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Conseguiremos discutir a regulação das redes como adultos no Brasil?

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O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do PL das Fake News. (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

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O projeto apelidado de “PL das Fake News” iniciou um verdadeiro barraco em que se discute de tudo menos regulação de redes sociais. A rigor, ele nem define o que seriam Fake News e toca muito pouco no debate internacional sobre regulação. Entramos numa treta colossal que simplifica intelectualmente o debate a apela à pressa excessiva. É uma pena jogar fora tudo o que o Brasil já construiu em termos de legislação sobre internet. Pouca gente sabe, mas temos modelos internacionalmente reconhecidos como de excelência.

O Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados, LGPD, são leis consideradas modelo tanto no conteúdo final quanto na forma de elaboração. A sociedade digital é uma novidade para todos nós. Não estamos diante apenas de uma nova tecnologia, mas de algo que impacta todos os tipos de relações humanas. Essas leis foram feitas por meio de longas discussões com diversos setores da sociedade, o que aumenta a qualidade legislativa e democrática do produto final.

A grande questão é se ou quando conseguiremos aqui no Brasil debater esse tema como adultos numa era em que a quinta série domina todos os debates.

A forma de elaboração é um problema central do PL das Fake News. Ele foi feito de maneira açodada. Começa com um projeto do senador Alessandro Vieira, do PSDB, que acabou quase completamente desfigurado na versão que temos agora. As mudanças não envolveram discussões abertas com a sociedade. Quase metade do projeto nem envolveu debate com gente de fora do parlamento. O açodamento é um problema ainda mais grave. Agora estamos diante da urgência na votação que ocorre junto com uma campanha de tretas de redes sociais. É como deixar a quinta série conduzir os rumos do país.

Existem duas posições que ficaram muito marcadas e simplificam de forma grosseira discussões complexas e necessárias para o futuro do país. A primeira é chamar o projeto de “PL da Censura” e, ao mesmo tempo, adotar a posição de que qualquer regulação de redes sociais é uma ameaça à democracia. É necessário regular, o problema é a forma como isso está sendo feito.

As redes sociais promovem o que dá mais cliques. Isso implode algo essencial para os veículos jornalísticos, organizar o que é mais importante para o público.

A outra posição é a de apresentar o projeto como uma panaceia, que acabaria com Fake News e movimentos violentos como os de ataques em escolas. Esse tema, aliás, tem sido utilizado por perfis incendiários para mexer com os sentimentos das pessoas e dar a entender que o projeto em questão poderia conter grupos neonazistas ou atentados. Ele não dá conta disso. Há alguns pontos específicos que, quando apresentado com tintas carregadas, são tidos como eficientes para conter a desinformação e as Fake News. São, resumidamente, propostas para controlar conteúdo.

No projeto, no entanto, há pontos que podem favorecer a desinformação. O primeiro deles é a imunidade para políticos. Estamos num momento em que o país debate limites para a imunidade parlamentar na tribuna. Essa discussão não se aplicaria mais ao ambiente virtual. É, sem dúvidas, algo que demanda debate com a sociedade.

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Um outro ponto é a remuneração aos órgãos de imprensa pelo uso das informações produzidas por eles. Isso é visto por alguns como algo que asseguraria aos órgãos de imprensa alguma prevalência sobre órgãos que mimetizam a estética jornalística e se dedicam a propagar desinformação. Da forma como está o projeto, esses últimos poderiam ser favorecidos. Como? Explico. Talvez você não tenha o hábito de visualizar o Google News, agregador de notícias do Google. Eu faço por dever de ofício, já que acompanho de perto aqui na coluna todas as tendências da Cidadania Digital. É um serviço que, em tese, indica notícias de órgãos de confiança para os leitores.

Anteontem, a primeira indicação para mim era uma notícia de um site obscuro de fofocas dos famosos. Havia uma foto de Danilo Gentili abraçado com Oscar Filho. A manchete era algo do tipo “humorista reclama que está na sarjeta após demissão da TV”. O que você entende disso?

