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“Eu tenho uma dúvida seríssima quanto aos dois crimes” – eis o que disse o Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, sobre a condenação do ex-Presidente Lula por corrupção e por lavagem de dinheiro. Como de costume, tão importante quanto o dito, é o não dito, a real intenção, a razão ulterior, o recado nas entrelinhas. Analisemos o caso tríplex.
Cronologia da condenação:
– Ainda em 2017, Lula é condenado em 1ª instância pelo então Juiz Sergio Moro da Justiça Federal do Paraná, no âmbito da Operação Lava Jato;
– O réu apela da decisão, mas em 2018 a condenação é confirmada em 2ª instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região;
– Para evitar ser preso com base no entendimento de 2016 do colegiado do STF (à época favorável à prisão após julgamento em 2ª instância, por 6 votos a 5), a defesa de Lula impetra habeas corpus preventivo, que é negado tanto pelo STJ quanto pelo STF;
– Lula é detido em abril de 2018, não sem antes promover um comício vitimista de autocomiseração e se encastelar no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, descumprindo ordem judicial referente a seu mandado de prisão;
– Nesta semana, após novo recurso, Lula sofre nova derrota: sua condenação é confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça em sentença unânime.
Fatos do processo:
O caso tríplex foi analisado e julgado por 20 juízes naturais: o Juiz Sergio Moro (1º grau), 3 desembargadores do TRF-4 (2º grau), 5 Ministros do STJ (Tribunal recursal) e 11 Ministros do STF (Tribunal constitucional). Um detalhe importante: dos 5 Ministros do STJ, 4 foram nomeados pelo Governo Lulopetista; dos 11 Ministros do STF, 8 são nomeações de Lula ou Dilma.
A pena fixada por esta última condenação no STJ é de 8 anos e 10 meses. E, apesar da variação na dosimetria das penas, nenhuma das 3 sentenças condenatórias questionou a autoria e a materialidade dos crimes. Ou seja, a Justiça entendeu em 3 julgamentos distintos que houve corrupção e lavagem de dinheiro, e que essas foram praticadas por Lula. Como este não é um país sério, ao invés de encarcerado numa cela comum num presídio federal, ele está hospedado numa suíte gourmet da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.
Homenagem à Constituição:
O Ministro Marco Aurélio Mello é contra a execução provisória da pena. E, assim que a questão for submetida ao Plenário do Supremo, votará (e torcerá) pela inconstitucionalidade da prisão após julgamento em 2ª instância: “A maioria vai se formar no sentido, sob a minha ótica, de homenagear a Constituição Federal”. No país da inversão de valores, soltar corrupto é homenagear a Constituição. Se dependêssemos do Ministro, Lula já estaria livre.
A Lei e suas interpretações criativas
Voltemos à “dúvida seríssima” do Min. Marco Aurélio: “Houve apenas a corrupção, ou houve corrupção e lavagem?”
O artigo 1º da Lei n. 9.613/98 tipifica o crime de lavagem de dinheiro: “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”. Portanto um crime acessório, derivado de outro (como corrupção, no caso de Lula), que pressupõe dar uma aparência legítima a uma vantagem ilegítima. Ora, ao aceitar propina na forma de benfeitorias a um imóvel de uso pessoal, mas formalmente registrado em nome de terceiros, o que fez o ex-presidente? É preciso uma interpretação muito criativa da lei para não enquadrar o caso concreto como crime lavagem de dinheiro.
Consequências práticas: #LulaLivre
Se a “dúvida seríssima” do Ministro Marco Aurélio se manifestar como uma “certeza cômica” no voto da maioria da corte, Lula não será mais hóspede da suíte master da PF em tempo integral.
A pena fixada por corrupção pelo STJ foi de 5 anos, 6 meses e 20 dias de prisão; por lavagem de dinheiro, 3 anos e 4 meses. Se o STF inventar que não houve este último crime, a pena será reduzida consideravelmente, bem como o tempo para progressão de regime (pelo cumprimento de um sexto da pena). Para Lula fazer jus ao regime semiaberto neste novo cenário hipotético, bastariam 11 meses de regime fechado (ainda que gourmet) – e o ex-presidente já cumpriu 13 meses.
É desalentador, mas parece que, de um jeito ou de outro, Marco Aurélio colocará mais um corrupto nas ruas. Enquanto isso, assistimos estupefacientes à doutrina laxativa do STF (que solta tudo e todos) se consolidar como mecanismo de perpetuação da impunidade, num país que tem sinalizado seu desapreço à bandidolatria.
Não à toa, Ministro, eu, os leitores e o Brasil temos “uma dúvida seríssima” em relação à Vossa Excelência.
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