Na última semana, um tribunal russo aplicou uma multa de proporções inéditas ao Google: dois undecilhões de rublos, o equivalente a cerca de US$ 2,5 decilhões — valor que ultrapassa toda a riqueza mundial combinada. A justificativa para essa penalidade astronômica remonta ao bloqueio de canais de mídia estatais russos, como RT e Sputnik, no YouTube. A restrição, iniciada em 2020 e intensificada após a invasão russa da Ucrânia em 2022, foi vista pelo Kremlin como uma agressão à sua “liberdade de expressão” e levou o governo russo a aumentar as retaliações financeiras contra o Google em níveis inimagináveis.
No entanto, a multa ao Google vai muito além de uma simples questão de censura, é parte de uma estratégia de controle total sobre a informação. Trata-se de um recurso essencial na agenda autoritária de Vladimir Putin para manter a população russa sob uma narrativa cuidadosamente manipulada e, ao mesmo tempo, desestabilizar democracias ocidentais. Esse bloqueio de canais russos nas plataformas do Google não é, aos olhos do Kremlin, um inconveniente passageiro. Ele rompe a estrutura informacional que Putin consolidou ao longo dos últimos anos, baseada na criação de uma “bolha informacional” que protege os russos de visões externas e concentra a visão de mundo no que é propagado pelos canais estatais.
Ao impor uma multa inatingível, Putin sinaliza a outras empresas de tecnologia que qualquer resistência ao seu controle informacional será severamente punida
Com o Google fora do controle direto do governo, o Kremlin enxerga a plataforma como uma ameaça, por abrir espaço para que os cidadãos russos tenham contato com perspectivas e informações que contestam a propaganda oficial. Essa preocupação com a “liberdade” de manipular o que o público acessa é o que, de fato, motivou o Kremlin a avançar com uma penalidade tão desproporcional.
A multa aplicada ao Google também traz à tona uma realidade que ultrapassa as fronteiras russas. Em democracias ocidentais, Putin já coordena uma campanha que utiliza as mesmas táticas de manipulação para minar a confiança pública e fomentar divisões internas. Esse método é conhecido como firehosing, ou “enxurrada de desinformação”. A prática consiste em lançar um volume massivo de informações falsas, exageradas ou distorcidas, para criar uma realidade confusa e caótica que provoca ceticismo, dúvidas e desconfiança no público.
No exterior, a Rússia opera uma campanha de divisão, utilizando até domínios falsificados para imitar grandes veículos de imprensa como The Washington Post e Fox News. Essas réplicas digitais veiculam teorias da conspiração, desacreditam o apoio ocidental à Ucrânia e atacam a imagem de aliados democráticos, como os Estados Unidos e a União Europeia. No entanto, a situação nos Estados Unidos não passou despercebida pelo governo. Recentemente, o Departamento de Justiça norte-americano abriu um processo contra a operação russa conhecida como “Doppelganger”. O objetivo é desmontar uma rede que dissemina desinformação através de sites falsos que imitam grandes veículos de mídia.
Dessa forma, Putin busca ampliar seu impacto fora da Rússia, alimentando tensões sociais e desacreditando líderes e instituições ocidentais. Essa campanha se tornou um recurso estratégico que o Kremlin considera essencial para manter a própria estabilidade do regime russo. Desacreditando as democracias no exterior, Putin cria um exemplo para mostrar ao público russo que o sistema ocidental, que critica seu governo, também é falho e problemático.
Internamente, o governo russo impõe um nível de censura draconiano. Quase toda a imprensa independente foi forçada ao exílio, e as plataformas digitais são monitoradas de perto. Notícias que contradigam a versão oficial são suprimidas rapidamente, e o aparato estatal controla cada palavra que chega ao público.
No entanto, as plataformas ocidentais, como o YouTube, se tornaram uma janela para a realidade externa, onde cidadãos russos podem acessar informações sobre a guerra na Ucrânia e outros assuntos que o Kremlin preferiria manter ocultos. Com o Google resistindo ao controle do Kremlin e impedindo que a Rússia dite o que é veiculado, a resposta foi essa retaliação financeira astronômica. Ao impor uma multa inatingível ao Google, Putin sinaliza a outras empresas de tecnologia que qualquer resistência ao seu controle informacional será severamente punida.
Mais que um ato de retaliação, essa multa contra o Google serve para intimidar e reforçar a mensagem de que o Estado russo não hesitará em usar todos os meios para defender seu controle sobre o que os cidadãos podem acessar e acreditar. O próprio porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, admitiu a surrealidade da quantia e declarou que nem ao menos consegue “pronunciar esse número”. No entanto, a questão vai além do montante impagável, trata-se de uma mostra de poder, uma forma de afirmar que a obediência ao Kremlin não é opcional.
Para o regime de Putin, o controle da narrativa pública é tão importante quanto o controle militar. A desinformação e o controle total da mídia são os pilares que sustentam sua permanência no poder. A guerra da informação é, para ele, uma forma de garantir que a população russa permaneça isolada da realidade externa, consolidando um ambiente onde o regime é visto como o único protetor da “verdade”.
E para as democracias ocidentais, o alerta está dado: a guerra da informação do Kremlin não reconhece fronteiras, e seu arsenal inclui penalidades financeiras, como a multa ao Google, processos judiciais e uma estratégia incessante de desinformação. Em um cenário onde a verdade se torna uma ameaça, a ditadura russa exibe todo o alcance de sua capacidade de distorcer e confundir e, assim, manter-se no poder a qualquer custo.
Ainda bem que a Rússia fica bem longe daqui.
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