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Crônicas de um Estado laico

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Novo Código Civil

Criança pode testemunhar?

Anteprojeto de novo Código Civil quer liberar menores de 16 anos para testemunhar em processos. (Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney)

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Seguimos em nossa jornada de investigação do anteprojeto do Código Civil, analisando essa iniciativa altamente questionável de querer mexer na legislação mais importante da vida de nossa sociedade apenas 20 anos depois da promulgação do Código atual. O IBDR tem se desdobrado, com uma notável equipe de juristas que, voluntariamente, estão analisando cada uma das propostas, em um trabalho hercúleo de exame de mais de mil artigos, buscando enxergar perigos em determinadas propostas.

O artigo 228 do atual Código Civil trata sobre pessoas não admitidas como testemunhas em um processo judicial; o inciso I menciona “os menores de 16 anos”. O anteprojeto quer revogar este inciso, permitindo, então, que os impúberes possam ser chamados perante as cortes judiciais para testemunhar. Qual é o perigo disso?

Na lei atual, já existe uma ressalva que permite o testemunho do menor impúbere. O § 1.º do mesmo artigo 228 diz que, “para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o depoimento das pessoas a que se refere este artigo”. Ou seja, estamos tratando da regra geral, fora esta importante exceção.

É medida que visa ao bem comum permitir que crianças sejam levadas aos tribunais para serem submetidas a escrutínios por juízes, promotores e advogados, no contexto de um processo judicial?

A testemunha tem uma grande importância na instrução do processo – o ato de “colher” provas, conforme cada rito. Há, inclusive, atos jurídicos que, para serem válidos, requerem a presença de testemunhas, como o testamento público ou o casamento civil.

O que é a prova testemunhal? Para estabelecer o melhor alcance da realidade onde há uma pretensão resistida (que é a definição de processo judicial) a ser arbitrada por um agente de Estado (o juiz), há a necessidade de se provar uma alegação. No sistema de Direito Civil (como chamamos, “sistema romano-germânico”), a prova é o Santo Graal do processo: somente com seu estabelecimento pode o Estado declarar quem tem “a razão” e, assim, dizer o direito. É, neste ponto, diferente do sistema de common law anglo-saxão, onde a evidência cria as condições de perseguir a verdade por meio da equidade (por isso tão presente entre elas a instituição do júri popular). Entre nós, vale a tecnicidade da prova, que vai enquadrar o caso concreto nas hipóteses abstratas da lei, procurando, assim, efetivar a justiça para as partes em desarranjo.

As provas, em geral, podem ser diretas, como documentais, periciais ou inspeção judicial; e indiretas, como é o caso da prova testemunhal, que é considerada como uma fonte subsidiária da prova documental. No caso da prova testemunhal, diz-se que é indireta justamente por seu elemento de falibilidade humana. Não se pode pretender enxergar plenamente a realidade por meio do relato de um terceiro; infere-se, a partir de suas impressões, que reforça ou refuta determinada alegação que seja o objeto do conflito mediado pelo juiz. Por isso muito se esforça por apurar técnicas que permitam, no curso do processo, determinar e valorar esta prova para o deslinde de casos que irão interferir muito profundamente na vida dos envolvidos.

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Neste contexto, surge a questão: é medida que visa ao bem comum permitir que crianças sejam levadas aos tribunais para serem submetidas a escrutínios por juízes, promotores e advogados, no contexto de um processo judicial?

Em primeiro lugar, a legislação enxerga crianças e adolescentes como pessoas que estão em um processo de formação biopsicossocial, que inclui crescimento, amadurecimento e a formação de personalidade. A capacidade cognitiva e neurológica dos menores ainda está em desenvolvimento, o que significa que eles podem não compreender plenamente a complexidade e as implicações de um testemunho judicial.

Além disso, menores são especialmente suscetíveis à influência de familiares ou pessoas próximas, especialmente se estas desempenham um papel de autoridade. Esta suscetibilidade pode levar a depoimentos viciados ou influenciados, comprometendo a veracidade e a integridade do processo judicial. A pressão ou manipulação por parte de adultos pode resultar em testemunhos que não refletem a verdade, mas sim as expectativas ou os interesses daqueles que influenciam a criança. Mesmo com a presença de especialistas durante a oitiva, existe o risco de manipulação do depoimento. Este risco é exacerbado pela natureza vulnerável e impressionável das crianças, que podem ser facilmente direcionadas durante a entrevista.

Menores são especialmente suscetíveis à influência de familiares ou pessoas próximas, especialmente se estas desempenham um papel de autoridade. Esta suscetibilidade pode levar a depoimentos viciados ou influenciados

Por fim, a Constituição da República e os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário protegem os direitos fundamentais e a dignidade humana de todas as pessoas, especialmente das crianças. Submeter menores a um processo judicial como testemunhas pode violar esses direitos, expondo-os a situações de estresse, trauma e pressão indevida.

Ou seja: mais uma vez as “boas intenções” não encontram as virtudes da prudência e justiça ao se pensar uma lei. O uso ativista da atividade legislativa e do direito (sob o viés positivista) está em contraste com o direito natural, sendo a dignidade humana – e das crianças em especial – o metaprincípio a ser protegido, e não atacado.

O IBDR segue empenhado em seu trabalho crítico, conduzido pela comissão especialmente formada para essa análise, sob a liderança dos autores desta coluna e a coordenação de Silvana Neckel, Warton Hertz, Andressa Bortolin, Gabriel de Almeida e Gianna O. Campos. A investigação detalhada do artigo 228 foi conduzida pelo grupo 2 da Comissão, liderado por Ezequiel Silveira, que também procedeu com o exame minucioso deste artigo.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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