Claro que todo mundo vai clicar pensando que Danilo Gentili foi demitido do SBT. Eu, inclusive. O humorista é meu amigo e eu tomei um susto danado. O texto falava sobre um caso de anos atrás envolvendo o outro humorista da foto, Oscar Filho. Nada dito ali na reportagem era mentira, mas o contexto nos leva a tirar conclusões precipitadas que se afastam muito da verdade. Isso é Fake News em seu estado natural, contar grandes mentiras dizendo apenas verdades.

No projeto, no entanto, há pontos que podem favorecer a desinformação. O primeiro deles é a imunidade para políticos.

Que negociações de remuneração seriam mais fáceis? Não seriam seguramente as dos órgãos de imprensa tradicionais. Para esses sites de fofocas dos famosos ou qualquer coisa que o valha a negociação seria muito mais fácil. Eles não se importam com notícias, com o público ou com jornalismo, querem só os cliques. Estão muito mais afinados com os interesses das Big Techs. O cenário que teríamos como consequência é de muito mais abrangência desses sites que emulam jornalismo. Os empreendimentos jornalísticos acabariam esgoelados por isso.

Qual seria a solução? Discussões mais aprofundadas e sérias, sem açodamento. Ficamos encalacrados em uma discussão superficial sobre se os órgãos de imprensa devem ou não ser remunerados, algo fácil de manobrar com interesses e trabalho de bastidores. Ocorre que a discussão não se encerra aí. O modelo australiano, discutido há alguns anos, traz uma luz importante sobre a relação entre redes sociais e imprensa. Existe um ponto que é a remuneração. Mas existe outro, ainda mais importante para os empreendimentos jornalísticos, que é o modelo de negócios.

Há, neste ano, um consenso mundial sobre a necessidade de regulação. Ela é, no entanto, mais profunda do que estamos discutindo.

As redes sociais promovem o que dá mais cliques. Isso implode algo essencial para os veículos jornalísticos, organizar o que é mais importante para o público. Pense em um jornal impresso. A manchete não é o que geraria mais cliques, é aquilo considerado pelo veículo como mais importante para sua audiência. Uma empresa jornalística pode investir, por exemplo, durante meses em uma investigação importante. Isso será seguramente o conteúdo mais importante a promover. As redes sociais promoverão ativamente outro conteúdo, uma notícia bizarra ou sobre alguma subcelebridade. O que não tem valor jornalístico passa a gerar mais valor financeiro do que aquilo que tem. Isso implode o modelo de negócios.

Na Austrália, a negociação financeira é uma parte do acerto entre redes sociais e veículos jornalísticos. A outra parte é que o veículo passe a ter controle sobre aquilo que é promovido ativamente sobre as Big Techs. Uma empresa que investe, por exemplo, em jornalismo investigativo teria esse conteúdo mais promovido do que uma bobagem sobre uma celebridade.

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O DigWatch, sediado em Genebra, acompanha as discussões internacionais sobre regulação de internet. Havia, até o ano passado, uma forte corrente contra regulação, vinda especialmente dos Estados Unidos. Depois de diversas oitivas de dirigentes de redes sociais no Congresso norte-americano, caiu por terra a ideia de que é possível uma autorregulação pelas regras das plataformas. Há, neste ano, um consenso mundial sobre a necessidade de regulação. Ela é, no entanto, mais profunda do que estamos discutindo.

O principal ponto, segundo o DigWatch, é conseguir ter uma figura jurídica para as Big Techs que coincida com a atividade real dessas empresas. Atualmente, elas são colocadas como serviços de publicidade ou mensagens. No entanto, são empresas que moldam a política, a democracia, as relações sociais e até as relações comerciais.

Internacionalmente, este ano, a prioridade é encontrar figuras jurídicas que definam com precisão qual a atuação dessas empresas e desse mercado. Estamos diante de um desafio e tanto, que só pode ser enfrentado por adultos. A grande questão é se ou quando conseguiremos aqui no Brasil debater esse tema como adultos numa era em que a quinta série domina todos os debates.

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