conduta com relação seres humanos negros.

Felizmente, essa definição de racismo contra negros não existe. Vou explicar de onde tirei ela: eu fui ao site da CONIB (a Confederação Israelita do Brasil), onde há matéria que comemora a adoção, pela cidade de São Paulo, da definição de antissemitismo da IHRA, sigla em inglês da Aliança Internacional pela Memória do Holocausto, que é uma “organização inter-governamental” (OIG) privada, que visa a pautar governos mesmo sem ter sido eleita por ninguém.

A definição de racismo acima eu criei pegando a definição da IHRA e da CONIB e trocando “antissemitismo” e “judeu”/”judaico” por “racismo” e “negro”. Com base nessa definição, Deltan Dallagnol defendeu que Lula sofresse impeachment por racismo, porque racismo no Brasil é crime e o país seria, segundo ele, um membro da IHRA. Deltan está factualmente errado. O Brasil não é membro da IHRA; é listado tão-somente como "observador". Ademais, a IHRA não é um mecanismo multilateral avalizado pela ONU; é somente uma mistura de chartered company com ONG que vai atrás de burocratas para assinarem acordos internacionais do seu interesse. Deltan Dallagnol quer guiar a direita mandando-a depor um presidente brasileiro com base numa definição “educacional” de racismo de uma organização fundada em Estocolmo da qual o Brasil é um mero observador. Imagine se a direita fosse contra o globalismo!

Mas o impeachment é o de menos. Na prática, o que a adoção real desse conceito de antissemitismo faria é tornar crime a crítica do sionismo e das ações do Estado de Israel. Eu, cidadã brasileira, creio que há um genocídio em andamento na Faixa de Gaza. Em novembro, o Papa já chamou isso de terrorismo, e Israel nem tinha atirado em famintos que iam buscar comida (para o Ministro da Segurança dizer, depois, que a distribuição de comida é um risco à segurança dos militares israelenses). Nem Macron achou bonito Israel atirando em civil faminto depois de ter causado a fome com o cerco. Eu, cidadã brasileira, creio que todo genocídio, inclusive o Holocausto, deve ser usado em comparações para impedir outros genocídios. Vem me prender, Deltan!

Sionismo é identitarismo

Eu não preciso gastar saliva para mostrar que não há muitas diferenças entre os racialistas negros como Sílvio Almeida e os sionistas como Cláudio Lottenberg (da CONIB) e Carlos Reiss (da IHRA). Em artigo nesta Gazeta, a dupla sionista escreve: “lidamos com o Holocausto como uma ferramenta educativa poderosa para trabalhar temas atuais e relevantes, sendo um deles o racismo – que, como já destacou o ministro Silvio Almeida, não é só um ato, e sim um processo.” Conforme denunciei ainda em 2022, nesta mesma Gazeta, a obra de Sílvio Almeida é abominável, porque visa a transformar o racismo numa coisa normal em vez de criminosa.

À época, eu disse que, de saída, minha principal objeção à redefinição de racismo promovida por Sílvio Almeida era que ela servia para autorizar práticas racistas até ser tarde demais. Escrevi: “Se dissermos que só os pertencentes a grupos pobres e oprimidos podem ser vítimas dos racistas, então o ódio dirigido contra os judeus alemães antes de 1933 não pode ser chamado de racismo, já que os grandes banqueiros eram judeus e a classe média urbana era cheia de judeus também. Com esse tipo de definição, Hitler não era racista quando redigia o Mein Kampf, porque era um pobre presidiário espoliado pelo sistema financeiro que escrevia contra a raça dos banqueiros. Simples assim. Logo, não devemos crer nas boas intenções de quem nos proponha esse novo conceito, já que ele serve para limpar a barra de Hitler (e seus imitadores) antes de Hitler (e seus imitadores) chegar ao poder. E bom, depois de chegar ao poder, quem liga para a barra suja ou limpa?” Ao meu ver, o jogo operado pelos sionistas é o mesmo: não se pode falar de nada análogo ao Holocausto na Palestina justamente porque, como bem documentou Ilan Pappé, os projetos e práticas dos sionistas em Israel são similares aos dos nazistas. Mas, na democracia “desenvolvida” de Deltan Dallagnol, o historiador judeu israelense Ilan Pappé iria preso por racismo, assim como os professores judeus estadunidenses Norman Finkelstein e Noam Chomsky, ambos ferrenhos antissionistas.

