Desde que o PT organizou os MAVs, Militantes em Ambientes Virtuais, se estabeleceu uma nova lógica no debate político. Críticos e jornalistas passaram a ser assediados segundo duas lógicas específicas: ataque em enxame e separar a ovelha do rebanho. Antes de 2010 havia uma diferença, a prática era de listas dos malditos. Na dinâmica dos ataques virtuais e das bolhas, não é tão efetivo. Quando você faz uma lista, isso gera um sentimento de união e solidariedade entre os listados, o que favorece a defesa deles.
A tática mais efetiva no ambiente digital é selecionar uma única pessoa e juntar um grupo para atacar. As personas no grupo podem ter diferentes tipos de discurso, desde o mais baixo e violento até o que parece educado. O importante é que mantenham a carga sobre o mesmo alvo. Tem ainda uma outra camada, o ataque a quem tenta defender a pessoa. Se alguém tentar defender, deve ser atacado também, o que desencoraja as defesas. É um método muito efetivo para promover autocensura, já que a punição exemplar desencoraja futuras críticas.
Lula é tratado por sua militância como um Rei Sol, sinônimo da democracia e do lado certo da história.
Não é um método de esquerda ou exclusivo de alguma tendência política; é uma estratégia digital e democrática, pode e é usada por todos. Há quem creia que somente usando esses métodos se combate uma força política. A verdade é que usar o método o legitima, o que fortalece quem inaugura a prática.
Na realidade, permitir o chiqueiro moral como método político acabou promovendo um outro fenômeno. Pessoas perversas que não se importam realmente com política acharam aí uma brecha para ter deleites perversos. Quando essas pessoas repetem o discurso político, podem ser baixas e violentas apenas por prazer, mas com a desculpa de que é necessário na política atual.
A chegada de Janja ao clã luloafetivo é que traz uma novidade, que eu chamo de Janjistão.
Os MAVs originais já completam 13 anos. Muita coisa mudou nesse tempo. A tecnologia chegou a um número impressionante de pessoas e elas começaram a perceber o uso dessas ferramentas.
Na últimas eleições, a CUT resolveu ressuscitar os MAVs. Isso persiste há anos e não é novidade na política. A chegada de Janja ao clã luloafetivo é que traz uma novidade, que eu chamo de Janjistão.
O nome lembra o sufixo de vários países que desprezam os direitos de liberdades individuais. Não é à toa. A nova lógica repete esse vício. A Gazeta do Povo tem noticiado o movimento de Janja em redes sociais desde o início do ano. A primeira-dama já demonstrou publicamente sua proximidade com influencers e artistas. Chegou a receber vários deles em um café da manhã. Felipe Neto, que agora parece desiludido, esteve muito próximo do governo. A agência de fofocas Choquei entrou na política.
Janja não é unanimidade na esquerda. Há problemas internos no PT devido à influência real que ela exerce sobre o presidente.
A ação de mais efeito desse ecossistema digital foi a subida da rampa na posse, com influencers escolhidos para representar a diversidade. Gerou uma ação que deu capa de jornais internacionais. Sorte de principiante? Talvez. Uma coisa é emplacar uma ação pontual, outra é ter consistência ao longo de um governo. Essa bolha de influencers tem uma lógica muito diferente da política. Por mais baixos e violentos que os influencers políticos sejam, há fronteiras que eles não cruzam. Aqui temos algo no clima de fandom de celebridades e Kpop. Nesse universo não há limites.
Trago aqui algumas experiências pessoais na interação com essa bolha. Você, muito provavelmente, deve ter visto coisas parecidas. Há diversos influencers, inclusive com perfis verificados, que respondem a praticamente todas as postagens de forma obsessiva. O diferencial é que investem em todas as vertentes de preconceitos que os progressistas dizem combater. Misoginia, etarismo, homofobia e até racismo se misturam em posts que, supostamente, têm o objetivo de defender a primeira-dama.
Cito exemplos concretos. Fiz uma postagem questionando a interferência da primeira-dama, que oficialmente não faz parte do governo, em assuntos oficiais. Recebi como resposta uma foto de calcinha suja.
Outro perfil manda um GIF que se torna perturbador quando combinado com o texto da postagem. É uma menina adolescente lambendo um sorvete de casquinha. Ele me pergunta: engole ou cospe?
Houve um perfil que, com a desculpa de defender Janja, disse que eu sou “mais burra que um índio”. Se fosse um bolsonarista, seria claramente racismo, de acordo com a turma do amor.
Um seguidor tentou argumentar com um desses perfis, não lembro mais se o da calcinha suja ou o do “engole ou cospe”. A resposta foi um post com um print da foto do seguidor e uma frase do tipo “mona, sai do armário”. É um seguidor homossexual assumido. Seria homofobia, segundo a turma do amor, caso fosse bolsonarista.
É uma estratégia arriscada. Tem dado certo em fandom de artista e Kpop porque essas bolhas não discutem questões de preconceito. São 100% defensores ou inimigos do artista. Na política, é diferente. Janja não é unanimidade na esquerda. Há problemas internos no PT devido à influência real que ela exerce sobre o presidente. Gente que passou décadas brigando por cargos e posições está incomodada com a forma informal de amalgamar poder. E essas pessoas são justamente as que têm a defesa das minorias como pauta política.
No curto prazo, o uso de preconceitos pela militância digital do Janjistão incomoda principalmente a oposição. Fica muito fácil apontar a incoerência diante das pautas. Resta saber por quanto tempo os progressistas vão tolerar essa situação. Lula é tratado por sua militância como um Rei Sol, sinônimo da democracia e do lado certo da história. Resta saber quanto tempo falta para essa prática colidir com interesses individuais.
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