Mas a democracia do Brasil deve ser mais desenvolvida, segundo os parâmetros de Deltan Dallagnol, do que a dos EUA, já que o jornalista judeu antissionista Breno Altman pode ir para a cadeia por causa de tuíte.

A direita sionista pode tudo

Esse caso, aliás, é bom para mostrar como é uma lenda a história de que só a direita é perseguida e só a esquerda cancela. Por um lado, tivemos a perseguição inconstitucional a Breno Altman por ter usado uma frase feita de Deng Xiaoping: a menção a ratos seria intrinsecamente racista, como disse o judeu sionista Caio Blinder (se a gente pesquisar os tuítes dele, porém, vai encontrá-lo chamando homens de rato e usando “ratos” de modo metafórico). Quando Carla Zambelli postou no seu Instagram a imagem de uma águia com as bandeiras de Israel e EUA capturando um rato com a bandeira da Palestina, até Caio Blinder denunciou o racismo da sua postagem. Não é bonito, não é legal, representar os palestinos de ratos a serem mortos por uma linda águia israelense alada pelos EUA.

A direita bolsonarista não deu bola. Nada aconteceu com Carla Zambelli. Os palestinos não têm nenhuma ONG pra fazer lobby ou aparelhar as instituições. A própria Carla Zambelli, aliás, tem liberdade para sair correndo com uma arma no meio da rua atrás de um cidadão sem ir em cana. Já Breno Altman, no que depender da CONIB e dos Deltans do Judiciário, pode ir em cana por causa de tuíte. O problema da liberdade de expressão é mesmo algo de direita X esquerda no Brasil?

Mas não deixemos a postagem de Zambelli passar em branco: existe a possibilidade de se cometer racismo contra palestinos, que aliás são semitas também? Ou os judeus estão para os palestinos do mesmo modo que os negros estão para os brancos segundo Sílvio Almeida: só podem ser vítimas e jamais algozes? E mais uma pergunta: caso admitamos que é possível ser racista contra palestinos, será que não é o caso de rotular tal coisa como “extremismo de direita”, não? Ou decidimos fazer o inverso da Folha de S. Paulo e dizer que só há extrema esquerda, mas nunca extrema direita?

Cabe apontar mais uma semelhança entre o sionismo e o racialismo negro. Se para um brasileiro normal soa racista pra chuchu a conversa de que negros, independentemente da condição social, precisam de cotas para passar por um vestibular cego, como pode soar a afirmação de que os judeus estão por trás de tudo o que acontece na política brasileira? Não obstante, vemos o deputado da direita identitária Gustavo Gayer postar o seguinte: “Todos. Eu repito, TODOS que se erguerem contra Israel e os judeus foram destruídos. Dilma expulsou o embaixador da israel e alguns meses depois foi aberto seu processo de Impeachment.” Para quem é de direita, pode soar como um Protocolo dos Sábios do Sião do bem. Para quem é de esquerda, como o judeu petista Jaques Wagner, na certa soa como um Protocolo dos Sábios do Sião puro e simples. Mas como Jaques Wagner já deu forte indício de ser um sionista, dificilmente usará a sua condição de senador e judeu para cobrar esclarecimentos ao deputado também sionista Gustavo Gayer. A lealdade à ideologia oficial de Israel vem antes da lealdade ao Brasil. Refiro-me, claro esteja, a sionistas: nem todo judeu é sionista (Altman e Greenwald não são sionistas), nem todo sionista é judeu (Gayer e Zambelli não são judeus).

Antissemita é de quem eu não gosto

Como o sionismo é identitário, tem se empenhado em chamar todo o mundo de antissemita, fazendo assim com que o significado se desgaste e o antissemitismo real deixe de ser levado a sério. “Antissemita” é só opositor do sionismo, uma corrente política à qual todos têm o direito de se opor. Um exemplo desse abuso foi a reação a um trecho do discurso do diretor judeu israelense Yuval Abraham no Berlinale. Junto com seu amigo palestino Basel Adra, ele co-dirigiu um documentário sobre a atual erradicação de vilarejos palestinos por colonos israelenses na Cisjordânia e discursou no festival alemão após ambos ganharem o prêmio de melhor documentário. Eis aqui o trecho do discurso que foi ao ar, legendado em português pelo perfil da FEPAL. Discurso mais bom-moço, impossível. Não fala de Hamas, nem de resistência palestina; só pede que o amigo tenha direitos iguais aos dele. Segundo Yuval Abraham conta, a TV israelense rotulou esse discurso como antissemita. No Guardian, lemos que as autoridades alemãs também consideraram o discurso antissemita e que, segundo relatos do israelense, a woke mob destra ameaça matá-lo.

Por aqui, também temos um surto de acusações precipitadas. O Brasil não é um país racista; por isso, enquanto brasileira, fico ofendida quando meus compatriotas são xingados de racistas a esmo. Isso depõe, e falsamente, contra o Brasil. A esquerda não é antissemita. A fala de Genoíno muitas vezes nem é citada corretamente (ele falou de boicotes a determinadas empresas de judeus, no contexto do boicote aos signatários de um abaixo assinado pró-Israel). Mas dizer que a esquerda é antissemita é uma fraude sobretudo da história europeia: eram judeus étnicos Marx, Trótski, Bernstein, Rosa Luxemburgo e Lukács. (O que vale para sionista e para nazista é o critério étnico ou o sangue, em vez da consciência religiosa.) Na Europa e nos EUA (para onde fugiram muitos judeus europeus), ser judeu no século XX costumava implicar alguma simpatia pelo comunismo, já que os nazistas apareceram como uma alternativa de direita para combater o comunismo. Apesar do Molotov-Ribbentrop, a imagem da URSS que ficou para os judeus europeus foi a do Exército Vermelho libertando os prisioneiros dos campos de extermínio na Polônia.

Não adianta fazer revisionismo histórico e inventar um conceito novo de esquerda para dizer que o nazismo era de esquerda: o nazismo era anticomunista, e foi adotado por setores conservadores e pelo empresariado por isso.

Banalização do Holocausto

Além da banalização do antissemitismo, temos também a verdadeira banalização do Holocausto. Voltemos ao artigo de Lottenberg (CONIB) e Reiss (IHRA): “falar sobre o Holocausto precisa estar ligado às narrativas sobre o racismo, sobre a violência contra a mulher, a LGBTQIAP+fobia, a intolerância religiosa, a xenofobia, o capacitismo, o acolhimento a refugiados e, obviamente, sobre o antissemitismo.” Sinto muito, mas não acredito que as discussões das supostas discriminações sofridas por militantes woke devam trazer à baila o Holocausto. Isso, sim, é banalização.

E o que dizer dos bolsonaristas que comparam as prisões do 8 de janeiro ao Holocausto? Teve até “Diário de Anne Brasil”, feito para ecoar como o de Anne Frank. Isso não é banalização do Holocausto? Ademais, como já argumentei numa discussão com Polzonoff, se os bolsonaristas quiserem mesmo se comparar a vítimas do Holocausto, que pelo menos seja com os comunistas, já que comunista tomava a decisão política de ser comunista, assim como bolsonarista faz a escolha política de ser bolsonarista. Ser considerado judeu, no III Reich, não era escolha.

No fim, a real banalização do Holocausto é a sua sujeição a pautas políticas da ordem do dia. A real banalização do Holocausto ocorre dia e noite, sem protestos das entidades sionistas. Elas só reclamam quando alguém apela para o Holocausto para impedir um genocídio em andamento perpetrado por Israel. Esse, sim, um problema muito mais grave que o “capacitismo” e as prisões arbitrárias numa república de bananas.

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Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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